2.17.2015

O meu partão.

Primeira fotografia da Irene 
"Descobri que sou igual a todas as que estavam a passar por esta experiência pela primeira vez: Estava igualmente entusiasmada e assustada. Estava louca para que tudo se despachasse (já estava um bocadinho cansada de estar grávida, apesar de agora estar a morrer de saudades) mas, ao mesmo tempo, queria que a Irene nunca saísse de dentro de mim. Como funciono, todos os dias, para mim, eram o dia de ir parir. É parvo, bem sei. A verdade é que meti na cabeça que a Irene iria nascer às 35 semanas (data a partir da qual não há risco de vida maior da bebé) e a partir daí foi uma seca. Sem querer falar nos longos meses em que achava que tudo o que tinha eram contracções (porque não li em lado algum nada que me explicasse bem o que eram) e estava desejosa de tê-las para sentir que as coisas estavam a evoluir já que não pude ver a bebé na ecografia quando já estava muito grande. Não dormia nada, acordava milhares de vezes durante a noite para ir à casa de banho, o meu marido aprendeu a ressonar dia sim, dia sim. Uma alegria. Queria era parir. Houve um dia (já tinha uma aplicação para cronometrar contracções e tudo) em que reparei que estava a ter contracções perto umas das outras e constantes. De 15 em 15 e paravam durante uma hora. Depois de 10 em 10. Depois uma agente imobiliaria lá em casa e eu com um sorriso amarelo cheia de dores. Depois de 10 em 10. Depois fomos para o hospital que já só me apetecia dizer coisas. Fiz o CTG (uma coisa para medir as contracções e o ritmo do coração do bebé, acho eu) e a coisa estava perto de se dar, mas não era urgente. Depois de umas apalpadelas (demasiado profundas e dolorosas) no ninho da Irene (meu rico pipi), mandaram-me ir para casa jantar, tomar um banho, usar um laxante e voltar com calma mais tarde. Lá fui. A chorar entre contracções e a rir ao mesmo tempo. O marido assustado mas assustadoramente calmo para o que eu imaginei que fosse estar. Banho meio a fingir, dado o desconforto. Jantar impossivel e, não aguentei mais. As contracções continuavam de 5 em 5 minutos mas com umas dores tais que já nem conseguia estar feliz. Fui chamada mais rápido (até desconfiei que tivessem uma camera na sala de espera e que, por me verem a chorar, andaram mais rápido com o assunto). Fui vista, mais umas apalpadelas pouco simpáticas e a Dra., com pena, mandou-me internar dizendo “mas olhe que isto só para amanhã porque não tem nada dilatado”. Isto é: sim, tem dores, mas o seu corpo não está a fazer nada de útil. Lá fui lá para cima, enfiaram-me o tubo da epidural (que me doeu imenso, mas eu sou uma maricas), deitei-me e estava cheia de medo. Chegou o meu marido. Fiquei mais calma. As drogas também tinham começado a fazer efeito. Hei de dizer sempre à Irene: drogas não, filha, a não ser no parto. Foram minhas amigas e acho que, apesar de me terem queimado metade do cérebro e de, passado um mês, ainda me doer o sítio onde tinha enfiado o catéter da epidural, não mudaria a quantidade de recargas que fui pedido. Sempre que deixava de fazer efeito, parecia que estava a ser alcatroada. Um dia inteiro com o marido na poltrona a cuidar de mim. A molhar-me a cara com água. A beber chá às escondidas. A fazer xixi para uma coisa de cartão. Não reparei que tinha sido um dia. Só dei pela passagem do tempo pelas milhares de apalpadelas super desconfortáveis para aferir o diâmetro do túnel por onde a minha leitoa iria passar. Estava na altura de fazer força. Misto de emoções. Queria que tudo parasse e que acabasse rápido. Vamos a isso. Fiz muita força, lembro-me de ter medo que as veias da minha cabeça rebentassem e que tivesse um avc. Nunca tinha feito tanta força na minha vida. Nunca. Fazia força e as enfermeiras diziam que a Irene não saía do mesmo sítio. Fiz ainda mais força. Nada. Durante o que imagino ter sido uma hora e tal não aconteceu nada e as enfermeiras saíam e entravam e pediam para eu ir fazendo força enquanto se ausentavam. Não sei se estava fisicamente esgotada (porque às vezes vamos buscar forças não sei onde, vi no Biggest Loser), mas psicologicamente não queria mais. Queria que esta “porra” do parto natural acabasse e que