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10.26.2020

Fui ver a minha avó e chorei.

Fui ver a minha avó e chorei. Quando me apanhei sozinha, chorei. Fiquei fungosa atrás da máscara, olhos brilhantes e voz mais trémula.



Foi um misto enorme de emoções. Tinha saudades de estar com ela, de falar com ela, de a ouvir falar sobre tudo e sobre todos. O primo que morreu, Jacques Tati e a forma como os seus filmes são ainda hoje atuais, as filas para as senhas de racionamento e a forma como acalmou a mãe, que chorava sem saber o que dar de comida aos filhos: "mãe, está a chorar porquê? Ainda há capilé! Fazemos um refresco!". E a sua voz cansada, atrás da máscara. Cansada da máscara e cansada disto tudo. Sinceramente, e não que tenhamos de fazer um pódio, mas acho que quem está a sofrer mais com isto tudo, são os velhos. A minha avó, a par da Luísa e da Isabel, tem um bisneto que nasceu em plena pandemia e praticamente só o vê ao longe. Estamos a falar de alguém de 84 anos que está sempre a frisar que não sabe quanto mais tempo os vai poder ver crescer. Se isto não parte o coração a alguém, então não sei.

Continua a partir o meu. Mas lá fomos, lá mantivemos o distanciamento, mas não nos faltaram as palavras. E as histórias. E as memórias. A nespereira pequenina, o meu avô Jorge com os meus primos bebés no colo. E agora as miúdas a subirem a essa mesma nespereira, de onde apanhei tantas nêsperas. E onde rasguei o meu vestido num batizado ou casamento de um qualquer primo mais velho. E andaram de bicicleta naquelas estradas, as mesmas que eu tinha andado a descobrir, quase trinta anos antes. 



Foi lindo. Mas triste, ao mesmo tempo. Cheio de nostalgia. De saudades dos que já foram, mas também dos que cá estão.

Que se criem ali muitas mais memórias. E que no verão possam tomar banho num balde ali na garagem, sem máscaras, sem barreiras, e com muitos abraços à bisavó à mistura.









5.10.2020

Adormeceu a soluçar com saudades da avó

E partiu-me o coração. 



Por um lado, tento imaginar que se estivéssemos emigrados também seria impossível estabelecerem contacto físico com os avós e a vida seguia. 
Por outro, sei que eles estão ali. E elas também. O meu pai sozinho há dois meses. A minha mãe tem um ecrã cheio de corações e máscaras do messenger a enfeitá-la. E o cheiro? E os abraços quentinhos? Elas sentem falta deles. Eu também. 

Eu achava que o pior já tinha passado, em termos de habituação, de mudança de rotinas. Psicologicamente, sinto-me mais estável até. Mas noto-as, nos últimos dias, mais desejosas de voltar. De voltar a ver os amigos, a escola (a Isabel pede-me - por favor, mãe! - para pelo menos ir um dia a esta escola, antes de mudar para a escola onde vai fazer o primeiro ciclo), os avós e os tios, as primas. Não é que estejam o dia todo a bater nessa tecla, mas de vez em quando descomprimem expressando a frustração de lhes terem alterado o esquema todo. 

Quando? Pergunto-me muitas vezes. Quando poderemos ver os meus pais e a minha avó? O máximo que aconteceu foi no dia 16 de março a minha mãe escrever na estrada, lá em baixo, "parabéns Isabel" e vir cantar os parabéns da rua. Ainda nem os visitei (mesmo mantendo distanciamento) por achar que dificilmente conseguirão manter uma distância de segurança. Que, por muito que lhes explique as regras, vai ser doloroso não poderem interagir fisicamente com eles. E quero protegê-los. E aos outros. 

Mas até quando? Também se perguntam isto? Até quando teremos de privar avós e netos ao que de mais precioso têm na vida uns dos outros? Até termos imunidade de grupo? Até encontrarem uma vacina? E haverá vacina para este vazio? Para acalmar os soluços da Luísa, que vêm normalmente à noite quando me pede para lhe cantar a música do Vitinho (a mesma que a minha mãe lhe costumava cantar quando a adormecia)? 

Acredito muito nesta necessidade deste isolamento (e os resultados estão à vista: fomos alunos bem comportados e estamos a ter boas notas). Temos de continuar a respeitar a distância, a higienização e tudo o mais, em prol de todos. Esta responsabilidade e consciência colectiva é bonita de se ver e traz frutos. Mas pergunto-me muitas vezes pelas lesões do coração. Nos colos vazios de netos, nas recém-mães sem rede de apoio, na solidão de muitos, que deixa mossa. 

Temos de dar mais colo uns aos outros, mesmo que de forma virtual. Palavras de esperança. Memórias boas, que havemos de repetir. Disse baixinho a Luísa: "está quase, um dia vais voltar a estar com a vovó". E vai.  


Parir em tempos de Covid-19

Quando soube que estava grávida de gémeos, soube que vinha aí um grande desafio. Não acreditei quando o médico me disse, achei que estava na brincadeira, fartei-me de rir com o seu sentido de humor e, depois, de chorar. Lá estavam eles, cada um na sua bolsa, a partilhar a mesma placenta. Porquê? Um daqueles milagres da genética, um óvulo e um espermatozóide que se dividiram em dois. Fiquei a saber que abundam casos destes na minha família. Eu é que não sabia. Também não sabia que, meses mais tarde, o desafio iria subir de nível. Ia ter gémeos no meio de uma pandemia.

