Quando soube que estava grávida de gémeos, soube que vinha aí um grande desafio. Não acreditei quando o médico me disse, achei que estava na brincadeira, fartei-me de rir com o seu sentido de humor e, depois, de chorar. Lá estavam eles, cada um na sua bolsa, a partilhar a mesma placenta. Porquê? Um daqueles milagres da genética, um óvulo e um espermatozóide que se dividiram em dois. Fiquei a saber que abundam casos destes na minha família. Eu é que não sabia. Também não sabia que, meses mais tarde, o desafio iria subir de nível. Ia ter gémeos no meio de uma pandemia.
Vim para casa de quarentena no dia 19 de Março, com um caso suspeito na escola do meu filho. Já estava grávida de 33 semanas e, na altura, não sabia bem as implicações que este vírus ia ter no parto. Ao longo dos dias, fui assistindo às notícias que davam conta de mães infetadas que eram isoladas dos bebés à nascença, de leite materno desperdiçado, de pais excluídos do momento do parto e de induções desnecessárias. E num contexto de tanta morte, de tanta solidão na morte, de caixões que se acumulam, de funerais sem pessoas, lá estava eu do lado oposto, a gerar duas vidas e, no entanto, profundamente angustiada.
Há uma enorme romantização da gravidez e do parto, que faz com que nos sintamos um pouco ridículas por nos sentirmos assim. Quando os tiveres nos teus braços, vais ver que fica tudo bem, diziam-me. Mas é um momento extremamente violento, duro e decisivo para a vida dos nossos filhos. E às vezes os bebés não vêm para os nossos braços. E às vezes não fica tudo bem. E quando não fica tudo bem, não há profissional de saúde, por mais profissional e humano, que substitua aqueles que amamos.
Foram muitas as vezes em que me pus a pensar em duas variáveis opostas desta pandemia: isolamento e relações sociais. As segundas têm sido constantemente espezinhadas pelo primeiro e encontrar o equilíbrio acaba por ser uma missão impossível. Privilegiar questões emocionais parece estar fora de questão e, no entanto, elas não ficam em stand by. Vão crescendo, na solidão.
Falei com o meu médico, em quem confio muito, e percebi perfeitamente as decisões. A culpa – se é que interessa – não é dos hospitais. Infelizmente, na maioria dos hospitais públicos, não há condições para garantir acompanhantes em segurança. Devia haver. Devia haver um esforço do governo para possibilitar a criação de condições. Mas não há. Felizmente, a questão da separação mãe bebé quando a mãe testa positivo para Covid-19, no caso deste hospital de Lisboa, fica à decisão (informada) da mãe.
Com isto, quero dizer-vos, grávidas desta pandemia, sintam-se no direito de estar revoltadas, tristes, angustiadas. Ou felizes por não terem que levar com os beijinhos repenicados das vossas quarenta tias afastadas nos vossos bebés desta vez. Ou defraudadas, por terem criado uma expectativa que não se vai concretizar. Ou ansiosas na esperança de que isto mude. Não deixem que ninguém vos revire os olhos e vos diga que no tempo da Maria Cachucha não havia cá pais (nem epidurais!) e que as coisas aconteciam na mesma. Sintam-se como sentirem, um abraço apertado para vocês, cheio de solidariedade e força. Não sei se vai ficar tudo bem, mas uma coisa é certa: dos nossos sentimentos sabemos nós.
Mas queria partilhar também que nem tudo é negativo. Algumas coisas correram melhor neste meu parto e acredito que se deva à pandemia. Aqui vão elas. Sem romantizações.
Os profissionais de saúde fizeram os impossíveis para não sentir a falta do pai
Nunca esperei mais de uns segundos depois de tocar à campainha. Deram-me epidural assim que cheguei à sala de partos e eu dormi. Quando me senti nervosa, no momento antes da expulsão, ficou uma enfermeira comigo. Também ela tinha tido um filho há pouco tempo, fartámo-nos de conversar.
Fiquei num quarto sozinha
Imagino que, para minimizarem os contactos, estejam a privilegiar esta modalidade. Claro que não será sempre possível, mas no meu caso tinha quarto e casa de banho só para mim.
Dormi muito (se é que muito e dormir podem ser utilizados juntos num contexto de dois recém nascidos)
Não ter visitas tem este lado. Sempre que não estava a comer ou a alimentar as minhas crias, estava a dormir.
Saí do hospital em 36 horas
Foi parto normal, pelo que este é o tempo de internamento. Saí feliz, com o meu marido e o meu filho à porta, à espera para conhecerem o João e o Manuel. Foi uma emoção, as auxiliares tiraram fotos, uma animação!
Li há tempos uma notícia de um senhor de cento e poucos anos que tinha sobrevivido à Covid-19 em Itália. Tinha nascido em plena gripe Espanhola. E desejei que esta fosse uma história longínqua para os nossos filhos contarem aos seus netos daqui a uma eternidade. Tive que ser um bocadinho romântica.
A Margarida tem 34 anos e é mãe de três rapazes. Trabalhou 10 anos em comunicação, mas em 2019 tomou a decisão de deixar o seu emprego e dedicar-se à música. Voltou a estudar, a cantar e começou a dar aulas de música a crianças. Engravidou de gémeos no meio destas mudanças todas, mas confia que vai tudo correr bem.