3.23.2015

Afinal havia Outra (#16) - Não é difícil ter um filho...



Não é difícil ter um filho. Dar-lhe colo, alimentá-lo, ensinar-lhe a fazer o símbolo do rock com os dedos. Adormecê-lo, levá-lo a passear, dar-lhe banho e ter a certeza que tem as orelhas limpas.

Difícil é transformarmo-nos numa família. Uma família a sério, que come à mesa toda junta, que vai a sítios, que passa férias, que vai às compras ao supermercado. Porque no início despacha-se a criança, dá-se o banho, o jantar na cadeirinha alta e cama. Só depois é que tratamos de nós. Faço o jantar, ele põe a mesa e passeia o cão. Sentamo-nos a comer, a ver televisão e a conversar.

Tudo gira em torno dela, fazemos o possível para que ela esteja satisfeita, para que durma as horas que é suposto, para que coma sempre a horas. Não almoçamos fora ao fim-de-semana como gostaríamos porque ela tem de almoçar e dormir a sesta. Não a maçamos com idas ao supermercado, a menos que seja coisa rápida, tratamos a nossa filha como se fosse uma visita de cerimónia e parece que estamos sempre desejosos que a visita vá dormir para que possamos estar descansados. Mas por outro lado é uma chatice quando a visita dorme porque depois temos de esperar que acorde para podermos sair de casa. Só que a visita veio para ficar e a vida em família nem sempre cumpre horários nem regras. E a família é constituída por três pessoas e não duas. E essa dinâmica é, para mim, o mais difícil. Vê-la como parte da família em vez de um ser planeta cujos satélites somos nós. Encontrar-me no meio desta confusão que é ter uma criança em casa, de ser mãe, de ter de dizer que não, de ter de dançar em vez de andar porque a minha filha acha que vive num musical da Broadway e que eu sou uma jukebox.

De repente, comer ao mesmo tempo que ela – ou ela ao mesmo tempo que nós, à mesa – tornou-se num dos maiores desafios da nossa vida familiar. Tão grande que ainda não conseguimos atingir o objectivo. Também ainda não dominamos a mestria de estarmos juntos também quando estamos com ela – normalmente está um com ela e o outro a tratar de assuntos, ou estamos os dois virados só para ela porque a menina precisa de atenção a todo o instante e eu não quero que ela cresça com falta de confiança.

Não é difícil pôr um ser humano no mundo, difícil é deixá-lo fazer parte da família. Isso e conseguir que tenha as unhas limpas.

20 maneiras de ter um pequeno AVC

"Mãe sofre". 

É um clássico. É verdade que se sofre um bocadinho, mas tudo depende da perspectiva e, acima de tudo, da falta de calma. 

Às vezes parece que queremos efectivamente ter um pequenino AVC. Fica aqui, então, uma lista para esses momentos, para os termos o mais depressa possível. 

1 - não querer que o bebé se suje

Não será irrealista visto que estão ali as canetas e que lhe estamos a dar uma papa viscosa à boca? 


2 - não querer que o bebé suje a casa

É continuar-lhe a dar bolachas e pão enquanto se arrasta de um lado para o outro e esperar que ele vá buscar uma tacinha e coma para cima dela. 


3 - querer chegar a horas a algum lado sem ter tudo em ordem com uma hora de antecedência

O bebé é que tem de cooperar para chegarmos a horas ao compromisso.  Não, os pais é que têm de precaver todos os atrasos.


4 - querer que o bebé coma sempre o mesmo a todas as refeições

Porque nós também comemos sempre o mesmo. E adoramos estar sempre a repetir a mesma comida. Adoraríamos comer o mesmo todos os dias durante uma semana.




5 - querer que o bebé durma sem o acalmar primeiro

Nós também não precisamos disso. Só de ver televisão para ficar com sono ou ver o instagram todo no telemóvel ou ler um livro qualquer do top da FNAC.


6 - querer que o bebé fique com as meias calçadas o dia inteiro

É algo super natural. Os bebés já nascem de meias e tudo. São mais os bebés que andam à procura de meias para calçar do que para tirar. Not.


7 - querer que o bebé fique completamente quieto quando se lhe muda a fralda

Ele vai pensar que vai encher o trocador do IKEA de cocó e vai ter imenso respeito. É assim que é.


8 - querer que o bebé durma por nós termos sono

É só fazer-nos um favorzinho, qual é o problema dele?


9 - querer que o bebé pare de fazer barulho com os brinquedos

Até lhe demos só brinquedos de pano. Como é que ele consegue fazer aquele barulho todo? Especialmente aquele que conta até 10 como se tivesse um maracujá no rabo?


10 - querer ir almoçar fora com o bebé e que tudo corra bem

É só ir e vir. Qual é o problema de ele ficar quieto sem nada de interessante para fazer, preso numa cadeira ou carrinho, durante uma hora e meia? 

11 - deixar o bebé sozinho na banheira

Não nascem a saber nadar? É aplicar isso. Quando voltarmos está a nadar mariposa. Só que não.


12 - embuchar um bebé de ben-u-ron durante dias a fio e depois descobrir que afinal não era só dor de dentes

É tudo dentes. Nunca poderá ser outro tipo de dor. O melhor é embuchar durante imenso tempo. São baratos e tudo. 


13 - querer cortar todas as unhas de uma só vez ao bebé

Nós também arranjamos as unhas todas de uma só vez, por que é que eles têm de ser diferentes? Só por terem menos de 20 anos que nós?


