10.26.2017

Ainda vivemos na pré-história?

Não é costume levar a minha filha ao centro-comercial. Confesso que, quando vou às compras, prefiro que seja um momento mais para mim, em que posso ter headphones e fazer escolhas devagarinho, sem ter que me preocupar com mais nada, nem sobre maneiras de dizer não à Irene que não lhe vou comprar aquilo ou isto.

É normal que ela queira tudo. Isto do consumismo apela muito a este lado mais pequenino nosso. O desejo imediato de algo que não precisamos para sentir aquele high de novidade e posse, mesmo que acabe esquecido 20 minutos depois algures dentro do carro ou dentro de um armário. 

Ela tem 3 anos. Vê coisas que são postas propositadamente ao nível dela, coisas com desenhos que são apelativos, músicas e que alimentam um mundo de fantasia que se retroalimenta com o merchandising. São tudo truques para gastarmos dinheiro que nos custou a ganhar com a ausência da vida dos nossos filhos. É dinheiro que custa o dia inteiro no trabalho e eles o dia inteiro na escola. É dinheiro que nos faz responder a mails fora do horário e a atender a telefonemas enquanto eles nos pedem para nos sentarmos e olharmos para a casa de Lego que estão a fazer. 

Este dinheiro, mesmo que seja um euro aqui e um euro aqui tem de ser gasto em nós, para algo que nos faça sentir algo mais que um kick momentâneo ("nem sempre" - penso eu se receber a newsletter da Zara). 


Não é habitual ir com ela, mas fui. Ao sair das escadas há uma máquina daquelas que tem uma garra e que tira bonecos. Quando se põe um euro, tem-se duas vezes para tentar e, na hipótese de não sair o boneco, legalmente estão protegidos porque dão um rebuçado, deixando de ser assim um jogo de "sorte ou azar". 

É, aos meus olhos, triste que este tipo de indústrias viva degradando o sistema de pensamento da criança e que tal seja sempre estrategicamente posto, como uma armadilha, para não dar para fugir. Claro que depende dos pais o que decidem ou não decidem (ou, se nem sequer se apresenta como algo a pensar como em muitos e isso é com cada família, claro), mas acho que devíamos ter uma sociedade mais protectora das crianças.

Bem sei que há crianças que nem têm o que comer, que nem têm com quem passear, sei tudo isso. Porém, não podemos deixar de olhar para tudo com vontade de fazer parte da mudança, mesmo tendo consciência e dor de que existem sempre problemas maiores e tão maiores. 

O tipo de publicidade para crianças na televisão (evito os canais de desenhos animados com publicidade por causa disso), os produtos à altura deles, os desenhos animados feitos já a pensar no merchandising... Fazemos parte de um esquema muito, muito grande e em que o objectivo é deitarmos fora o dinheiro que nos custou horas de distância dos nossos filhos e mais dinheiro a pagar quem toma conta deles por nós. 

Podemos não pensar nisto porque já temos de pensar em tanta coisa, mas podemos também pensar nisto e tentar criar um futuro diferente, com outros automatismos mais saudáveis para os nossos filhos. O automatismo de beber água, de arrumar as coisas que desarrumam, de serem solidários, empáticos... 

Parece que não, mas acordei bem disposta. Esta merd* das máquinas e de haver armadilhas que nós, homens, pomos para nós mesmos é que, às vezes, me deixa um pouco revoltada.

Tendo consciência, claro, que terei os meus telhados de vidro. Sempre. 






a Mãe é que sabe Instagram



19 comentários:

  1. Excelente, Joana! Obrigada por este artigo. Vou imprimir a frase "São tudo truques para gastarmos dinheiro que nos custou a ganhar com a ausência da vida dos nossos filhos." para me lembrar disto quando me apetecer levá-lo às compras.
    Há um sítio onde ele vai sempre às compras comigo, no entanto: a frutaria. Dao-lhe sempre uma peca de fruta, ele pode empurrar o carrinho, diverte-se muito, ajuda-me nas compras... e nao me pede nada. Ainda. Para quando esse tempo vier... Vou imprimir esta frase...

