7.01.2015

Afinal Havia Outra (#26) - Às vezes os milagres acontecem aos pares

O meu grande sonho sempre foi ser mãe. Imaginei tantas vezes como seria sentir um bebé a crescer na barriga, estar 9 meses a receber miminhos do marido, família, amigos; cantar, falar e mimar o meu bebé dentro da barriga, ter muitos desejos de doces e não ligar nenhuma à balança, sorrir todos os dias apenas porque ter um bebé nos faz ser melhores, nos faz ser a pessoa mais feliz do mundo, nos faz sonhar, nos faz tanto mas tanto bem. Imaginei muitas vezes a minha gravidez, o meu parto, o meu pós parto, o meu bebé, até o meu possível baby blues… mas nada foi como imaginei. A minha viagem ao mundo da maternidade foi difícil, atribulada, uma autêntica montanha russa de sentimentos e emoções.


Este meu sonho de ser mãe juntou-se ao sonho do meu marido de ser pai e assim resolvemos tentar engravidar. Estava de tal maneira ansiosa que fiz o teste dois ou três dias depois da ausência da menstruação. Quando vi o “grávida” o meu coração parecia que ia rebentar com tanta alegria, o meu marido agarrou-me ao colo e ficámos os dois a aproveitar o momento e a sonhar com o nosso bebé… mas mal sabíamos nós que não era um bebé mas sim dois que estavam a caminho. Estávamos muito longe de imaginar. Na primeira ecografia apenas se via um saquinho e uma sementinha, mas eu juro que via duas, mas como o meu marido (que até é médico) juntamente com a minha Obstetra não comentaram nada eu fiquei caladinha. Passados uns dias a minha barriga crescia a olhos vistos (mais do que o “normal”) e os vómitos e enjoos eram constantes e não conseguia aguentar nada no estômago. Lá se ia o meu sonho de comer muito na gravidez.

Finalmente tinha chegado o dia da segunda ecografia e afinal eu tinha razão, as mães nunca se enganam… eram mesmo dois bebés! Fiquei duplamente feliz e duplamente ansiosa. Quando contei às pessoas mais próximas ninguém acreditava pois sempre dissera a brincar que iria ter gémeos, ou melhor, trigémeos! A sorte foi que Deus teve pena de mim e só me deu duas de uma vez, nem quero imaginar como seria com três.

O primeiro trimestre foi vivido com muitas náuseas e vómitos, era quase impossível aumentar de peso, tomava os meus milagrosos comprimidos para o enjoo que me davam um sono horrível, tive de deixar o trabalho e ficar em casa, ou melhor dizendo, no sofá, pois foi esta a minha companhia durante muitos dias. Comecei a sentir os bebés muito cedo, com umas 18 semanas sabia que tinha um ou uma que não parava quieto e outro ou outra mais calmo pois não se mexia tanto. Também as contrações chegaram mais cedo, o que obrigou a mais e mais repouso. A barriga estava a aumentar a olhos vistos e pensava muitas vezes como ia ficar com 38 semanas de gravidez. Estava com alguns receios como é normal de mãe de primeira viagem e ainda por cima logo de duas bebés, mas a alegria superava todos os receios. No dia que soube que iam ser duas meninas foi um dia mágico, sempre quis tanto ter meninas. Engraçado que o meu marido desde o início que disse que eram meninas… mal ele sabia que estava tramado com três mulheres em casa.

A gravidez estava a ser super vigiada, consultas e ecografias semanais, estava longe de imaginar o que iria acontecer. Às 25 semanas de gestação o nosso mundo parou com a notícia de que as meninas podiam nascer a qualquer momento. Da notícia até elas nascerem nem passaram 24 horas, não tive tempo para reagir, para pensar no que estava a acontecer. A alegria deu espaço ao medo ao desespero, à dor, à angústia. E de um momento para o outro, as Marias nasceram. Sem grande aviso, sem preparação. O parto foi complicado pois uma já estava a meio caminho e a outra deitada sem querer sair, foi tudo muito rápido mas para mim foi uma eternidade. Adormeci a olhar para a anestesista e como aquele olhar me tranquilizou e me deu esperança. Não sei explicar mas acreditei sempre. Mas mesmo antes de adormecer falei-lhes em pensamento para terem força e que as amava muito. E quando acordei já tinha um sorriso nervoso do meu marido e umas fotografias das nossas “meio quilo de gente” mais lindas do mundo. Só as pude conhecer no dia seguinte. Tão pequeninas em tamanho e tão grandes no coração, que força de viver… e de repente já estavam elas a ensinar-nos a força e o poder do amor, quando éramos nós que pensávamos que lhes íamos ensinar tudo isso. 