14 - querer que o bebé pare de atirar as coisas da cadeira da papa para o chão

Parece que está a gozar connosco. Gosta de nos ver a apanhar as coisas por ele. Tem uma mentalidade dominadora e é muita mau. Adora subjugar a mãe. Ou então é só um bebé e está a ver o efeito da gravidade e a ouvir o som que as coisas fazem. 


15 - não conseguir dizer que não ao bebé sempre que ele pede que lhe leiamos o mesmo livro


Esta é lixada. Não consigo e às vezes não me apetece. Às vezes um livro de 10 páginas passa a ter só a parte do pinguim e do leão.


16 - querer lavar-lhe os dentes pormenorizadamente

Como se estivesse no higienista.


17 - querer que o bebé aceite a chucha quando está num ataque de choro

Porque nós também adoraríamos que nos espetassem um rabanete pela boca a dentro quando estivéssemos a expressar a nossa frustração


18 - querer que o bebé fique feliz no colo de uma velhota qualquer que nunca viu na vida

Nós também adoramos dar beijinhos e abraços às pessoas que vemos a passar por aí. 


19 - querer que ele volte a adormecer depois da hora normal de acordar

Se estamos cansadas, eles é que deviam dormir.

20 - ir fazer análises ao sangue do bebé e querer sair de lá menos que traumatizada
Pior. coisa. de. sempre.

3.22.2015

Quero ter mais um filho, já!

Já, já, não dava jeito porque tenho ainda a louça por lavar. Nem daqui a 9 meses, porque, fazendo as contas, calha em dezembro e depois constipo-me ou assim. 

Falando a sério, antes de ser mãe punha a hipótese romântica de ter quatro filhos. Depois de ser mãe, quero dois, porque já percebi o que é que a casa gasta, literalmente. Ir ao terceiro, acho que só se for muito mais espaçado, até me esquecer do que isto custa.

Custa, mas dá um prazer inigualável. A sério, nunca fui tão feliz. A maternidade dá-nos tudo (até olheiras) e deixa-nos tão mais leves e descomplicadas! Se alguma vez eu sabia que passar um domingo a três, em pijama, a brincar no chão, a fazer cócegas e a brincar com balões, até um ser minúsculo cair para o lado de tanto rir, seria o melhor da minha semana! 

Adoro ser mãe. Acho que, apesar de não ser a pessoa mais organizada do mundo, me safo muito bem. Acho que estou a criar um ser feliz. Acho que sou capaz de criar dois seres felizes e quero dar um irmão à Isabel, um grande amigo, para sempre.

A questão é: QUANDO?

A minha experiência enquanto irmã diz-me que dois anos (e 5 meses) é uma diferença muito boa. Apesar de termos sido cowboy e índio muitas vezes e de termos feito a vida negra à minha mãe porque um dizia mata e outro dizia esfola, acho que somos hoje grandes amigos. Partilhámos jogos, interesses, programas de televisão. Queríamos ver as mesmas coisas (antes de chegar a fase das novelas brasileiras) e crescemos juntos. Demos muitas vezes as mãos.

Claro que para a minha mãe a experiência não deve ter sido a mesma. Bem me lembro da cara dela esbaforida a implorar que parássemos de gritar um com o outro no carro ou de quando partimos a televisão da casa por nos empoleirarmos nela. Ter um irmão com idades tão próximas é sinónimo de cumplicidade, para o bem e para o mal.

Por outro lado, fico de pé atrás com algum receio de não me dedicar tempo suficiente à Isabel, que ainda é bebé e precisa de atenção. Mas será que aos dois anos não conseguirá gerir minimamente a chegada de um irmão? Com a ajuda do pai, será que não me conseguirei repartir e dar o melhor de mim aos dois filhos?

Vejo por alguns exemplos à minha volta que isso é possível e não me parece que os filhos mais velhos tenham ficado com algum tipo de trauma. Agora, no meu caso, não sendo a pessoa mais organizada do mundo e vivendo um bocadinho ao sabor do vento (calma, também não sou uma hippie, cá em casa há regras, horários e tudo isso, às vezes não há é muita variedade de sopa... shame on me!) terei de fazer listas de compras e de refeições e conseguir gerir tudo muito melhor, ou os meus filhos viverão a boiões e papas.

Para me mentalizar de que vou ser capaz, primeiro: não posso pensar nisso de manhã. Às seis e quarenta e cinco da manhã, quando a Isabel acorda e eu também - que remédio -, quando me levantei pelo menos duas vezes durante a noite e sinto que um camião TIR me passou por cima, penso em tudo menos em ter mais filhos. Mesmo com o sorriso dela e aquelas coisas todas bonitas que as mães dizem, que compensa tudo e blá blá blá... nesses momentos, o que eu queria mesmo era que ela sorrisse meia hora mais tarde.

Depois: tenho de pensar que "despachar" já o segundo, enquanto ainda não dormimos a noite toda, pode ser bom. Vão ter os dois idades próximas e vão os dois pôr-se a andar de casa dos pais também com idades próximas e depois aí é que vai ser o forrobodó em modo lua de mel. Claro que estou a gozar, nem consigo imaginar essa fase da minha vida e, como isto anda, só devem sair lá para os 50 anos. Ufa!

Para não falar das despesas a dobrar com duas mensalidades da creche, etc, etc, etc... mas, no meu caso, se gerirmos bem as coisinhas, dá para tudo.