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  2. Muito oportuno este tema e um bom ponto de vista. Mas deixando isso de parte o que me ficou na memória depois de este texto é que estás com um c* bom para caramba (sou bem casada e mãe de filhos 😁) diz lá ao melhor pt do mundo que está com um trabalho excelente 😉

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  3. Excelente post! Vale mesmo a pena pensar nisto! Obrigada Joana :)
    Diana Fonseca

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  4. Joana, parece que está outra vez a entrar no drama. Eu sempre disse aos meus não, explicando que não precisam daquilo, que não tenho dinheiro para aquilo, que o dinheiro que tenho é para comprar "whatever necessario' e se gastassemos naquilo ficávamos sem dinheiro para o que precisávamos, etc. E os miúdos percebem, e percebem bem, melhor muitos adultos. E mesmos pequenos, 2-3 anos percebem muito bem. E não, não ficam traumatizados, não ficam a sentir-se rejeitados, não se sentem mal amados. Não vão ficar com algum problema quando lhes dizemos que não porque isto ou aquilo ( e a justificação a usar é a verdade -nao precisa de encontrar as palavras que Ghandi diria nesta situação...). E as crianças percebem e seguem em frente. Tenha calma, aja naturalmente. A Joana é uma excelente mãe, não vai ser nunca igual aos exemplos que teve quando era criança (tem um receio tão grande disso que foge para o extremo oposto do espectro -e no meio "é que está a virtude")

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    1. Palmas para este comentário

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    2. O que é triste é que reflexões sobre assuntos de maternidade sejam apelidadas de "entrar no drama". Eu sabia que pensar está fora de moda, mas pensei que se disfarçasse um bocadinho. Se quer ler posts sobre decoração e laços, assim coisas sempre levezinhas, porque não vai para outro blog? Há tantos...

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    3. Anónimo das 15:08,
      Parece que pensar faz-lhe falta a si. Leia o texto e veja lá onde é que não se pensa.
      A não ser que pensar seja arranjar essas teorias de que há uma conspiração para comprarmos tudo. Allô?! Aterrou hoje no planeta foi?
      A sério não há pachorra para estas mentes de educação "positiva", aka "ai meu Deus que não podemos melindrar a criancinha, vamos pensar muito e ver como se conseguirá resolver isto da melhor forma para a criança, para a mãe, para a sociedade e para o planeta".

      Este comentário e os das 13:00 e das 15:53 são os mais lúcidos.
      Mas anónima, continue a pensar, continue a pensar que eventualmente chega lá.

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    4. Mas que chorrilho de contradições, anónimo das 19:25 lol É o que deve dar escrever sem pensar... Esta frase: "e ver como se conseguirá resolver isto da melhor forma para a criança, para a mãe, para a sociedade e para o planeta" pretendia ser sarcástica, era? Se calhar é melhor nem ir a blogs de decoração, não vão as novas tendências ecológicas fazê-la perder a pachorra...

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  5. Confuso...

    Estou a abrir uma loja de brinquedos e a minha filha mais nova é da idade da Irene... já sabe que os brinquedos da loja são para vender e não para ela brincar (apesar de ter brinquedos que ela pede) e que quando a mãe abrir a loja ela pode escolher 1 brinquedo para ela o resto é para vender aos outros meninos...

    Não é uma questão de dizer sempre não mas explicar (pelo menos para mim resulta)...

    Nessas máquinas os meus jogaram 1x (não tiveram a sorte da Irene) e saiu o rebuçado... ficou a curiosidade dos 2 satisfeita e nunca mais se falou da máquina apesar de estar à entrada do supermercado onde vamos...

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  6. Também evito centros comerciais na companhia dos filhos e ainda bem que vivo numa zona que não tem nenhum num raio de 20 km.
    A mais velha, hoje com 7 anos, já caiu na moda do consumismo, muito graças à sua avó paterna.
    Até aos 4 anos não sabia de onde vinham a maioria das compras que entravam em casa, apenas a fruta porque ia com ela a uma pequena horta biológica e quando vivemos em Évora, comprava muito em mercados e mercearias e os queijos vinham de uma fábrica que até tinha as cabrinhas para ela se entreter, ela nem sabia o que era leite com chocolate de pacote e nem um danoninho e as 5 anos pensava que as pastilhas que estão na zona das caixas nos hiper eram pedrinhas de cheiro.
    São escolhas que se tomam, em vez de presentes, dei-lhe uma gata aos 2 anos e outra aos 4.
    Nos seus aniversários tiramos todos o dia de férias e decidimos andar em transportes públicos (algo que nunca fazemos) e já lhe oferecemos viagens de comboio, de barco, de metro, de eléctrico, falta-nos o avião, para ela é uma alegria e para nós idem.
    O mais pequenino ainda não tem apetência para pedir e a mim também me custa estar sempre a dizer não.
    Não vejo mal nenhum em terem pequenas surpresas de vez em quando mas todos os dias ter de dizer aos filhos que não damos isto ou aquilo, porque eles não precisam, é tão verdade como cansativo precisamente por eles nem entenderem. Eles querem na mesma. Poupo-nos a todos a esse desgaste.
    Ou seja, escrevi imenso para concordar com tudo.

