9.13.2019

"Se não lhe bato, faço o quê?"

Ontem, a meio de uma conversa lembrei-me de um grande desafio que tive de ultrapassar com a Irene. Inexplicavelmente (ainda que a nossa cabeça consiga arranjar milhares de explicações, claro), houve uma fase em que perante qualquer contratempo que mexesse mais com o meu ego, cansaço e insegurança, o meu instinto era levantar a mão à Irene. 

Ela não me obedecer, ela não fazer o que eu precisava, não reconhecer o meu esforço, os meus sacrifícios deixavam-me muito frustrada. E, infelizmente, a minha falta de ferramentas e a minha falta de capacidade momentânea para arranjar ferramentas pareciam deixar-me num beco. 

"Se não lhe bato, faço o quê?"

Tenho a "sorte" de ter recebido algumas palmadas e muitos gritos. E fiz o exercício de voltar atrás e rever o que isso me fazia sentir. O quanto me sentia incompreendida, sozinha e menos amparada por quem precisava mais que me amparasse. 

Aí prometi. Lembro-me de já ter prometido quando era mais nova a não ser assim. Mas voltei a prometer agora mais crescida. Vou mesmo dar a força que sinto que me resta (vamos sempre buscar mais) e dar-lhe tudo o que tenho para não levantar a mão e arranjar alternativas.


Isso implicou ler. Implicou chorar. Muita frustração. Ouvir muitas opiniões que me "deixavam" insegura. O "deixavam" está assim escrito porque os comentários só deixam alguém inseguro se essa pessoa já estiver, aumentam a insegurança. Quem está verdadeiramente confiante não se deixa abalar. Ainda que isso possa ser uma utopia. 

Ajudou-me ver a Irene como uma mini-eu. Bem sei que esta projecção poderá não ser saudável se estendida a um campo maior, mas ajudou-me a vê-la. Como pessoa, como mini pessoa que está a ir buscar em mim o significado da maioria das palavras e, acima de tudo, o do amor. 

Apercebi-me que a maneira como a ajudo a resolver os conflitos ou como lido com as explosões de frustração dela, de cansaço e de tudo o resto, é como mais tarde ela poderá vir a resolver com os seus filhos ou até como agora poderá lidar com os colegas ou até comigo. 

No início finge-se (mal e porcamente) a empatia. A voz fica hipnótica e sentia-me falsa, a representar. Porém a dinâmica mudou (temos vindo a crescer) e a empatia sai-me do coração. Consigo ouvi-la e vê-la. Já não se trata de paciência, mas de carinho. 

Não vejo os obstáculos como algo pessoal, mas sim como um desafio e até uma oportunidade para ensinar ou sugerir aquilo que considero melhor. Sendo que o "melhor" é o que lhe traga mais felicidade agora e depois e também aos que a rodeiam. 

Estou a focar-me em criar um ser humano bonito, ainda que venha a falhar. 

Queria só deixar uma palavra de incentivo a todas as mães (e pais) cujo o primeiro instinto também tenha sido ou ainda seja o de levantar a mão que é possível guardá-lo no bolso e ficar com os braços livres para abraçar. É uma mudança lenta, feia, mas com um final muito feliz e um crescimento muito grande. 

A relação muda e faz bem a todos.

Se acharem por bem, partilhem pelos vossos amigos ou familiares que notem que têm a mão mais rápida, pode ser que ganhem fé em si e na mudança porque é possível (e necessário). 

Um beijinho e bom fim-de-semana, já agora ;)





Aproveito para vos dizer que ontem saiu o segundo episódio do nosso podcast "a Mãe é que sabe" em que falamos de tudo menos de maternidade - só para desenjoar um bocadinho. Está disponível no Spotify, SoundCloud, Apple Podcastas e Anchor FM. Aproveitem para fazer boas reviews que, como ainda é novo, a Apple ainda está a ver se vale a pena ou não ;)




Além disso, esta semana (tal como todos os Domingos), publicamos um novo vídeo, este sobre as 5 piores coisas da gravidez. Já subscreveram o canal? ;)




Para além disso,se conhecerem marcas que estejam interessadas em entrar no nosso projecto de ajudar mães nas primeiras fases mais difíceis de ter um bebé, falem connosco através do e-mail amaeequesabeblog@gmail.com. Ok?