Mães que sabem, qual a idade "certa" para ir ao segundo? Contem-me tudo: dois anos, três anos, mais ou menos? Como foram as vossas experiências?

Parabéns, Irene!


A minha filha faz anos no dia em que normalmente começa a Primavera. Hei de ouvir isso para sempre e de achar sempre piada que ela faça anos numa altura em que, em princípio, o tempo já esteja bom e os amigos não estejam todos de férias no Algarve. 

A Irene fez um ano. Fez um ano que foi sugada por uma ventosa para fora do quentinho da mãe. Um ano em que, todos os dias, a toda a hora, a mãe tenta dar o máximo de quentinho possível para que se torne em tudo aquilo que ela pode ser e queira ser.



Como já tinha contado, por causa de uma probabilidade ínfima da Isabel estar a incubar-se toda com uma varicela, não fui capaz de ignorar esse pseudo-facto e de ir à nossa festa em conjunto como se nada fosse. Não podia era deixar de usar o conjuntinho que a minha mãe lhe tinha dado. Acho que é uma espécie de Desigual para miúdos no Corte Inglês. 


Aqui o pai ainda não a tinha sujado toda com a sopa enquanto eu fui à casa da Joana Paixão Brás roubar cakepops e popcakes e brigadeiros e não sei quê. Agora há moda de bolos. É só mais uma para eu gostar, mas para não perceber nada. 


Sim, os collants estão cheios de borborto, mas são da Isabel da Joana. Roubei-os. 


"Pã! Pã! Pã!" - a única maneira de a ter à mesa connosco sem ser uma peste! 


Juro que não obriguei a miúda a por-se assim. É mesmo a catraia a fazer-se à contracapa de um livro. 

Agora a parte super fofinha, sem a qual a festa não teria tido o ar fofo que teve. A parte que me fez ficar um bocadinho menos triste por não ter tido a festa de arromba com a Isabel.

Obrigada pelos miminhos 









Cake Pops -  Os bolinhos da Milene
Brigadeiros (morango, côco e clássicos) - Ponto Condensado
Camafeus de nozes (com o passarinho) e bolacha passarinho - Que Seja Doce

Mães que tudo sabem (#06) - Joana Gama

Chega agora aquele momento de pingue-pongue totalmente inesperado. Ela entrevistou-me, eu entrevisto-a. Nem sei como é que ela deixou passar tanto tempo desde a entrevista que me fez, sem reclamar "então e a minha entrevista?". Ela adora falar dela e eu adoro ouvi-la. Já lhe dediquei um texto mariquinhas, mas agora quero que percebam melhor (se não perceberam ainda) quem é esta mãe. Que sabe tudo, claro, ui, esta então não a contradigam, que está o caldo entornado. Hehe

01- Quando te sentiste mãe pela primeira vez?

É difícil. Senti-me muito Mãe durante a gravidez, por muito "estúpido" que possa parecer. Depois do parto, como contei, não senti nada. Não me senti nem Mãe, nem Joana, nem ninguém. Quando viemos para casa e os sogros pararam de trazer coisas (achamos brilhante a ideia de mudar de casa quando a Irene nascesse) e tudo assentou, o silêncio trouxe-me o coração de volta. Comecei a amar. Devagarinho, mas sempre a aumentar. Ainda hoje. Quando se pensa que já não dá para mais... é como dizes num post: "coração de mãe é elástico". 

02 - Mas nunca tinhas brincado com bonecas (não estou a falar das insufláveis)?

Tinha, claro. Lembro-me de ter Nenucos que faziam xixi, Barbies às quais cortava o cabelo, Barriguitas, etc. Aconteceu algo entretanto na minha vida que fez com que eu visse a maternidade como algo demasiado maior que eu. Que eu não conseguiria estar à altura de tarefa tão importante. Tinha decidido ignorar o propósito do meu útero para sempre até me apaixonar pelo meu Frederico que me faz sentir gigante (no bom sentido). 

03 - No que é que sentes que já superaste todas as expectativas?

Ser Mãe tem sido uma aprendizagem de fora para dentro e de dentro para fora. Aprendo mais sobre mim ao cuidar dela e aprendo muito sobre ela, olhando para mim. Superei as minhas expectativas porque, afinal, sou capaz de amar tanto quanto uma mãe ama. Tenho em mim o material necessário para ser uma mãe do caraças e tenho tomado todas as decisões nesse sentido. Tudo o que gostaria que, um dia, a Irene soubesse da Mãe, é o que eu estou a fazer. Quero que ela se sinta amada agora e quando se recordar, mais tarde, da sua infância.


04 - O que é mais difícil nisto da maternidade?

Maturidade. Auto-controlo. Relativização. Capacidade de respirar. A luta contra a privação de sono. Não endoidecer. Ter vontade de brincar quando temos o corpo cheio de dores e morto por dentro, de cansaço. Deixamos de nos alimentar de hidratos de carbono e de "energia" para vivermos do coração.

05 - Se pudesses mudar alguma coisa em ti como mãe, o que mudarias?

As mamas.
Vá: mudaria a minha ansiedade. Não gostava que a Irene crescesse a achar que a forma urgente que a mãe tem de sentir tudo fosse normal. Gostava que ela fosse livre e que nada a prendesse de sonhar e de alcançar. 

06 - Queres ter mais filhos, mas primeiro queres degustar e engolir a Irene todinha, com tempo?