Conheci as minhas filhas tão cedo… ainda não sabiam respirar, tinham os olhos fechados, orelhas mal definidas, pele vermelha (nem sei se podemos chamar pele), tinham uma mini fralda, estavam rodeadas de tubos e eram picadas e aspiradas de hora a hora. Vi o primeiro olhar e o primeiro sorriso, mas o choro só o ouvi ao fim de 26 dias, quando tiraram o ventilador.

Um xixi, um cocó, tudo era uma vitória, e coisas tão banais para a maioria dos bebés, para mim era como ganhar o euromilhões. Era tudo muito lento mas tudo mágico, e apesar de todos os tubos e de estarem a viver numa caixinha mágica (como lhe chamava), estavam rodeadas de tanto mas tanto amor!! O amor cura tudo e curou as nossas princesas!

Olho para trás com alguma tristeza por não ter chegado a viver um terceiro trimestre de gravidez, não ter tido um chá de bebé, mala de maternidade, enxoval, aulas de preparação para o parto, visitas ou mensagens de parabéns no dia em que nasceram, flores ou prendas, sorrisos, até dores pós parto (pois estava ocupada com outras dores maiores). Não tive aquela sensação mágica de tanta felicidade que a maioria das mães refere quando nascem os filhos, mas sim um medo enorme de as perder. Apesar desse medo, sempre acreditei nelas mesmo quando os médicos diziam o contrário. Não pude abraçar as minhas filhas (só ao fim de 26 dias), não era mãe a tempo inteiro, apenas umas horas (e isto doía tanto), tocava nelas apenas quando permitiam, cantava para elas sempre que podia, tirava leite pela bomba numa sala com outras mães à qual chamava sala de partilha da dor, pois ali éramos um pouco mães de todos. Tive duas mastites mas mesmo assim continuei a tirar leite (para o bem delas fazia qualquer coisa). E no fim do dia, regressava a casa, com uma dor horrorosa, uma sensação de vazio, de medo, de angústia, de não querer estar longe delas. Mas ao mesmo tempo sabia que tinha de descansar para estar bem perto delas. Chegava a casa tão triste, tão vazia, uma solidão. Olhava para os berços e não as via, olhava para a barriga e não as sentia, e recordava tudo o que aconteceu novamente, e rezava para conseguir dormir. Tinha a sensação de que estava a viver um sonho ou pesadelo (nem sei bem) e que nunca mais acordava. Tinha pânico que o telefone tocasse, não conseguia ligar para o serviço, não queria chorar perto delas mas também não queria deixá-las quando elas não estavam bem. Mas às vezes bastava olhar para elas para saber se estavam bem ou não. Tantas vezes me senti a desmaiar, sem força, com vontade de desaparecer. Mas o amor salvou-nos aos 4, sempre esteve presente, sempre deu esperança, força, coragem.

As Marias deram-me as maiores lições de vida. Ensinaram-me a amar, acreditar, a sonhar, a ter esperança, a ter fé e a ser uma pessoa melhor.  Lutámos juntos com muito amor, durante 109 dias, e apesar de terem sido dias de uma autêntica montanha russa de emoções, acreditámos sempre!!! 
 

Desde 27 de Junho de 2014 que estamos em casa todos juntos com muitos cuidados extra pois a prematuridade nos primeiros meses após alta requer mais vigilância, mais cuidados com possíveis infeções, menos idas a rua (no inverno quase nenhumas), mínimo de visitas. Mas apesar disso e agora que está a fazer um ano de alta delas, valeu tudo a pena. Este ano que passou foi sem dúvida uma grande aventura. Cuidar de gémeas, pais de primeira viagem e com muito poucas ajudas, pois os nossos familiares estão longe, não tem sido uma tarefa fácil mas prometemos escrever um dia sobre as aventuras e desventuras de pais de duas gémeas. Aliás, vou antes deixar para o pai escrever que ele tem muito mais jeito que eu.


Débora Barroso

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11 comentários:

  1. Que coragem! Grata pela partilha <3

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  2. Quero escrever, mas nem sei bem o quê...
    Talvez... PARABÉNS!
    Parabéns às Marias que lutaram tanto, sendo tanto pequenas e frágeis.
    Parabéns à mãe, pois isto não se imagina, só vivendo para saber o que se sente.
    E parabéns ao pai, pois terá sido, certamente, fundamental nesta história.

    Beijinhos.

