9.13.2015

Queres ter filhos?

Conversa entre duas amigas. Uma que está a pensar em ter filhos.


- Era um McMenu Double Cheese, por favor. 

- Olha, pede-me mais um pacote de batatas fritas que já sei como é.

- E um pacote de batatas fritas médio, sff. 

- Depois pago-te.

- É, é. 


Sentam-se.


- Tenho uma coisa importante para te dizer!

- Ui! É má ou boa?

- Boa, claro!

- Porquê "claro"? Às vezes acontecem coisas más.

- Epá, "claro", porque se não fosse boa, não estaria com esta cara, não é?

- Não sei. As batatas daqui são as melhores de sempre...

- Se ao menos fossem batatas... Queres saber ou não?

- De que são feitas? Não, obrigada.

- Não. Se queres saber qual é a coisa boa.

- Quero, claro. Conta lá.

- O coiso e eu estamos a pensar em ter filhos.

- Ai que bom! Vocês conhecem-se há quanto tempo? Uma semana? Ai, não. Espera. Não sei sai à noite à terça-feira. Estou a brincar. Mas, agora a sério, estão juntos há quanto tempo?

- Namoramos há quase um ano.

- E moram juntos?

- Sim.

- Há quanto tempo?

- Isso interessa?

- Um bocadinho. Não muito, mas interessa. Já vi que não é muito.

- Mas porquê?

- Madalena, eu sou toda a favor do espontâneo e da maluqueira, mas não seria tua amiga se não te dissesse umas coisas. 

- Epá, lá vens tu com as tuas merdas.

- Não são as minhas merdas, Madalena. Por alguma razão me quiseste contar isto e já sabias que não ia só ficar contente por ti, não é?

- Tenho de ir buscar guardanapos. Por que é que os sacanas não metem logo a merda dos guardanapos no tabuleiro?

Volta.

- Madalena, é importante que já mores com o coiso há algum tempo porque quantos menos ajustes tiverem de fazer à relação durante o período de gravidez e de nascimento do bebé, melhor. Se já pessoas que estão juntas há anos têm os seus problemas em "ajustar agulhas", quanto mais um casal que ainda não se conhece, estando mesmo juntos muito tempo, e partilhando o mesmo espaço. Acho mesmo importante. 

- Nós nunca tivemos problema nenhum.

- Claro que não. Estão apaixonados, é tudo maravilhoso. Isso é natural. E vão continuar apaixonados que não sou daquelas que acha que a paixão, com o tempo, desaparece. Acho é que têm de se conhecer mesmo muito bem para decidirem ter um bebé juntos.

- Para a criança não ouvir discussões?

- Claro que a criança importa, mas podemos falar disso noutro dia. Agora queria falar de ti. É muito importante também por ti. Por ele não me interessa que sou tua amiga - já sabes como sou.  Sabes por que é que é importante para ti?

- Mas isto é algum evento infantil? Queres que eu diga "sim, professora"?

- Por que é que estás na defensiva?

- Porque eu vinha toda contente contar-te isto e já me estás a por entraves...

- Eu não sou nenhum dos dois, vocês fazem o que quiserem. Queria só dizer-te que é importante que se conheçam bem, por ti também. A gravidez, o parto, o nascimento duma criança, tornares-te numa mãe (e ele num pai) é um processo tão complexo como bonito. Odiaria que te sentisses sozinha com uma criança nos braços.

- Ele não me vai deixar, não vamos acabar.

- Não é isso, Madalena. Convém quererem o mesmo para a vida. Convém estarem ajustados um ao outro, saberem respeitar as manias de ambos, os nervos, saberem acalmar-se, saber quando se deve abraçar, quando se deve dar espaço, quando se deve opinar, quando se deve só dar um beijo na testa. Ele vai ser pai dum filho teu, mas também vai deixar de ser teu namorado para ser algo mais e diferente. Tem de ser algo mais. A paixão não se perde, mas já tem que haver mais do que isso. Ainda me estás a ouvir?