Sim. Por mim, passaria a vida a parir. Quero muito dar mais seres fenomenais como a Irene ao mundo. E hei de dar. Calma, entidade patronal! Fui filha única durante 10 anos e adorei a experiência de me sentir mãe do meu irmão. Quero que a Irene receba o máximo de amor dos pais, que não encontre uma mãe cansada de acordar 20 vezes por noite por causa do irmão mais novo e, portanto, sem vontade para ir ao Jardim Zoológico com ela. Quero brincar com ela. Quero ser amiga dela e ter tempo, vontade.


07  - A Irene é mais bonita do que imaginaste? 

Nem tinha imaginado nada, acreditas? Não sou como tu, dócil e visual entrevistadora. Mas sim, qualquer coisa que eu pudesse imaginar estaria longe disto. E sei que não é por amor de Mãe. Ela é mesmo muito bonita mas, mais importante que isso (e não estou a ser só politicamente correcta), é muito palhaça, o que me enche de orgulho.

08 - És capaz de devorar agora um pacote de bolachas ou porcarias várias. Quando a Irene quiser, o que vais fazer? Esconder-te na cozinha a comer?

Ainda não pensei nisso. Não creio que o peso da Irene vá ser minha preocupação a não ser num caso extremo. Irá sempre ser incentivada a praticar desporto e a ter uma alimentação saudável. Não acho produtivo não deixar que eles (nós) matem determinados apetites e fazer desses snacks o "fruto proibido". Quer comer? Come. A vida também tem de ser gozada com esses faux-pas. Há quem fume, há quem coma bolachas. No dia a seguir tem natação, não faz mal. :)


 09 - Quando a Irene for para o jardim de infância, vais chorar durante quantos dias?

Por ser ansiosa (depois pago-te a consulta), tenho o dom do sofrimento por antecipação. Quando a Irene for para o infantário será igual a quando fui trabalhar depois da licença de maternidade: não gostei, fez-me confusão, mas lidei com isso. A  minha decisão de vir para casa durante um ano foi racional, graças a ter andado a pensar no que iria sofrer durante três meses, todos os dias, antes de regressar à rádio. Não me matei, mas sim, vim para casa. 

10 - Tu não és muito de sair de casa. Tens feito um esforço enorme para que a tua filha não esteja num Big Brother ou até já te sabe bem fazer programas com ela fora do casulo?

Eu moldar-me-ei a ela. No início fiz um esforço enorme para sair com ela de casa. Ainda para mais não tive o andamento de muitas mães porque a nossa pediatra recomendou não sairmos de casa para sítios públicos durante os primeiros três meses (por causa das vacinas) e, portanto, pouco saiu a Irene. Os problemas de amamentação que houve também não me deixavam confortável com saídas. Ter episódios de recusa de mama em que ela chorava, gritava e esperneava (e eu também), faziam com que não fossemos uma família portátil a não ser na hora imediatamente a seguir à mamada. Sair com contador não é agradável. Ainda para mais, para mim.

Saio com ela sempre que ela está em condições para sair. Mesmo que não me apeteça. Se estiver dormida e comida temos de ir passear. Não me perdoaria se não fosse.


11 - A mãe é que sabe?

Sinto que a Mãe é quem tem mais interesse em tudo saber. E, portanto, em princípio será a mais informada além da que mais tem o coração na boca. Não desfazendo o pai que tem o papel de equilibrar tudo isto, claro.

12 - Vives bem com o facto de eu ser muita mais linda? (Ahahah esta foi a gozar, obviamente)

Vivo muito bem com o facto de achares que és muito linda. Gosto de humor. 



3.21.2015

Afinal Havia Outra (#15) - O cheiro dos bebés

Quando estamos grávidas e começamos a falar do assunto com outras mães há um assunto que vem sempre à baila: o cheiro dos bebés.
Todas, sem excepção, deliram com o cheiro dos bebés recém-nascidos ou mesmo dos bebés em geral. Todas falam do cheiro suave e quente da pele de bebé, do bafo leitoso que se sente quando se encosta o nariz junto à boca deles, do aroma adocicado nos refegos das pernas ou na curva especial do pescoço. E quando se pega num bebé que acabou de tomar banho? Ui, então aí o mulherio derrete-se em suspiros e até sente fraqueza nas pernas. Sim, o cheiro dos bebés é bestial e devia vender-se em frasquinhos para podermos snifar sempre que nos apetecesse... 

Isto se os bebés de que estamos a falar não forem os meus bebés.

Como saberão o cocó dos bebés recém-nascidos não tem propriamente cheiro e as quantidades de xixi são tão pequenas que ainda permitem que o dito fique devidamente retido nas fraldas. A crosta láctea nestas minhas criaturas é inexistente por isso também não temos cheiro vindo daí. A roupa deles cheira sempre bem, obrigada amaciador, e a chucha é pouco usada por isso também não acumula cheiros. Ainda não usam aqueles bonecos dos quais nunca se separam e que são como um terceiro braço, por isso também não levamos com o cheiro estagnado de um peluche que já foi fofinho e novo e agora é encardido e amorfo. Do que é que eu estou a falar, então?