5 comentários:

  1. Cresci num meio em que a palmada "educacional" era comum e natural. Cresci a levar palmadas, cresci a ver aqueles que estão à minha volta a fazê-lo aos seus filhos. E eu, já adulta, achava (sem pensar muito nisso) que de facto "de vez em quando" é necessário dar uma palmada, para ensinar, para criar limites e que não há mal nenhum. Quando estava grávida lembro-me das minhas colegas (todas já mães) estarem a falar sobre o assunto, concordando com o uso da palmada e aquilo mexeu comigo. A partir daí comecei a pensar mais sobre o assunto e sentia que não fazia sentido: eu faço à criança aquilo que tento precisamente ensiná-la a não fazer aos outros?! Mesmo que digam que resulta, que a criança "aprende", eu não quero que a minha filha "aprenda" assim. E, depois, também interroguei-me "então o que posso fazer em alternativa?". E, durante a gravidez e os primeiros meses de vida da minha filha, li bastante, fiz formação. E adquiri os conhecimentos e as ferramentas que vão de encontro àquilo em que acredito: é possível educar, traçar limites, disciplinar sem bater, sem ameaçar, sem gritar. No início parece falso e estranho e é difícil porque temos que trazer consciência à forma como falamos, às palavras, ao tom, à postura, a toda a nossa linguagem verbal e não verbal. Chega a ser algo obsessivo, mas é mesmo uma questão de hábito, de dar tempo para o nosso mindset mudar e as coisas começarem a fluir naturalmente. Com o tempo (e com os nossos filhos todos os dias são novas oportunidades para "treinar") começa a ser natural. Tudo em nós passa a estar alinhado para que a resposta que lhe damos seja empática, carinhosa e firme. E este processo de mudança só funciona, acredito eu, com uma mudança interior do adulto.

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  2. Obrigada Joana por esta partilha. No limite não consigo evitar, mas quase sempre o bem resulta e os meus filhos não são menos educados por isso. O pior são os olhares dos outros e as comparações inevitáveis, mas ruinosas para as crianças. Eu como Mãe sei gerir bem os maus momentos dos meus filhos, mas quando estão com outros ficam sempre a achar que os estamos a estragar... Beijinhos

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  3. É curioso que faças a ligação entre os dois temas, (não) bater e a (in)segurança, os berros, a falta de paciência, e o projectar a nossa própria infância, ou a memória que dela nos ficou, nos nossos filhos.
    A experiência que tenho de quem me é próximo é que o bater ou não bater é apenas e só uma questão de princípio, de valores morais, se quisermos ir por aí, de cada um. No fundo, tem a ver com aquilo que cada pessoa acha que resulta. Pois conheço casos de pessoas que acham bater nada de mal, normal de vez em quando uma criança ultrapassar limites que só com uma palmada se ensina não podem ultrapassar, mas em compensação ter uma paciência infinita, não berrar, ter sempre um gesto de carinho e ternura.
    Outros casos em que pessoa é completamente contra bater, nunca levantaria a mão, seja em que circunstância, mas que quase todos os dias se deixa abater por essas inseguranças, reagindo à criança com o ego ferido, como se portar mal seja afronta ao adulto, cobrar da criança o reconhecimento do esforço e sacrifício.
    Não acho que o exercício que recomendas (é bem) tenha propriamente a ver com bater ou não bater.

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  4. Eu não bato mas grito e demais. Podia partilhar que livros leu que a ajudaram? Obrigada

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  5. Ler, sim, mas sem uma mudança total de mindset, não se consegue. Mudança em relação a todos os aspectos, não só em relação aos filhos. Isso é que é difícil.
    A teoria a gente sabe, a AAP tem recomendações/orientações muito claras. O problema é conseguir na prática de todos os dias.
    'From 0 to 5'da American association of pediatrics.

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