me dessem uma pancada na cabeça e só me acordassem quando a miúda já estivesse em cima do meu peito. Gritei várias vezes que “não quero mais”, “não quero saber, façam o que quiserem, eu desisto”, “não faço mais”, “não aguento”. Mesmo assim não fui levada para cesariana. Chamaram uma médica com fama de ser amorosa que aproveitou que o meu marido tinha saído para informar a família para fechar a porta e não o deixar entrar porque iam usar a ventosa e porque eu estava “em choque”. A médica  que era muito amorosa, passou-se e começou a gritar comigo para tentar recuperar a minha sanidade: “JOANA, ISTO VAI TER QUE ACONTECER, VOCÊ VAI POR O SEU BEBÉ CÁ FORA. ISTO AGORA NÃO É PARA BRINCAR. ESTÁ EM CHOQUE.”. Só me veio à cabeça aquela altura em que mandam um chapadão nas pessoas para acordarem. Bem que precisei de um chapadão. Só queria que tudo parasse. Estava cheia de medo porque sempre que fazia força, deixava de ouvir o coração da bebé no CTG. Sentia que algo estava errado. Finalmente percebemos por que é que a Irene não saía do sítio: cordão umbilical à volta do pescoço. E, para além disso, acho que ela estava numa posição esquisita e, portanto, tiveram que me cortar. Saiu. Puseram-na em cima de mim. Nem 2 segundos. Levaram-na. Chorou. Parou de chorar. Comecei eu a chorar. “Que silêncio é este? Morreu a minha filha? O que aconteceu? Ainda nem nada começou e já falhei como mãe? E agora? Quero morrer. Não quero saber a verdade. “ Não chorou mais, mas estava bem. Teve de ser aspirada e, segundo disseram, puseram-na na incubadora para estar mais quentinha, apenas. Estava mole. Parecia sonolenta. Provavelmente da quantidade de drogas que pedi. Eu continuava em choque. Não conseguia sentir nada. Até o meu marido ter pegado na nossa filha. Aí fui mãe. Puseram-ne na minha mama. Mal. Mamou na auréola e não no bico. Fiquei com as maminhas logo em ferida. Nem reparei que estava mal, não senti nada. Como quase não senti as duas dúzias de pontos que levei assim que ela saiu. Não queria que o meu marido fosse embora. Não queria ficar sozinha. Eu estava debilitada e, além do mais, não sabia se sabia ser mãe. O marido foi embora. Fiquei num quarto partilhado. Entrei na cama. Não falei com ninguém. A Irene ficou sempre ao meu lado. Se ela chorasse, tinha de chamar alguém porque além de não me conseguir mexer, não sabia o que era para fazer. Sempre que fechava os olhos sentia as mãos das enfermeiras e das médicas a averiguarem se já tinha dilatação suficiente. Ainda ouvia as vozes de toda a gente. Ainda não era mãe. Não conseguia. Não percebia sequer que era a minha filha que estava ali comigo. Sabia apenas que precisava de alguém. Não conseguia que ela mamasse bem. Não conseguia tirá-la do berço. Não conseguia voltar a pô-la. Por que é que quando mais precisamos de estar em condições que estamos mais vulneráveis? Estava super assustada e sem o meu marido. Veio a luz do dia. Comecei a falar com as outras mães. Uma estava igualmente assustada, a outra já parecia dominar a arte de dar de mamar a fazer o pino (segundo filho). Consegui tomar banho. Chegou o pai. Cheguei. Comecei, aos poucos, a ser mãe. Disse ao meu marido que não me sentia segura em sair no dia seguinte dali porque tinha medo de não saber cuidar dela (apesar de ter lido quarenta livros, de ter ido às aulas de preparação, etc). Porém, assim que me deram alta, quis ir. Já queria ir desde manhã. Eu consigo. Ela é minha. Sei que assim descrito pode ser assustador (porque é), mas acho que é importante passarmos por tudo isto. É algo que também nos vai ligar ao bebé e nos vai fazer mais fortes. O meu marido conta que logo depois da Irene ter nascido eu disse: “Quero ter mais um filho”. E, como repararam, não foi fácil. Alonguei-me. Tanto quanto o meu parto no São Francisco Xavier. Impecáveis. Menos em conseguir a sair de lá a amamentar convenientemente. Talvez tenha sido só comigo, mas a mãe da cama à minha frente também já dava suplemento na fase do colostro. Reverti a situação e o meu segundo filho será lá também, mas aí não há suplemento para ninguém, mesmo que tenha de passar a noite a ser vigiada pelos enfermeiros por haver risco de infecção, como aconteceu."