Do cheiro a bolçado.
Esse cheiro meio azedo, meio fresco, que os meus filhos teimam em manter durante o(s) primeiro(s) mese(s). Os gaiatos mamam muito bem, aliás, nasceram ensinados e sempre correu tudo bem no que toca à amamentação, no sentido lato de alimentação e garantia de sobrevivência de um ser vivo minúsculo. Estou muito grata por isso. O que me aborrece, não, é mais forte que um aborrecimento, o que me chateia mesmo, que me lixa o juízo e me consome os neurónios é a reacção automática que eles têm assim que são colocados a arrotar após a mamada e que é deitar cá para fora todo o leite que estiveram a sacar da mãe.

Vá, eu sei que não é toooodo o leite, até porque se assim fosse não cresciam a olhos vistos e também sei que é normal isto acontecer dada a imaturidade da válvula que regula a entrada do estômago, a cárdia, e que impede que a comida volte para a boca. Também sei que uma pequena colher de café cheia e derramada numa toalha faz estragos, sim, já fiz este teste recomendado pelos pediatras para perceber que a quantidade de leite bolçada pode ser uma ilusão de óptica. E antes que perguntem, sim, já verifiquei que a pega e a posição de amamentar estão correctas e dormem numa cama inclinada. 
Não sei porque é que isto acontece, sei que vai melhorando com os dias, vá, com as semanas e meses, mas que fico com nervos fico. É roupa molhada, é babete ensopado, é mais uma fralda para lavar e é, muitas vezes, um fio de leite a escorrer pelo meu peito até à barriga. O que é sempre agradável, principalmente no inverno! Quem te manda ter filhos no inverno, pá? 

Eu até gosto de natas azedas e de queijo fresco (que é como o pai chama ao bolçado mais denso que às vezes aparece), mas prefiro tê-los no meu prato e não na minha roupa! E gostava muito de poder cheirar os meus filhos à vontade, com aquele ar enamorado e derretido, sempre que me apetecesse, sem me deparar com um pijama húmido ou um babete cheio de manchas amarelas. 

Os putos até são fixes, dormem bem, comem bem e são calminhos, mas podiam ter esta cena controlada para a mãe puder sacar-lhes o cheirinho bom a toda a hora e o pai, que nem gosta de queijo, gostar de os pegar ao colo.

Joana David e Silva
mãe do João, de dois anos, e do Francisco, de três meses

a Mãe dá (#15) - Bilhetes para a peça Esperança (com César Mourão)

Não vou tecer grandes comentários à qualidade do espectáculo porque, por ser esposa de um dos autores (o outro é o próprio César), acho que não me levariam a sério. Mesmo que não fosse esposa dele, já não me levariam na mesma, não é? 

Posso dizer-vos o que senti ao ver a peça. Senti que estava a ver um daqueles filmes que, mesmo com sono, não iríamos para a cama sem ver o final. Mesmo que estivesse gravado na box. Mesmo que tivéssemos tido uma daquelas noites, por causa dos nossos filhos, em que acordámos 41 vezes. 

Ficamos a gostar da velha Esperança. Costumemos dar ouvidos aos nossos velhotes ou não, temos muito gosto em ouvir esta Esperança que tanto desconversa mas, afinal de contas, vai conversando durante toda a peça. É uma velha que está muito viva apesar de estar num hospital. Apesar de só ter sido "o que a deixaram ser". É uma velha à portuguesa, que se vai queixando de estar cansada, mas que manda as suas larachas para fazer rir, aproveitando as histórias dos outros. Nós conhecemos esta velha que, segundo César Mourão, é a junção de muitas velhas que ele já conheceu e observou. 

Sugiro que conheçam a Esperança. Que vejam o César a dar corpo (que, estranhamente até lhe assenta bem) a esta velha e também que oiçam o coração que foi posto neste texto. 





19 março a 5 abril

4ª a sábado - 21h30 | domingo 18h | M16

3 abril não há espetáculo

autoria CÉSAR MOURÃO E FREDERICO POMBARES

interpretação CÉSAR MOURÃO

encenação ANDRÉ PAES LEME

produção H2N


Tínhamos um bilhete duplo para oferecer para amanhã, 22 de Março e o vencedor é:


PEDRO PINTO, PARABÉNS! 

É favor levantar o bilhete meia hora antes do espectáculo (17h30) nas bilheteiras e apresentar BI/Cartão do Cidadão.


Não é para todas! O melhor é admitir.

Ter fotografias fofinhas dos bebés não é para todas. Mesmo que o bebé seja bonito (há uns feios, que nós sabemos muito bem, mas não dizemos a ninguém, não é?). 

Não sei se conhecem o Pinterest, é um site com app para o telemóvel que reúne fotografias inspiracionais de tudo o que desejarem. E claro que as fotografias de bebés não são excepção. Encontrei num site australiano (este - não me perguntem como é que fui lá parar porque já não sei), os maiores fails (fracassos) de mães a tentarem sacar fotos à Pinterest aos bebés. 

Eu ri-me. 

Isto é mais ou menos o que sinto e o que acontece quando tento imitar a Joana Paixão Brás. 

























Eu ando a ficar ligeiramente viciada no Pinterest. Principalmente com a constante esperança de vir a mudar de casa em breve (já lá vão 2 anos neste "em breve"), mas sempre que desligo penso: "nunca hei de conseguir". Ainda bem que finjo ser amiguinha da Joana Paixão Brás para ter uma escrava. Dedicada ainda por cima. ;)

3.20.2015

a Isabel tem varicela

Não, não tem, mas o problema é mesmo esse. 

Joana, não me leves a mal, mas até preferia que ela tivesse (já explico). 