Vim para casa de quarentena no dia 19 de Março, com um caso suspeito na escola do meu filho. Já estava grávida de 33 semanas e, na altura, não sabia bem as implicações que este vírus ia ter no parto. Ao longo dos dias, fui assistindo às notícias que davam conta de mães infetadas que eram isoladas dos bebés à nascença, de leite materno desperdiçado, de pais excluídos do momento do parto e de induções desnecessárias. E num contexto de tanta morte, de tanta solidão na morte, de caixões que se acumulam, de funerais sem pessoas, lá estava eu do lado oposto, a gerar duas vidas e, no entanto, profundamente angustiada.

Há uma enorme romantização da gravidez e do parto, que faz com que nos sintamos um pouco ridículas por nos sentirmos assim. Quando os tiveres nos teus braços, vais ver que fica tudo bem, diziam-me. Mas é um momento extremamente violento, duro e decisivo para a vida dos nossos filhos. E às vezes os bebés não vêm para os nossos braços. E às vezes não fica tudo bem. E quando não fica tudo bem, não há profissional de saúde, por mais profissional e humano, que substitua aqueles que amamos.

Foram muitas as vezes em que me pus a pensar em duas variáveis opostas desta pandemia: isolamento e relações sociais. As segundas têm sido constantemente espezinhadas pelo primeiro e encontrar o equilíbrio acaba por ser uma missão impossível. Privilegiar questões emocionais parece estar fora de questão e, no entanto, elas não ficam em stand by. Vão crescendo, na solidão.

Falei com o meu médico, em quem confio muito, e percebi perfeitamente as decisões. A culpa – se é que interessa – não é dos hospitais. Infelizmente, na maioria dos hospitais públicos, não há condições para garantir acompanhantes em segurança. Devia haver. Devia haver um esforço do governo para possibilitar a criação de condições. Mas não há. Felizmente, a questão da separação mãe bebé quando a mãe testa positivo para Covid-19, no caso deste hospital de Lisboa, fica à decisão (informada) da mãe.

Com isto, quero dizer-vos, grávidas desta pandemia, sintam-se no direito de estar revoltadas, tristes, angustiadas. Ou felizes por não terem que levar com os beijinhos repenicados das vossas quarenta tias afastadas nos vossos bebés desta vez. Ou defraudadas, por terem criado uma expectativa que não se vai concretizar. Ou ansiosas na esperança de que isto mude. Não deixem que ninguém vos revire os olhos e vos diga que no tempo da Maria Cachucha não havia cá pais (nem epidurais!) e que as coisas aconteciam na mesma. Sintam-se como sentirem, um abraço apertado para vocês, cheio de solidariedade e força. Não sei se vai ficar tudo bem, mas uma coisa é certa: dos nossos sentimentos sabemos nós.

Mas queria partilhar também que nem tudo é negativo. Algumas coisas correram melhor neste meu parto e acredito que se deva à pandemia. Aqui vão elas. Sem romantizações.

Os profissionais de saúde fizeram os impossíveis para não sentir a falta do pai
Nunca esperei mais de uns segundos depois de tocar à campainha. Deram-me epidural assim que cheguei à sala de partos e eu dormi. Quando me senti nervosa, no momento antes da expulsão, ficou uma enfermeira comigo. Também ela tinha tido um filho há pouco tempo, fartámo-nos de conversar.

Fiquei num quarto sozinha
Imagino que, para minimizarem os contactos, estejam a privilegiar esta modalidade. Claro que não será sempre possível, mas no meu caso tinha quarto e casa de banho só para mim.

Dormi muito (se é que muito e dormir podem ser utilizados juntos num contexto de dois recém nascidos)
Não ter visitas tem este lado. Sempre que não estava a comer ou a alimentar as minhas crias, estava a dormir.

Saí do hospital em 36 horas
Foi parto normal, pelo que este é o tempo de internamento. Saí feliz, com o meu marido e o meu filho à porta, à espera para conhecerem o João e o Manuel. Foi uma emoção, as auxiliares tiraram fotos, uma animação!

Li há tempos uma notícia de um senhor de cento e poucos anos que tinha sobrevivido à Covid-19 em Itália. Tinha nascido em plena gripe Espanhola. E desejei que esta fosse uma história longínqua para os nossos filhos contarem aos seus netos daqui a uma eternidade. Tive que ser um bocadinho romântica.



A Margarida tem 34 anos e é mãe de três rapazes. Trabalhou 10 anos em comunicação, mas em 2019 tomou a decisão de deixar o seu emprego e dedicar-se à música. Voltou a estudar, a cantar e começou a dar aulas de música a crianças. Engravidou de gémeos no meio destas mudanças todas, mas confia que vai tudo correr bem.

4.15.2020

Era por isto que ela andava a acordar tanto...

Andei aí um mês a tentar lidar com o facto dela acordar umas 6 vezes por noite. Achei que podia ser por causa disto do vírus e dela sentir a ansiedade ou de ter medo, mas afinal, neste momento, não. 

Afinal, a miúda andava a ensopar demasiados líquidos ao jantar e, sempre que acordava, tinha de ir à casa de banho. Passei a restringir os líquidos e há duas noites nem sequer acordou e, na noite que passou, acordou só uma vez. 


Sinto-me uma chata por nem "líquidos" a deixar beber - é claro que deixo, mas um copinho ao jantar e, se quiser bebericar um pouco de água antes de adormecer, também deixo - mas temos mesmo de descansar e, quando digo temos, falo de mim, obviamente. Vocês percebem. 

A única maneira que tinha de descansar um bocadinho era se ela dormisse comigo e... não descansamos como deve ser, viram pugilistas!

Como andam a ser as noites por aí? Bebés já nem digo nada, sei bem o que poderão estar a passar. Aliás, podem ler tudo aquilo que a Joana e eu escrevemos sobre sono aqui no blog.