Ontem fomos jantar os dois sozinhos pela primeira vez desde que a Luísa nasceu. Foi a segunda vez que me afastei da bebé: só a tinha deixado a dormir para ir ao velório do meu avô. Ontem parecia que tínhamos uma missão secreta e fizemos um trabalho de equipa perfeito: cada um entrou num quarto e deixámos as miúdas a dormir em pouco tempo (o David adormeceu a Luísa e eu a Isabel), saímos sorrateiramente dos quartos e pisgámo-nos sem deixar rasto. Duas horas e meia depois estávamos de volta com um sorriso nos lábios, como se nada tivesse acontecido, como se fosse um segredo só nosso. Soube-nos bem.
Sei que muitas de vocês não o conseguiriam fazer, sei que muitas outras já o teriam feito. Somos diferentes e temos necessidades e vontades diferentes e é nessa pluralidade que, para mim, reside a magia de estarmos neste mundo (que pirosada, eu sei).
Senti-me preparada e confiante. Maquilhei-me, deixei o cabelo meio despenteado para fingir que até nem estou careca, vesti um casaco giro de cabedal - que nem foi preciso graças à noite de verão que estava - e lá fomos nós até ao Festival de Gastronomia. Achei que o risco de não correr bem era pequeno face ao bem que me (nos) podia fazer. Se tivessem acordado, estava cá a minha mãe, que fez um bom trabalho comigo e com o meu irmão (eheh), e - mesmo que não tivesse dado conta - estávamos a 20 minutos de distância. A Luísa já tinha dormido a noite toda na noite anterior e calculei que, por não ter feito mais febre nem ter já grande tosse, o fizesse de novo. Deixei leitinho, mas a minha intuição dizia que não iria ser preciso. Não foi. Dormiu a noite toda, assim como a Isabel, que já não o fazia há algum tempo. Tivemos um bónus: além de termos ido namorar, dormimos bem. Os astros conspiraram e eu senti-me ainda mais realizada.
Para mim, a vida mudou muito depois de ser mãe. Teve de mudar. Os horários são diferentes, as preocupações são outras, as rotinas são importantes, as sestas, a alimentação, as noites: pouco ou nada permanece igual. É o expectável, é assim que tem de ser. Não acredito muito no "continuei a fazer exactamente as mesmas coisas", nem acho que faça sentido. Percebo que os bebés se possam adaptar a muitas das nossas rotinas anteriores, mas acho que também nós temos de nos moldar às necessidades deles. É uma questão de bom senso, de ir apalpando terreno, é ir pesando tudo numa balança e percebendo o que nos faz bem a todos, em conjunto. Também é verdade que um bebé vem tirar, pelo menos numa fase inicial, alguma disponibilidade mental ao casal, enquanto parelha. Passam a ser um trio, um quarteto, a virar alguns - muitos - interesses para o(s) rebento(s) e às vezes esquecem-se de que já cá estavam antes e que sabe bem tirar um bocadinho do dia, da semana, para eles, seja no sofá da sala, num banho, a ver uma série, enroscadinhos, seja a ir dar um passeio, jantar fora, um cinema. Sabe bem dar as mãos e andar abraçados sem ter uma mala cheia de fraldas a pender. Sabe bem dizer uns disparates, trocar uns beijos mais demorados, comer umas tapas, sem ter de limpar um ranho, dar um colo, acalmar uma birra. Mesmo que as conversas vão ter a eles, mesmo que eles estejam presentes no nosso pensamento e entranhados na nossa pele. Ainda bem. Mas é bom distanciarmo-nos umas horas para poder parar e ouvir o coração a bater forte, ter saudades e voltar para eles.
Isto quando quisermos, se pudermos, se fizer sentido, se estivermos preparadas.