Por David Silva, pai da Isabel
O pai, quando não é pai mas sabe que quer ser pai (confuso, eu sei), tem a perfeita noção de que a vida vai mudar a partir do momento que os filhos nascem. Agora, será que sabe o quanto vai mudar? A resposta é claramente: "NÃO!".
Começando por onde se deve começar, pelo início: a vida de casal é boa, jantares a dois em ambientes românticos, idas ao cinema, sexo com fartura (q.b., vá!), sair à noite... Esta é a vida de que o pai-que-ainda-não-é-pai gosta.
Numa noite de jantar romântico que acaba com 3 horas de sexo (ou 10 minutos, mas à Benfica) acontece que o nosso espermatozóide mais rápido se lembra de chegar com tudo para nos alegrar a vida (para aqueles que querem ser pais, claro).
Depois chega a notícia e o pai-que-ainda-não-é-pai vai ficar a saber que vai ser pai. Esta é a parte em que ficamos radiantes mas, no meu caso, aquilo que me saiu foi: “estás a gozar?!?!?”. Pode não parecer, mas fiquei contente e com a lágrima ao canto do olho. Só que, nos segundos que se seguem, acontece o mesmo que dizem que acontece às pessoas que estão prestes a morrer. Fazemos um “flashback” à nossa vida e começamos a pensar nas coisas que gostaríamos de fazer e já não vamos fazer, as que fazíamos e que também já não vamos fazer, mas nada disso abala a nossa felicidade porque, no fundo, sabemos que o que está para vir é muito melhor (não para as pessoas que estão a morrer, claro).
Os 9 meses de gravidez, para o homem, nem são assim tão maus (tirando os humores bipolares e os desejos - do que elas se lembram!), mas temos de ser sinceros: a mãe sofre muito mais!
Vamos a umas aulas de preparação pós-parto e nem caderno levamos para tirar apontamentos porque achamos que vamos decorar tudo. A verdade é que as aulas vão passando e achamos sempre que são coisas a mais para aprender, mas, mesmo assim, pensamos: “isto de ser pai afinal não é assim tão difícil!”.
Chega o momento: vai nascer. A Joana grita “acho que me rebentaram as águas!”, ao que eu respondo “posso dormir só mais um bocadinho?” Eu sei, pareço uma besta insensível, mas o facto é que uma das coisas que nos ensinam é que quando rebentam as águas não vale a pena ir a correr para a maternidade porque ainda vai demorar e, no final de contas, podia ter dormido mais umas 6 horas (sendo que, provavelmente, ela me teria acordado aos gritos com as dores das contrações).
Vai parecer cliché, mas é verdade: o nascimento de um filho é mesmo um momento inesquecível, mas não vou entrar por aqui porque começo a ficar lamechas.
Dia 1, agora é que vão ser elas. Aquilo que me veio à cabeça foi: “afinal devia ter tirado uns apontamentos!”. Temos de ser realistas. As mães, durante 9 meses, fazem um download automático do manual de instruções do bebé (sendo que algumas parece que fazem download em Russo) e nós temos de aprender na hora. Trocar fraldas parece fácil, mas afinal não é. “Para que lado é isto?”, “é melhor limpar o cocó de cima para baixo ou de baixo para cima?”. E os banhos? Parece que a qualquer momento vamos afogar a pobre da criatura. E pior: combinar roupas? Eu bem tento não juntar flores e riscas, mas se tiverem a mesma cor, estão mesmo a pedi-las!
E agora aquilo que os pais mais gostam: acordar a meio da noite com cotoveladas nos rins e com as nossas mais que tudo a pedir gentilmente "vai lá tu!". Primeiro protestamos, depois vamos a cambalear e a embater contra as paredes e tudo o que nos aparecer à frente. Chegamos ao quarto com vontade de esganar o pequeno satanás que se encontra de joelhos e agarrado às grades a chamar por nós. Mas depois, depois parece que despertamos quando o pequeno anjinho se começa a rir para nós. Por muito que custe, a criatura vai ter de voltar a dormir...
Uma hora depois, estamos com as pernas dormentes de tanto caminhar pelo quarto, os braços já nem os sentimos, a música do youtube para bebés entra-nos pelos ouvidos em loop, já levámos 20 pontapés no peito e 38 beliscadelas na cara e o bicho não há meio de fechar os olhos.
Oi, oi, oi, está a adormecer, é agora! Fechou os olhos, está com aquela respiração calma, cama com ela, debruçamo-nos sobre a cama e ela aí vai. Viramos costas e, em pézinhos de lã, saímos para que ela durma um sono tranquilo. Pensavam que era assim tão fácil? Pois é, meus queridos, ela acordou de novo.
"Mãe, agora vais lá tu!"
Depois ainda há as papas, as sopas, as brincadeiras, os aerossóis e aquele objecto de tortura mais conhecido por aspirador nasal.
Hoje em dia o pai tem de saber. E não é muito melhor assim? Para mim é.
Quero que a minha filha sinta que o pai esteve sempre lá e que um dia diga “o meu pai também sabe!”
E sei, só demorei mais um bocadinho!