Não sei se se aperceberam mas a Joana Paixão Brás anda a organizar há mais de um mês a festa de aniversário das nossas filhotas em conjunto. Reservou um espaço, comprou milhares de coisinhas betas e fofinhas, fez imensas parcerias com sites de betinhas e de coisas muuuito queridas aqui no Facebook e depois diz-me qua há um surto de varicela na creche da Isabel.

Estou pior que estragada. Primeiro porque, vá e estou a falar a sério, não gostava que a Isabel apanhasse varicela tão cedo e depois porque lá se foi a nossa festa de aniversário em conjunto pelo cano abaixo. 

Os putos ficam a incubar a varicela até 21 dias e a varicela começa a ser contagiosa dois dias antes de aparecerem os primeiros sintomas. Sim, é esse o problema. Não sabemos se a Isabel já tem varicela e anda para ali silenciosamente a incubar ou não. Daí o "preferir" que ela já tivesse e que já tivesse crostas nas borbulhas.

Confesso, aqui entre nós, que foi a primeira vez que me senti a vacilar e me senti mesmo muito muito tentada em tomar a decisão errada e fazer a festa na mesma com a Isabel, borrifando-me para o assunto, numa de mãe super prática: "ela vai apanhar um dia, vamos lá despachar isto que eu não posso ficar sem festa". 

Precisei de enviar uma mensagem à pediatra para ser ela a desempatar. Até porque uma amiga minha até já me tinha falado de festas da varicela para os putos se pegarem todos uns aos outros "para despacharem o assunto porque mais vale agora que mais tarde". 

Ora bem, segundo a minha pediatra, quem eu escolho seguir em quase tudo (apesar de não ser obrigada a concordar em pleno), é preferível eles apanharem "mais cedo" que "mais tarde", mas o mais cedo é entre os 2 e os 10 anos. Depois dos 10 é que já começa a ser preocupante e antes dos 2 também. Claro que há excepções, mas contam lá elas para isto. Não, não contam. 

Teve de ser o meu marido a pôr-me juízo na cabeça: "se depois a miúda apanhar varicela, como é que te vais sentir todos os dias enquanto ela estiver desconfortável? Se já te sentes culpada quando ela fica com um bocadinho de tosse...".

E é verdade. Não consigo ir com a Irene à festa, apesar de certamente ir ser a festa mais bonita que ela (claro) e eu alguma vez iríamos ter. 


Ainda por cima não vamos e o mais provável é a Isabel não ter nada porque anda mais tesa que um carapau (quero dizer que nada lhe tem pegado ultimamente, mas acho que não me saiu bem). 

Assim sendo, vamos ter a festa que a minha capacidade de organizadora de eventos permite: um bolo cá em casa depois do almoço. 

Estou mesmo muito triste, mas ser crescida é isto, não é?

* Já sei que imensas de vocês iriam num piscar de olhos, que teriam a festa das vossas vidas, recordações brutalíssimas e que os vossos miúdos não só não apanhariam nada como aprenderiam a dar os primeiros passos por lá, mas eu não consigo. Não tenho estômago para lidar com más consequências no que toque com a Irene. Ainda. 

A Mãe dá (#14) - Vencedor Laços Little I

Cá está o resultado do passatempo mais girly deste estaminé!



Do azul bebé ao rosa salmão, do rosa velho ao bordeaux... a vencedora vai poder escolher 5 LAÇOS, porque a Mãe dá!

E a touca que deixa a Isabel "um amooooor" também vai parar a uma caixa do correio. Quer dizer, não é esta, que esta não sai cá de casa! É uma parecida.



E a vencedora é... 

Ana Filipa Santos! 

Parabéns!!!

A todas as que participaram, obrigada!

(E, em vez de ficarem tristes, saquem o cartão de multibanco ao vosso mais-que-tudo e façam umas encomendas na Little i que vão ficar muito bem servidas!)

a Mãe dá (#15) - Esperança (peça com César Mourão)

Não vou tecer grandes comentários à qualidade do espectáculo porque, por ser esposa de um dos autores (o outro é o próprio César), acho que não me levariam a sério. Mesmo que não fosse esposa dele, já não me levariam na mesma, não é? 

Posso dizer-vos o que senti ao ver a peça. Senti que estava a ver um daqueles filmes que, mesmo com sono, não iríamos para a cama sem ver o final. Mesmo que estivesse gravado na box. Mesmo que tivéssemos tido uma daquelas noites, por causa dos nossos filhos, em que acordámos 41 vezes. 

Ficamos a gostar da velha Esperança. Costumemos dar ouvidos aos nossos velhotes ou não, temos muito gosto em ouvir esta Esperança que tanto desconversa mas, afinal de contas, vai conversando durante toda a peça. É uma velha que está muito viva apesar de estar num hospital. Apesar de só ter sido "o que a deixaram ser". É uma velha à portuguesa, que se vai queixando de estar cansada, mas que manda as suas larachas para fazer rir, aproveitando as histórias dos outros. Nós conhecemos esta velha que, segundo César Mourão, é a junção de muitas velhas que ele já conheceu e observou. 

Sugiro que conheçam a Esperança. Que vejam o César a dar corpo (que, estranhamente até lhe assenta bem) a esta velha e também que oiçam o coração que foi posto neste texto. 





