7.10.2019

Salas mistas: Sim ou não?


No outro dia, num grupo de mães e de pais na Internet, li uma questão de uma mãe, apoquentada, porque a filha ia passar a estar numa turma mista na escola, ou seja, com idades entre os 3 e os 6 anos.

Não sei se será o vosso caso, mas gostava de deixar a minha opinião sobre o assunto e de "acalmar" quem está com dúvidas em relação a este assunto.

Salas com idades mistas são, a meu ver, extremamente benéficas. Vejo isto enquanto mãe e mera curiosa nestas questões, não enquanto especialista no assunto, psicóloga ou educadora (que não sou). E, claro, tudo isto dependerá sempre de muitas outras coisas: educadoras, escola, projecto educativo, etc. Estou a falar de creche e de pré-escolar (nas restantes idades ainda não me debrucei).

Fotografia: The Love Project

Mas, à partida, sinto como algo muito positivo. Senão vejamos:

- as crianças mais novas têm nos mais velhos um modelo a seguir e querem reproduzir o que eles fazem;

- as crianças mais velhas tornam-se mais responsáveis, sentem-se mais "líderes" e sentem empatia pelos mais novos, ajudando-os em tudo - vocabulário novo, a arrumar algo, etc

- esta interacção e dinâmica é, de facto, o que se passa "lá fora": nós aprendemos e trabalhamos com pessoas diferentes e de idades muito diferentes e é essa pluralidade que nos enriquece

- os valores que se passam nestes momentos de colaboração e interação são excelentes: por um lado pratica-se a tolerância, a paciência e até a auto-confiança e auto-estima dos mais velhos; os mais novos estão rodeados de um ambiente de generosidade e vão usar essas aprendizagens quando for a vez deles serem os mais velhos da sala

- a independência e autonomia dos mais velhos é muito estimulada e reforçada

- os mais novos, pela primeira vez na sala ou até na escola, são recebidos de braços abertos pelos mais velhos, o que ajuda imenso na integração! (Noto que a Luísa, este ano das mais velhas da sala - fez 3 anos em maio -, era muito querida para os bebés que chegavam e queria participar/ajudar em tudo)

- a competitividade, muito comum entre miúdos da mesma idade, é menos pronunciada e, pelo contrário, a questão de "cada um aprender ao seu ritmo" é acentuada: há menos rótulos, menos "pressas" e um espírito maior de partilha e colaboração entre todos - cada um contribui à sua maneira. 

No caso dos irmãos e dos primos, não notam que é saudável a interação deles, tendo diferentes idades? Então, é igual na escola. 

Acredito que o trabalho de casa - e mesmo em sala - do educador seja grande. Gerir idades e necessidades diferentes não deve ser fácil. Mas acredito também que envolver todos, criar um espírito de pertença e aproveitar as situações de conflito para passar valores seja também muito benéfico para todos. Além de que, desta forma, ainda se deve comparar menos competências e olhar mais para cada um individualmente, estando mais atento às necessidades de cada elemento. Faz-vos sentido isto?

O único ponto menos positivo que encontro nisto tudo é, pela minha experiência, que, por vezes, os mais novos queiram imitar os mais velhos em coisas para as quais ainda não estão preparados. Por exemplo, a Isabel deixou de querer e de conseguir fazer sesta mais cedo do que eu gostaria. Como os amigos mais velhos já não faziam, ela não compreendia por que teria de ficar a dormir quando havia tanto mundo para descobrir. Apesar de notar que ela se aguenta muito bem sem sesta (não percebo que faça mais birras ou que esteja muito mais cansada do que ficava antes) e apesar de eu tentar compensar em casa, indo mais cedo para a cama e acordando mais tarde, todos sabemos da importância de uma sestinha nestas idades (havendo algumas excepções, sim, mas serão isso, excepções).

De resto, notei uma evolução enorme nas duas neste sistema e concordo plenamente com ele. Noto também que a forma como lidam uma com a outra e tentam resolver alguns problemas entre as duas, a empatia, a maneira como a Isabel encoraja e estimula a irmã a fazer tudo, é linda de se ver. Quando ela no outro dia tentou perceber por que razão a irmã estava a fazer birra é algo que não esperava numa miúda de 5 anos.
Por outro lado, a forma como a Luísa consulta a irmã, lhe pede opiniões e ajuda é algo que me enche o coração. Também pode ser - e é, vá, não vou estar a menosprezar o nosso papel enquanto pais - trabalho de casa, mas tem muito a ver com as aprendizagens que trazem da escola. 

Este é um tema que me apaixona cada vez mais. Por isso, caso queiram saber a minha opinião ou experiência com o Movimento Escola Moderna; Montessori, ou com algo relacionado com o projecto educativo ou com a escola delas, digam coisas que eu abordo o tema novamente.

Escrevi sobre a escola delas aqui e aqui.