in Grupo Fechado no Facebook "Mamãs de Março de 2014" onde partilhei (partilhámos todas, meninas, não é?) tudo sobre a gravidez, parto, tudo... Obrigada pelo vosso amor. 


8 comentários:

  1. Fantástico texto! Também estou num grupo desses, mamãs de Dezembro 2013 :) tive o meu filhote em Santa Maria e adorei a experiencia. Felizmente o parto foi "simples", ele estava sentado :)

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  2. Joana, e por mais que coloques esses momentos em palavras, ainda assim há tanta coisa que nunca vais conseguir expressar...só sentir, não é? O meu parto...os dias que se seguiram no HSFX...ainda não consigo verbalizar muito bem... Só sentir um gosto e um aroma e uma sensação tão boa. Sei que estava assustadíssima no momento, mas hoje a única coisa que consigo sentir é reconforto, aconchego...calor, uma sensação boa. E olha que não passei por um parto sem dor. Mas foi uma coisa mesmo especial...é mágico. Uma sensação como não há outra. Indescritível! Beijinho

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  3. Aquela parte em que quando fechavas os olhos voltavas a sentir todos os toques outra vez... Foi exatamente assim comigo também. E a parte em que queria desistir... Meu querido marido, foi ele o meu rochedo. E foi ele que me deu o chapadão com palavras: "é o nosso filho que está a chegar! Está quase! Tu consegues!". As piores e as melhores 24 horas da minha vida. Mas tão cedo não repito, mesmo tendo ouvido 345 vezes que o segundo filho será mais fácil ... Um grande beijo

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  4. Ok, confesso que o parto do meu primeiro também foi assustador ("pânicante" mesmo...) e gratificante ao mesmo tempo. Também no S. Francisco Xavier, mas detestei o atendimento... todo mesmo!! Horrível! Tanto que à segunda gravidez fiz o parto no Barreiro e sempre disse que o ia fazer lá. Correu muito bem. Adorei e agora que estou a caminho do terceiro (e vamos ficar por aqui...) nem me passa pela cabeça tê-la noutro sítio. Tem sido uma gravidez mais calma e espero que a experiência dos dois partos anteriores me facilite o 3º.
    E sim, o 2º já é encarado de outra forma. Sabemos ao que vamos e temos a teoria... e a prática.
    Beijos a todas e uma horita pequenina para quem estiver como eu.