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  3. Lindo :)
    Muitas felicidades, para si e para as suas Marias!

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  4. Era uma vez uma senhora grávida de gémeas (também de primeira - e única - viagem) que teve uma pré- eclampsia aos quase aos 6 meses. Estavamos em Outubro. Foi directa para o hospital e de lá não saiu. Esteve deitada os dias todos, com os médicos a dizerem "por favor, não se mexa, não respire, para ver se elas conseguem ficar "lá dentro" o máximo de tempo possível!!". E ela assim o fez. Esteve deitada, sem visitas a não ser a mãe e o marido, sossegada e enervada ao mesmo tempo, sem telemóvel (na altura nem havia, que isto aconteceu há muitos anos!) a ver telenovelas na TV. Diz que foi horrível, sempre mal disposta, com dores e com outros problemas, sempre à espera do pior. Um dia disseram-lhe que assim que houvesse duas incubadoras disponíveis, ela seguiria para o bloco, pois o parto teria que ser cesariana dado que um dos bebés se encontrava sentado, e dada a severidade da pre-eclampsia.E nunca mais havia duas incubadoras livres ao mesmo tempo. No dia 20 de Dezembro, os médicos "sequestraram" duas, e disseram-lhe "2ªfeira, 9h!". E ela deixou o fds passar, tentou sossegar (e ao marido!) até que chegou 2ªfeira. Banhinho tomado, pronta pa finalmente conhecer o destino. Num parto de muito risco e cheio de complicações, para ela e para as meninas, nascem dois ratinhos com pouco mais de 2kg, uma completamente azul e outra a caminhar para lá. Uma série de manobras de reaminação e de procedimentos, lá põem as duas a respirar (mas mal!) na incubadora. E ela completamente KO, anestesiada, vai para o quarto recuperar. Estavamos a 22 de Dezembro de 1986. O marido vai ver as miudas, e chega ao pé dela e diz que são um bocadinho feias, cheias de tubos e que cabem numa mão. Ela responde qualquer coisa como "blllaaahhhh", porque sinceramente acho que não estava muito acordada. Cheia de dores nos dias seguintes e sem sombra das filhas, só o marido a dizer que os médicos acham que estão a evoluir. No dia de Natal, 25 de Dezembro, chega de manhã uma enfemeira com dois embrulhos nos braços e diz "Eu sou o Pai Natal". E ela vê quatro olhos muito abertos :)
    Era eu e a minha irmã, a olhar para a minha mãe pela primeira vez, há 28 anos, em 1986, em Lisboa :) Não me lembro de nada disto, mas os meus pais contam-me muitas vezes a história de como nasci, do que eles sofreram, de como rezaram para que corresse tudo bem, e de como foi dificil, mostrando-me fotos e o meu boletim, onde tenho lá escrito o meu índice zero de apgar. Para depois olharem para mim e para a minha irmã, hoje adultas e formadas e pensarem que correu efectivamente tudo bem.
    Muita força para os papás e para as gémeas, vão ver que no fim, tudo bate certo.. E ter uma mana gémea é ter companhia para a vida inteira... mesmo que ela tenha passado a gravidez a dar-nos pontapés na barriga da nossa mãe ;)

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  5. Um final muito feliz para uma gravidez cheia de peripécias!

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  6. Também fui mãe de um menino prematuro. Acredite que quando comecei a ler o que escreveu, recordei-me daquela angustia que voce descreve tão bem... Um beijinho muito grande para si. Gostei muito do seu testemunho.

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  7. Chorei... de felicidade e de dor nas palavras. Não sei se por estar grávida e portanto me ter tocado mais, ou por ter visto as fotos, mas sobretudo porque a maternidade é isto... passar por coisas nunca antes imaginadas e superar tudo com todo o AMOR do mundo por estes seres, um amor que não conhecíamos até os termos "cá dentro". Adorei. Muitos parabéns às meninas e aos papás.

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  8. Sou mamã de duas meninas de 6meses... O meu maior terror quando soube que eram gêmeas era a prematuridade... Foi uma sombra que pairou desde o início e passou a sombrinha às 34 semanas e às 36+5dias (graças a uma queda aparatosa do pai, senão teria sido mais cedo 3 dias) nasceram as minhas M&M's...
    Prematuras mas prontinhas para vir para casa...
    Ser mãe de gêmeas é cheia de peripécias diárias desde que se recebe a notícia: olhe está aqui outro.. (Foi assim que soube que eram duas)
    Beijinho no coração dos pais das Marias... O susto passou e agora é só aproveitar;)

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