Lá
fora, nos dias quentes cheira a flores e a alfazema; nos frios, a terra
molhada. E a chaminé dos vizinhos não cheira a fumo, mas a pão quente.
Cá dentro, as tábuas de madeira rangem como quem se queixa da idade e o
teto não é baixo, mas aconchegante.
A primeira vez que a Maria Rita entrou na nossa casa ainda morava na minha barriga. Com uma noção espetacular de timming, achámos que bom bom era fazer a mudança com uma recém-nascida nos braços. No dia em que ela nasceu, o pai trouxe os avós e os tios a conhecerem a casa e eu, que sou dada a atribuir significados especiais às coisas, achei que isso ia dar sorte – vá-se lá saber porquê!
A primeira vez que a Maria Rita entrou na nossa casa ainda morava na minha barriga. Com uma noção espetacular de timming, achámos que bom bom era fazer a mudança com uma recém-nascida nos braços. No dia em que ela nasceu, o pai trouxe os avós e os tios a conhecerem a casa e eu, que sou dada a atribuir significados especiais às coisas, achei que isso ia dar sorte – vá-se lá saber porquê!
Tinha apenas uma semana de vida quando a trouxemos cá. Lembro-me de olhar para ela, toda enroscadinha no sling, enquanto
esperava que nos abrissem a porta, e de não saber se aquela sensação
quentinha vinha do corpo dela colado ao meu, ou do coração, que
transbordava de coisas boas.
Quando
me perguntam sobre como é viver numa aldeia normalmente digo só que
adoro, porque na verdade apetecia-me fazer poesia – soubesse eu fazer
poesia! – sobre isso. Eu gosto de tudo. Tudo. E para mim os defeitos nas
ombreiras das portas ou nas esquinas da parede não são imperfeições,
são traços de personalidade.
A nossa casa não tem número,
tem nome. E eu acho que isso lhe dá mais alma – mesmo que se chame
“Casa da Mó” e mó nem vê-la! Na verdade, na parede lê-se “Cãsã dã Mó”,
mas isso é porque os outros donos tiveram preguiça de esperar pelos
azulejos dos “A” normais e compraram com til…
Aqui,
aprendi que a felicidade não é algo abstrato que paira no ar ou que
habita os nossos desejos. Ela está nas coisas mais simples, em momentos
específicos do dia-a-dia. Quando as minhas filhas correm caminho fora
até casa dos vizinhos sinto uma felicidade imensa por toda esta
liberdade, por terem espaço para crescer... com espaço. Por saber que
toda a gente aqui lhes quer bem. A Avó ‘Melita, o Ti’ Toino, a Ti’
Margarida. Todos. Uma família que nos foi dada como um prémio na
raspadinha: não fizemos nada, tivemos só sorte – muita sorte - e eles
estão aqui para nós.
Ou
até quando o portão da vizinha fica aberto para podermos ir até lá com
as miúdas, porque elas adoram apanhar laranjas e limões e espreitar as
galinhas. É como se tudo fosse um bocadinho nosso. As próprias hortas
acabam por ser também um bocadinho nossas, porque os legumes e as frutas
vão aparecendo à nossa porta, consoante o que a terra dá. E nós também
deixamos o portão aberto, para um café, para uma conversa, para verem as
miúdas e saberem que estão melhores da constipação.
E
é tudo bonito e perfeito? “Mães que sabem”, esta que vos escreve nasceu
e cresceu em Lisboa e contava os dias para ir de férias para a “terra”,
para fugir da cidade. E se há sonhos que estão tão longe de se tornar
realidade, porque é que não agarramos com as duas mãos aqueles que só
dependem de nós? A nossa casa custou o mesmo que um T2 nos arredores de
Lisboa. Depois, claro, há as portagens, a gasolina e o saber que não
levo menos de 35 minutos a chegar a casa. Mas para mim, compensa cada
minuto e cada cêntimo. Porque no final do dia regresso a casa, ao sítio
onde somos mais família, ao sonho que um dia tivemos, ao chão que range e
ao teto que aconchega.
Catarina Raminhos, mãe da Maria Rita e da Maria Inês