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  5. E eu que pensava que o meu parto tinha sido complicado... E foi. Ou somos muito maricas e isto é mesmo assim ou as coisas foram complexas aqui para os nossos lados. Muito resumidamente o meu teve os seguintes ingredientes: 3 dias internada com epidural colada às costas antes que ela nascesse (sou das tuas, fartei-me de pedir reforços de epidural), além de, durante esses dias não poder sair da cama e fazer xixi para uma arrastadeira, também tiveram que usar a algália (aquele tubo fininho pela bexiga acima que nos dá aquelas dores agudas de infeção urinária, estão a reconhecer?); durante a noite fiquei sozinha e comecei a desesperar de cada vez que ouvia um bebé a nascer na sala ao lado (pelo menos parecia ao lado); durante 3 dias umas pessoas diziam para fazer força e as que vinham a seguir diziam para estar mas é quieta; ao fim dos 3 dias e 1 dia depois de uma enfermeira me ter rebentado as águas levam-me para a sala de partos (já estava a implorar uma cesariana) e uma estagiária parte duas ventosas a tentar puxar a minha filha; finalmente o médico "mais experiente" intervém com a 3ª ventosa e a Lara nasce; na amamentação fizeram-me usar uns mamilos de borracha que me esfacelaram as mamas todas (demoraram 1 mês e meio para as feridas dos mamilos cicatrizarem) e... estou prontíssima para engravidar novamente. :D
    Para as mais pacientes e curiosas deixo aqui a história com todos os pormenores: http://www.vinilepurpurina.com/2015/07/09/o-meu-parto-por-ventosa/

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  6. Nunca tinha lido este relato! Parece escrito por mim... Tudo tudo tudo... Sinto_me menos cheché agora aque sei aue nao fui a unica a usar as expressoes "não quero mais”, “não quero saber, façam o que quiserem, eu desisto”, “não faço mais”, “não aguento”. "
    Hoje, depois de tres anos ja nao choro (por fora) ao lembrar aquele dia, ja me sinto (quase) preparada pra outra.. Mas a verdade é que na altura jurei k nunca mais e hoje digo que se tiver outro nao quero cesariana! Axo que tenho mais medo desta!

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  7. Precisava de ter lido este texto há mais tempo. Mas ainda bem porque assim vou me sempre lembrando que não fui a única a quem o parto correu mal e isso ajuda. No fundo correu bem porque apesar de dorido da luta que foi, o meu filho ficou bem. Não esquecerei nunca o toque da pele dele acabada de nascer. Se fechar os olhos ainda a sinto. Mas também não esquecerei o dia inteiro na sala de partos, as 3h de contracções a espera de epidural,as dores no período expulsivo, a ventosa o forcep e a angústia espelhada no rosto do meu marido quando disse 'Sofreste tanto. Não quero mais filhos'. Nao esquecerei a dor lancinante de uma costura enorme e de pontos a sangue frio dois dias depois. E a sensação de que me podiam ter poupado a tudo isso mas preferiram poupar uma cesariana. Pode não ser nada disso mas foi o que pensei. Pena que as marcas que me ficaram para a vida, no corpo e na mente,não sejam contempladas no orçamento.
    Amei estar grávida e aquele dia quebrou todo o encanto. Não sonhei passar os primeiros dias do meu filho em lágrimas, não sonhei não ser capaz de tratar dele por ser um esforço hercúleo mexer me e levantar me. Não sonhei deixar de querer ter mais filhos. Mas deixei.
    E mesmo assim amo o meu filho como nunca imaginei ser possível amar. Foi o colo dele que me salvou.

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  8. Joana, sei que a maioria desses relatos de parto é antiga e que a assistência de partos em Portugal mudou nos últimos anos. Mas vocês, as Joanas, têm razão: precisamos falar sobre partos, precisamos compartilhar experiências, precisamos difundir informação de qualidade. A vontade da mulher no parto importa! E precisamos diminuir os casos de violência obstétrica. Há um site recente (http://www.birthadvisor.pt/), no qual as mulheres avaliam as instituições em que pariram. Já é um instrumento interessante para que as futuras mães possam escolher o hospital, considerando a avaliação de outras mães.

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