8.23.2017

"Porque é que a casa da mãe já não é a casa do pai e da Necas?"

Foi hoje. 

Desde que nos decidimos separar até hoje não pensei muito mais nas dúvidas que a Irene pudesse ter. Naquela primeira semana explicámos que ela iria ter duas casas: a da mãe e a do pai e que ambas eram dela também. 


Foi pacífico. 


Fomos aconselhados (e bem) a explicar as coisas só dentro daquilo que ela perguntasse. Tenho-me apercebido que é realmente a melhor técnica. Apesar deles só perceberem o que são capazes de perceber, escusamos de tornar isso mais difícil e confuso.

Hoje, quando saímos de casa para a ir levar à casa do pai, ela perguntou "era ali onde íamos passar as duas e dizíamos adeus ao pai que ia à janela". 

Respondi que sim e com um sorriso, surpreendida por ela se lembrar e também para retirar qualquer conotação triste que pudesse ter (que não tem, minimamente). Naqueles 30 segundos de silêncio para mim - que, na realidade, devem ter sido uns 2 na vída real - veio a pergunta: 

"Porque é que a casa da mãe já não é a casa do pai e da Necas?"

Tinha já uma resposta longa ensaiada, mas editei-me. Por ela. Eu conheço-a, sei o que a cabeça dela já organiza e o que ainda é complexo e sei que tanto o conceito de namoro, amor e de final de relação não interessa muito. O que lhe interessaria? Que ambos a amamos, mas que houve uma mudança. 

Disse-lhe: "Porque agora somos só amigos, filha". 

E calei-me. Eu que tenho a tendência para aprofundar tudo, para explicar tudo o melhor que posso, tive de pensar nela (eu cá me vou resolvendo, não preciso destes momentos com a Irene para me organizar). 

Sozinha em casa - uma doente, a outra imparável. SOCORRO!

A Isabel está doente desde domingo, pelo que tem ficado em casa. Temos ficado em casa. Eu e as duas. Isto sim, minhas amigas, é prova de fogo. Mil vezes agarrar nelas e ir ao parque, pô-las a correr e a comer terra. Mil vezes a correria da praia, o tira e põe de braçadeiras na piscina, o "senta-te e come, por favor" do restaurante. Estar em casa com as duas, estando uma doente, é um mestrado, só suplantado quando estiverem as duas doentes (aí atingirei o doutoramento). Não quero esse grau tão depressa, valha-me a virgem santíssima.

Eis o nosso dia em falas de mãe.

DE MANHÃ
(que se confunde com noite porque dormir é para meninos, não há cá disso: há despertares de hora a hora e idas à casa de banho e cocó e água e dores de barriga e medir a febre e uma chora de um lado e a outra acorda do outro).

- Luísa, beijinhos à tua irmã, não. Tem dói-dói.
- Isabel, desvia a cara. A Luísa é bebé e não percebe.
- Luísa, nesse copo não.
- Não, Isabel!!! A Luísa não pode beber daí. Vou buscar o dela.
- Isabel, não se bate! Não se bate! Não batas na tua irmã. A mão é para dar festinhas, para comer, para pintar. 
- Não, com os pés muito menos!!!
- Luísa, nem pensar! Bater não!
- Sai de cima da tua irmã.
- Tu muito menos, não se pisa.
- Não, não. Dá festinha. Isso, linda. Isso mesmo. Que querida. A mana assim fica melhor! Não, beijinhos, não.
(isto em looping)

DE TARDE
(onde se deseja rapidamente que chegue a noite, apenas e porque chega uma alminha e o rácio de duas para uma acaba, mas ainda a procissão vai no adro)

- Luísa, agora é para fazer óó. Dormir.
- Isabel, tens de dormir mais um bocadinho, o teu corpo precisa de descansar.
- Shiuuuu Luísa.
(separá-las de quarto, adormecer cada uma de sua vez, uma acorda e acorda a outra, readormecer uma e outra e passar umas três horas nisto. Tudo bem.)
- Luísa, não desmanches o puzzle da mana, não.
- Isabel, já sabemos que há brincadeiras que não podemos fazer quando a mana está acordada. ("mas ela nunca dorme", responde. Verdade.).
- Meninas, não quero ver mais palmadas, não, não, não.
- Não me interessa quem começou, não se dá palmadas.
- Come só um bocadinho de maçã cozida, Isabelinha.
- Amor, tens o teu copo para beber. Nesse, não.
- Sim, dou colinho às duas.
- Luísa, esses lápis não! Olha que te magoas.
- Isabelinha, já sabemos que há brincadeiras que só quando a mana não está ao pé.
- Amor, oh estás triste? Vamos para a mesa, então.
- Luísa, em cima da mesa em pé, não!
- Queres ir fazer cocó? Esses bicharocos malandros, pá.
- Luisinha, não abras a torneira. Não, outra vez não, já chega.
- Já vai passar a dor de barriga, meu amor. Amanhã vais estar melhor. A mãe dá festinhas.
- O piaçaba, não!
- Dá cá o papel higiénico!
- Vá meninas, lavar as mãos.
- Já chega de água. Boa.
- Luísa, conseguiste tirar toda a roupa passada a ferro da gaveta. Que chatice!!!
- Tens tantas coisas para brincar, porquê, porquê, porquê, meu Deus?!
- Não, beijinhos com a boca aberta, não. Isso, festinhas. Queridas, queridas.
- Olha que coisas mais lindas que eu aqui tenho. Adoro-vos.

(- David, a que horas chegas?)


DE NOITE
(não se fala muito para não acordar ninguém, nos parcos minutos em que dormem, mas o que sai são maioritariamente impropérios e lamentações, mais ou menos em sussurro ou dito apenas para dentro)

- Fartinha disto.
- Por que é que não estás a dormir ao lado dela? Assim demoras muito a chegar lá e ela grita e acorda a irmã!
- Coitadinha. Preferia estar eu doente.
- Isto sim é dose.
- Farta de dar mama.
- Raios partam.
- Quero dormir duas horas seguidas, por favor, Deus do céu!
- Vai passar, minha querida. Vai passar.
- Luísa, dormir.
- O balde e a esfregona!
- Sei lá eu! 
- O termómetro, onde está o termómetro?! Tem pernas?

O bronze que eu não tenho (nem terei nos próximos 4 anos?), a lingerie que eu não tenho, o branco imaculado que eu, com uma filha a vomitar, não teria. Mas a expressão que eu faço é mais ou menos esta. Sem o ar sexy.
Bem, afinal, devia ter procurado outra fotografia.

*fotografia weheartit




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a Mãe é que sabe Instagram