20 comentários:

  1. Este post surgiu no momento certo... obrigada Joana. Aborda mais vezes estes temas 😉

    ResponderEliminar
  2. Se pensarmos que a escola é a unica fase da vida em que nos separam por idades, percebemos logo que tal não faz qualquer sentido. Mais: como cada criança / pessoa tem o seu ritmo, estar a balizá-la pelo ano de nascimento parece-me, em boa verdade, contraproducente!

    ResponderEliminar
  3. SIM! O meu mais velho nunca esteve numa sala mista, o meu novo teve e gostei muito, lá está a questão da evolução. Não é que tenha desgostado do modelo do mais velho mas acho que todos ganham mais com um "ecosistema diferente".

    ResponderEliminar
  4. Excepto quando as crianças mais velhas se impõem por superioridade física. ..

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Para isso estão lá os educadores, para prevenir essas questões. É óbvio que a qualidade dos educadores é absolutamente determinante em qualquer situação de trabalho com crianças. Em grupos da mesma idade também há o perigo de os maiores se imporem aos mais pequenos pelo mesmo motivo.

      O meu mais velho está numa sala mista, dos 2,5 aos 6,5, incluindo crianças com necessidades especiais, e corre lindamente. Aliás, grupos mistos são o ambiente natural de desenvolvimento das crianças humanas, a separação por idades não faz qualquer sentido dessa perspectiva.

      Eliminar
    2. Uma adenda, que talvez interesse: o grupo do meu mais velho são 17 crianças no máximo incluindo duas crianças com necessidades especiais. O grupo é supervisionado por dois educadores formados permanentes, um estagiário, dois educadores formados a tempo parcial, e cada uma das crianças com necessidades especiais tem um acompanhante permanente. Ou seja, 80% do tempo estão 5 adultos para 17 crianças (no máximo) na sala.

      E eu presenciei casos de habituações complicadas, com crianças com dificuldades de comunicação e emocionais. Todas elas estão bem integradas.

      Mas não, infelizmente não é em Portugal.

      Eliminar
  5. Sim, concordo com as salas mistas. A minha filha sempre teve em salas mistas e creio que muitas das aprendizagens que fez se devem ao facto de ver os mais velhos.
    Hoje é das mais velhas na sala e ajuda a educadora em muitas coisas da sala e apoia os amigos mais novos nas dificuldades...
    è muito positivo :)

    ResponderEliminar
  6. pois eu tive uma experiencia menos boa, o meu filho mais velho teve numa escola em que as turmas eram mistas, e correu mal. Sempre que falavamos com a professora era nos dito que estava tudo bem e que os mais pequenos estavm intregrados a 100%.... Não estavam, eram postos de lados pelos mais velhos que não os deixavam participar nas brincadeiras e nos trabalhos de grande grupo, os grupos não eram mistos e portanto tambem não era promovida essa ligação. Isto foi nos 3 anos... Fui a tempo de mudar de escola, nesse ano saiu o meu e os amiguinhos da mesma idade... No meu caso acho que a professora tambem não soube lidar muito bem com a situação e o pior nunca assumiram que isso. Mudamos para uma escola de ensino tradicional e tem corrido lindamente. Em sala estao divididos por idades mas promovem muitas atividades entre salas.

    ResponderEliminar
  7. Num mundo perfeito, concordaria. No mundo que temos, não concordo.

    ResponderEliminar
  8. Não concordo nada... Mesmo, as mais velhas ouvem pedagogias repetidas, as mais novas saltam etapas...

    ResponderEliminar
  9. A mim não me convence muito, talvez pela filha que tenho. Na escola estão por idades, no ATL não. E ela sendo das mais novinhas e pouco sociável, fica ainda mais constrangida na presença dos mais velhos que, mesmo por bem, a tentam pegar ao colo ou abraçar, coisa que ela não gosta e que, por eles serem maiores, tem dificuldade em se esquivar. Mesmo as brincadeiras não são as mesmas e eu vejo como os mais pequenos acabam isolados pois os mais velhos ocupam mais espaço no recreio, nas correrias e brincadeiras que fazem.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Sinto que o se não é mesmo esse o de separação e os mais acabam isolados. Isso não ajuda na sua evolução e muito menos na integração. Acredito que cada um em sala tem que ter as aprendizagens próprias mas nos recreios os cuidadores devem promover o espírito de grupo, partilha e integração de todos no mesmo espaço. A separação por ano de nascença é um imposição que não é a mais correcta. Ora vejamos quem nasce no início do ano não é igual a quem nasce no final do ano. É na maior parte das creches e pré-escolar isso não é tido em conta. Pode ser por organização mas deveria ser por capacidades de cada criança.