- Estou, sim. Mas o que é que é tão difícil?

- Posso falar-te das coisas básicas como as mudanças hormonais, os receios que ele poderá ter de não ser um bom provider, a gravidez poder ser stressante, a privação de sono de ambos com a criança, os berros da criança e não conseguirem pensar, expectativas não cumpridas, ajustamento do sonho à realidade do que é ser mãe e pai dum recém nascido... O nosso lado mais animal, mais primitivo vem à superfície e não é esse o melhor. Ficamos histéricas de cansaço, tristes fisicamente, nervosas... E eles lá deverão sentir as coisas deles que não faço ideia quais serão. Sei que nem sempre é bonito e que é bom que o casal já tenha uma vivência mais... ampla para ter filhos. Decidir ter filhos tão cedo é claro que é romântico, mas é como decidir comprar uma casa depois de teres bebido uma garrafa de vinho sozinha, entendes?

- Estás a dizer que é uma decisão estúpida?

- Não posso dizer isso. Na volta as coisas até poderão correr muito bem, não é assim com toda a gente, mas o que queria dizer  é que podes não estar a ver-vos com clareza. Têm pressa?

- Não, mas amo-o tanto que só me apetece acelerar...

- Percebo, não podem antes fazer outras coisas também definitivas? Casem-se ou assim!

- Que parvoíce...

- Mais do que ter um homem perfeito para ser pai, precisas mesmo de conhecer o homem que escolheres. Por ti. Para não ficares triste, para não te desiludires, para não te sentires ainda mais sozinha do que as hormonas te poderão fazer sentir. Não é só um bebé que nasce. És tu. É o pai. É um novo casal. Uma família.

- Mas morreu-te o cão para estares a falar assim?

- Caga nisso. Vou buscar os gelados. 

5 comentários:

  1. Marta Branco9:08 da tarde

    Epá conheci o meu marido e no mês seguinte estávamos a viver juntos. Um ano e meio depois casamos e um ano depois nasceu o meu Francisco... mas tudo o que está acima é bem verdade :P

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  2. Margarida9:14 da tarde

    Confesso que me assusta a facilidade com que as pessoas (de uma forma geral) decidem ter filhos.
    Nos namoramos 10anos, estamos casados à um, vivemos juntos à seis. Tenho a minha certeza absoluta que se um dia for mãe ele será o pai. Não haverá na minha vida alguém mais perfeito para ser Pai, em todo o sentido da palavra, mas mesmo assim ainda não temos filhos devido ao meu medo. Medo da vida, medo das circunstâncias, medo do que pode vir a acontecer, medo da sociedade. Não sei se eu sou e estou no extremo aposto da sua amiga, mas faz-me uma confusão danada a "leveza" com se toma essa decisão.
    Confesso que por vezes gostava de ter menos medo, mais vontade e coragem, mas como digo já lá vão 11 anos juntos.

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    1. Nós demorámos 16 anos. Medos, inseguranças...tudo. Mas agora tenho a minha mini me de quase 5 meses e penso que NADA me poderá impedir de a fazer feliz. Go for it!

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  3. Não podia concordar mais com esta leitura. ..

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  4. Namorámos 2 anos e meio e passámos a viver juntos depois do casamento. Resolvemo-nos a ter um bebé 6 meses depois do casamento (mas pensando que iríamos precisar de alguns meses até engravidar e que não pegasse logo à primeira...). Cada caso é um caso! Não existe um tempo certo para cada um e cada casal deve respeitar os seus timings!
    Ainda hoje nos estamos a conhecer... E estaremos o resto da vida! Mas a decisão deve ser o mais ponderado possível! Não nasce só um bebé! Nasce uma mãe e um pai naquele momento e a vida como a conhecíamos termina!!!
    Mas é a melhor sensação que pode haver!

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