19 março a 5 abril

4ª a sábado - 21h30 | domingo 18h | M16

3 abril não há espetáculo

autoria CÉSAR MOURÃO E FREDERICO POMBARES

interpretação CÉSAR MOURÃO

encenação ANDRÉ PAES LEME

produção H2N


Temos, claro, um bilhete duplo para vos oferecer. 

Condições:
O vencedor será anunciado no dia 21 de março de 2015, sendo aceites inscrições até às 23h59 do dia anterior.
O vencedor será escolhido aleatoriamente através de random.org.
Só é válida uma participação por endereço de e-mail.
O bilhete duplo atribuído é para domingo, dia 22 de Março às 18h.






3.19.2015

o meu pai

Lembro-me de muitas coisas boas do meu pai. Começo por me lembrar das mais de 6h por semana no bowling do Colombo quando era o fim-de-semana dele ou a sexta-feira. Estava sempre ansiosa para que ele me fosse buscar à escola para irmos jogar. Tínhamos o nosso cumprimento especial quando fazíamos strikes. Era foleiro, mas eu adorava e não tinha vergonha. O meu pai dá um saltinho quando vai a correr pela pista para fazer o lançamento. Acho que é de ter feito ginástica e não consegue deixar de fazer a chamada. Ia pedindo imperiais e eu pepsis à medida que os jogos iam passando. Já conhecíamos toda a gente de lá. Pelo nome. Tínhamos a nossa própria bola de bowling, saco, sapatos e luvas. Ainda hoje temos. Os sapatos já apodreceram. Já não vamos jogar há demasiado tempo. Será que o velhote ainda consegue lançar uma bola de 14oz sem se partir todo? Ou será que a filha já não consegue lançar uma de 13 e finger por já ter sido mãe e sentir que irá estar no pós parto para sempre?

Lembro-me de muitas coisas boas do meu pai. Lembro-me de ser sempre ele o centro das atenções de todos os sítios onde íamos. Jantares de amigos dele. Eventos. Convívios. O meu pai era sempre quem falava mais alto, quem fazia rir toda a gente, quem falava mais, quem esclarecia quem não soubesse algo sobre fosse o que fosse. Ele sabe muito de muita coisa. Muita coisa que não me interessa, mas que, na altura, adorei saber. Ainda hoje não faço a mínima ideia de saber os tipos de gases (nem sei bem o que é isto) com uma mnemónica. ManteigaÉparaBarrarPão: Metano, Etano, Propano, Bentano e Pentano.  O meu pai tinha um rol de 15 anedotas, todas alinhadas para o "momento das anedotas" nos convívios. Eu também. Às vezes até já tínhamos um número juntos. 

Passámos muitos jantares a comer a minha comida preferida (na altura): bife na pedra. Íamos sempre jantar fora à sexta. Comi muitas picanhas, muitos bifes na pedra e nunca faltava o  Sumol de Ananás que o meu pai me dizia sempre que era o que a minha mãe bebia com caracóis. A mim ou a quem estivesse connosco: "a Sílvia era capaz de comer caracóis a beber um sumol de Ananás". Passámos mais de metade desses jantares com o meu pai a tentar explicar-me a diferença entre memória RAM e a memória do disco rígido. Olhando para trás, como é que eu não conseguia perceber? 

Lembro-me de quando morava com a minha mãe em Santiago do Cacém ou Santo André e de ter ido ao colo do meu pai, num dos fins de semana em que ele lá foi ter, a segurar o volante numa estrada que me parecia perigosa. Lembro-me de dois microscópios que o meu pai me deu, porque era o que ele gostava e sabia ensinar. Examinávamos as águas das poças da chuva. 

O meu pai tentava ensinar-me inglês. E brincava comigo. Sempre gostei de inglês por causa dele. Sempre gostei de ciências por causa dele. Não tanto como ele, claro. Pedir-lhe ajuda era um martírio. Perguntar-lhe sobre ciências do 7ºano era pedir uma ensaboadela de Química do 3º ano da faculdade. Sempre gostei que o meu pai me levasse a sério. Que ouvisse as minhas opiniões como se elas quisessem dizer alguma coisa. Lembro-me de ter tantas conversas com ele nos nossos lanches no Marajá, ao pé da casa do Avô Alfredo onde depois ele veio a morar, sobre religião, eutanásia, filosofia, casamento, adopção, etc. Tinha o quê? 10 anos? 10 anos e já sabia quem eram os Genesis, Doors, Pink Floyd, Marillion, Skunk Anansie, Pretenders, 4 Non Blondes e, sim, já tinha ouvido o "Viagens" do Pedro Abrunhosa muitas vezes. 

O meu pai brincava comigo e fazia batatas fritas das congeladas, as minhas preferidas. O meu  pai cozinhava muito bem. Gostava de por chouriço em tudo ou bacon. Comia sempre as gorduras dos meus bifes porque eu punha na beira do prato. Antes disso, refilava comigo a dizer que eu estava a desperdiçar comida e, com os talheres, preparava-me a comida e dizia "vês? olha tanta carne! tanta carne!". Fazia um arroz que eu adorava. Não gostava de fazer sopa ou, pelo menos, marchavam sempre instantâneas. Tínhamos um aquário de 60 litros, com um limpa fundos. Tenho fobia de peixes mas adorava o nosso aquário. Ainda hoje tenho pesadelos com ele, que os peixes estão mortos, a boiar. Comprou-me periquitos. Agora que penso nisso, ele tinha de os aguentar a semana toda para depois eu só os ver ao fim-de-semana. Desapareceram um dia. Acho que os deu à senhora que tomava conta do meu avô. Ele vivia em casa do meu avô que estava acamado. 