      Eliminar
  10. Não concordo com salas mistas no ensino que temos... se as turmas fossem mesmo pequenas (10/12) e as diferenças não fossem mais de 1/2 anos, até poderia funcionar, mas assim não me parece. Falo com conhecimento de causa.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Nestas idades 3 ou 6 meses fazem muita diferença...E depois como as salas tem sempre 20 e muitas vezes mais alunos não ajuda à integração e acompanhamento de todos. Com turmas mais pequenas acredito que seja possível dar o acompanhamento e atenção a uma integração de todos independentemente da idade. Mas infelizmente essa não é a realidade em Portugal. Outros países as salas no máximo têm 10 crianças para 1 educadora e 2 auxiliares. Em Portugal não temos nada disto. São 20 crianças para 1 educadora e uma auxiliar. Não podem fazer grande coisa ao nível da atenção ao individual e grupo.

      Eliminar
  11. Também tenho o meu filho em aulas assim (escola Montessori). Infelizmente para o ano vai mudar para uma escola mais tradicional. Todos os miúdos mais crescidos da sala saíram. Ia ficar o único de 4 anos e meio numa sala cheia de miúdos de 3. Acho óptima a interação com outras crianças de idades diferente, ajudam e aprendem imenso uns com os outros. Mas acho que precisam sempre de ter amigos da mesma idade. E que é preciso ter atenção a isso/!

    ResponderEliminar
  12. Um pedido desta leitora que vos segue: uma nova publicação deste tema mas pensado para as salas mistas no ensino primário (1o ciclo)! Visto que poderá (e deverá) ser a futura realidade do meu filho dentro de 2 anos.

    ResponderEliminar
  13. Cátia, no ensino tradicional o pré-escolar é misto,é o que acontece nas escolas públicas por ex. Neste momento só alguns privados fazem turmas homogeneas, são cada vez menos e percebe-se porquê, efetivamente é um forma de constituir turmas que não está centrada no desenvolvimento da criança, o objetivo é facilitar o trabalho do educador, não favorece a aprendizagem ativa.

    ResponderEliminar
  14. Não creio que as salas mistas sejam o mais benéfico. Para mim começa logo com a questão da sesta. Regra geral, crianças de 3 anos devem/precisam dormir a sesta. Não sei bem qual é o impacto, a médio e longo prazo, para as crianças que não o façam. Mas vejo pela minha filha que, com quase 4 anos precisa e muito da sesta. Depois acho mesmo que é muito difícil conciliar ritmos e necessidades tão diferentes. Na sala da minha filha, os miúdos tem 3 e 4 anos. Um ano de diferença parece-me benéfico. Lá está os mais velhos já puxam pelos mais novos, mas estão ambos em fases de crescimento e desenvolvimento semelhantes. Uma criança de 3 anos e outra de 5/6 anos estão claramente em fases muito diferentes. Conseguem-se fazer sempre atividades que respondam às necessidades de ambos?

    ResponderEliminar
  15. Tenho as minhas filhas há 5 anos numa escola montessori, com turmas mistas, na Holanda. Só consigo, até ao momento, ver pontos positivos. Há sempre um cuidado enorme para que a distribuição das idades seja bem conseguida. Em cada turma há sempre 3 idades, e um número equivalente de miúdos em cada idade. No entanto, as idades diluem-se um pouquinho durante o dia, porque eles interagem muitos uns com os outros. O que aprendem com os mais velhos é importante para desenvolverem capacidades, penso eu que mais rapidamente, e o que aprendem a ensinar e a ajudar aos mais novos é valioso ao nível da aprendizagem emocional e humana. Além destes pontos positivos, o facto de terem um intervalo de idades mais alargado ao redor delas, faz com que haja mais tolerância com o desenvolvimento individual de cada um. Durante 3 anos, podem a determinada altura estar mais avançadas ao nível da leitura e ligeiramente mais atrasadas na matemática, por exemplo. A meu ver, este tipo de ensino é mais orgânico e tem mais em conta as capacidades individuais de cada criança. Provavelmente, existirão alguns pontos negativos, quando em contraste com o ensino mais tradicional, mas após 5 anos com filhas nesta sistema, só consigo ver pontos a favor. É claro que as turmas mistas, dentro de um sistema montessori, onde as crianças possuem uma certa independência na escolha de actividades diárias, podem mover-se de um lugar para o outro na sala de aula, mudam frequentemente de colegas de trabalho, as diferentes idades fazem mesmo muito sentido. Raramente na vida, com excepção das escolas, estamos incluídos num grupo homogéneo de idades, porque não também aprender logo desde cedo na escola como lidar com a heterogeneidade ao nosso redor? :)

    ResponderEliminar
  16. O meu filho foi para a escola pela primeira vez com 3 anos. A interacção dele com os pares era muito complicada, não brincava com os da sua idade, tinha dificuldade em permanecer nas actividades de grupo e não tolerava de todo o choro ou presença de bebés. As salas mistas fizeram milagres nele, foi carinhosamente "adoptado" pelos mais velhos da sala, que o protegiam e ajudaram imenso na sua integração. A interação com os bebés na escola também é algo que a sua escola faz questão de ter e mais uma vez, devagar e cautelosamente o vi adaptar-se e hoje já brinca e dá beijinhos em bebés. Não nego que também tive muito medo a principio mas a verdade é que funciona muito bem.

    ResponderEliminar