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  7. Uma daquelas máquinas com garra? Por acaso tem visto o instagram do seu ex-marido? Parece que a Irene é uma criança igual às outras, quando não consegue o que quer com um pai, pede ao outro... como é normal e espectável...

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  8. 1º o meu trabalho para mim não é o lugar para onde vou ganhar dinheiro "com a ausência da vida dos nossos filhos", é um sítio onde me realizo profissionalmente, onde tenho amigos, onde me sinto intelectualmente estimulada, onde faço a diferença, onde mostro aos meus filhos e filhas que podemos ser e ter vidas muito preenchidas e gratificantes.
    2º é natural que as crianças queriam coisas que lhes são apelativas mas faz parte da educação mostrar que nem sempre dá para ter/comprar. Não consigo ver nisso um impedimento para levar os filhos a algum lado... Também não deixo que comam sobremesas e batatas fritas sempre e não é por isso que não vão a restaurantes.
    3ª tendo em conta que já por duas vezes o pai da Irene partilhou fotos dela com bonecos dessas máquinas parece-me um texto bastante passivo-agressivo e isso é que não faz bem a ninguém
    Mafalda

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    1. Ele não lê e o blog espelha sempre o meu estado de alma que não tenho de ser jornalista. 😎

      Importants os seus inputs de resto ehehe 😘😘

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    2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Possa!!! Deixem a rapariga em paz!!! Oh gentinha pequenina... Psicólogos de meia tigela...mas conhecem pessoalmente a Joana para fazer comentários sobre a sua pessoa ou a sua parentalidade?! Que façam comentários sobre a escrita ou sobre a opinião parece-me razoável... Agora sobre a própria pessoa quando o que conhecem é APENAS o que leem no blog é totalmente despropositado! Oh gentinha com vida infeliz...

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    1. Olhe desculpe lá mas as pessoas só têm de comentar positivamente? Quem expõe questões destas têm de estar aberta a comentários positivos e negativos. Não vi ninguém ser mal educado.

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  10. A falta de empatia no Ser Humano surpreende-me, aliás, deve ser uma das poucas coisas que me surpreendem hoje em dia. Já deixei de comentar em imensos blogs porque há, de facto, pessoas que se escondem atrás de um ecrã, como anónimas (veja-se só a moral com que escrevem verdades absolutas sem serem elas mesmo, verdadeiras) e despejam o lixo que guardam dentro de si e que não há banhos de moral que deêm que as livre daquela sujidade toda.

    Sejam felizes pessoas anónimas. Felizes e de alma limpa.
    Pode ser que aprendam o que é a empatia pelo meio.

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  11. Concordo com muito do que aqui escreveu Joana.
    Infelizmente (e até não me parece ser o seu caso, mas posso estar enganada e se calhar isso reflectir-se aqui) a maioria de nós não tem trabalhos interessantes ou estimulantes, seja a nível do trabalho em si ou do ordenado. Mas claro, ter um trabalho é bom. Em que se conhece pessoas, métodos e maneiras de pensar diferentes. Com o qual, à partida, temos independência.
    Mas por esta razão a parte em que diz que "são tudo truques para gastarmos dinheiro, que nos custou a ganhar, com a ausência da vida dos nossos filhos" foi o que me deixou mais a pensar.
    Acho que a maioria das pessoas não se apercebe disso, quando tentam compensar os filhos com bens materiais, seja lá por que motivo for (podem até ser carências noutros aspectos, em que esta é a via mais fácil e rápida). Estamos num mundo cada vez mais egocêntrico e materialista, em que não se pensa um pouco mais além do que está a nossa frente...
    Mantenha-se fiel a si mesma. A Irene um dia vai crescer, e tenho cá para mim que será uma adulta consciente e feliz, pois teve as bases necessárias. Com as suas dúvidas, como é natural, mas a Joana estará cá para explicar e apoiar, com essa sua maneira real e própria de ver a vida.

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