Lembro-me de estar sempre à espera de sexta-feira. Sempre por volta das 4 quando o meu pai me ia buscar ao colégio. Na quinta-feira já adormecia a pensar nisso. Passava sexta-feira toda aos saltinhos a esperar que o meu pai me fosse buscar. Lembro-me dele me ter oferecido um bip do Portugal Radical e eu estar louca para que dissesse que vinha a caminho. Só ele tinha o número do meu bip. Estava sempre ansiosa pelo bowling, pelo lanche com leite Ucal "ligeiramente aquecido" que era como ele pedia sempre o meu leite e ainda agora quando peço um leite Ucal, o peço assim. 

O meu pai chora a ouvir música. E nem é por se lembrar de nada. "Choro porque é bonito, não sentes?". O meu pai deu-me a liberdade de ter alma de artista. De não achar que é estúpido sentir coisas a mais, por coisas que não vemos os outros a sentir. 

Odiava o Domingo. Tinhamos hora de recolha. Ele tinha que me deixar em casa da minha mãe às 21h30. Nunca queria ir. Tinha acabado o fim-de-semana ou a sexta-feira e a vida ia voltar à normalidade. Ia voltar às aulas, aos jantares a horas, a ter hora de deitar, a não ter ninguém para jogar computador comigo. 

O meu pai conduz muito nervosamente. É daqueles que se cola ao carro da frente se ele vai devagar na faixa da esquerda. Só quando comecei a crescer é que tinha medo. Fazíamos Amadora-Oeiras em 10 minutos. Sempre a ouvir música. Ele deixava-me cantar. Não dizia que cantava bem, mas aturava-me tanto, sem me mandar calar....

Houve uma altura, que me pareceu uma década, que deixei de ter sextas-feiras, deixei de ter fins-de-semana e todos os dias eram iguais. Já não havia nada por que ansiar. Tinha-se acabado o bowling, os jantares fora, o jogar computador juntos, o ir buscar-me à escola, tudo. O meu pai foi para Moçambique dar aulas. Moçambique, onde nasceu. Falava muito de ser "Africano" e de ter nascido em Moçambique. Sempre falou muito do passado, fosse o passado mais passado ou o passado mais médio mal passado. Foi. 

Adorou Moçambique. Adoraram, ele e a Bibi, minha madrasta, mãe do meu irmãozinho Tiago. É uma história que ninguém tira a meu pai. Aposto que adora sempre que o tema é África para poder falar tudo o que sabe sobre Moçambique. Se eu que já fui passar lá férias, sinto o mesmo, imagino ele. Quero dizer que sei a moeda, o nome de bebidas, algumas palavras no dialecto deles, imagino o meu pai que adora o seu Maputo "que dantes não era, eu nasci em Lourenço Marques". 

Choro como se ele não estivesse cá, mas está. Mora ali, a menos de 10km de mim. Raramente nos vemos. Raramente falamos. Toda a gente brinca a dizer que os "Gama Freire" são assim. E são mesmo. Acho que ninguém sente a obrigatoriedade de falar com alguém nesta família  mas que se sente sempre terrivelmente culpado por isso, quanto mais apertado for o laço familiar. Gosto quando o meu pai comenta o que ponho no Facebook, gosto quando faz like. 

Sei que a vida dele não muda muito ao ponto de ter que saber novidades dele frequentemente. Sei como é a rotina dele desde que ele se levanta até que vai para a faculdade e sei como ele é quando chega a casa até se ir deitar. 

Sei que o conheço tão, mas tão bem. Posso não ter vivido os dias da semana com ele desde sempre. Só todas as sextas e fins-de-semana alternados, mas lembro-me de tantas coisas boas do meu pai. Sou tanto dele. 

Sou a que fala alto. A que ri alto. A que faz rir toda a gente. A que finge que percebe de tudo ou que, pelo menos, a que percebe mais de temas que não interessam a ninguém. Sou quem chora sem vergonha. Tenho um lado artístico que julgo vir do professor de Química que é o meu pai. Parece estúpido, mas é o que é. 

Lembro-me de tantas coisas boas. Lembro-me de estar calor e do meu pai me dizer "vai ver a pequena Sereia que te imaginas logo a tomar banho no mar e ficas com menos calor". Funciona. Lembro-me dos scones com batido de banana no moinho de Linda-a-Velha. Lembro-me de termos acampado uma tarde na mata de lá. 

Vou ser como o meu pai para a Irene. Parva, brincalhona, dar-lhe instrumentos musicais para ela ter tão bom ouvido para a música, vou deixá-la sentir, vou ouvir sempre as opiniões dela, mesmo que tenha 10 anos. Vou explicar 40 vezes a mesma coisa. Vou falar sempre apaixonada por tudo, sempre com a esperança de que ela se apaixone também. Vou andar de baloiço com ela e não ficar a vê-la a andar sozinha. 

Vou ser mãe muito também como o meu Pai.



Espero ser sempre aos olhos dele, a menina que no infantário de uma terra qualquer das 40 em que morei estava a pisar as uvas com os pés cheia de afinco para dar uma garrafa de vinho ao pai no dia do pai apesar de saber que o pai nem gostava muito de vinho. E que ele nunca bebeu. Eu não percebia porquê. Agora percebo.