12.27.2014

Como se tornar numa mommy blogger de sucesso

Ser uma mommy blogger está na moda. Sim, nós somos mommy bloggers, mas, como já perceberam de certeza, somos tipo aqueles penetras que entram na Moda Lisboa sem saber nomes dos estilistas e sem o menor sentido de estética.
Não somos um blogue de maternidade convencional: nem tudo é perfeito, os nossos filhos não estão sempre bem vestidos, têm casacos com borbotos e estão ranhosos e doentes, dizemos asneiras e não temos os melhores looks nem o cabelo sempre arranjado... No fundo, somos o velhinho Estrela da Amadora nos início dos anos 90: estamos na segunda liga, mas com muito esforço talvez até consigamos chegar à primeira (pensando bem, talvez esta comparação não tenha sido boa, até porque o Estrela da Amadora subiu algumas vezes à primeira divisão e depois faleceu. Paz à sua alma).

Desengane-se quem pensa que ter um blogue de sucesso é fácil. "Ah é só escrever umas coisinhas, tirar umas fotos e está feito!", "Aquilo também eu faria." Então, força! Boa sorte!

Antes de se aventurarem, ficam as seis regras para pertencerem à Primeira Liga:

1. FILHOS SEMPRE EM ALTA. Os vossos filhos não têm ranho no nariz, nem ar de quem acabou de acordar, não fazem birras nem ficam com restos de sopa seca no queixo. O cabelo tem de estar sempre penteadinho, com um laço (se forem miúdas, senão seria estranho), e as roupas são sempre da última grife.

2. MÃES QUE PARECEM A IRMÃ MAIS NOVA. Mãe blogger que se preze fica em forma no dia do parto e se não fica, tem de parecer. Looks sempre fantásticos, cabelo sempre brilhante, olheiras sempre disfarçadas.

3. CASAS DE REVISTA. A vossa casa tem de estar sempre pronta a ser fotografada por uma revista do jet set. A sala tem um tapete branco imaculado, não há um brinquedo no chão, nem restos de papa.

4. FOTÓGRAFO PROFISSIONAL. Estão a ver as fotografias tiradas com telemóvel, em que eles estão super espontâneos e lindos, mas ficaram um nadica escuras e têm um braço desfocado? Esqueçam. Na blogosfera, se querem ter alguma credibilidade, têm de publicar fotos com a luz certa e o enquadramento digno de um World Press Photo.

5. SÍTIOS IN. O restaurante do momento, a loja mais querida, a feira das roupas mais apetecíveis. Se possível, ir a fazer matchy-matchy com os filhos (para quem não sabe, é irem vestidos a combinar).

6. MUNDO PERFEITO. A maternidade é um mundo cor-de-rosa, os nossos filhos estão sempre sorridentes, não há dores de amamentação e até parece que isto não dá muito trabalho. O quartinho deles é um reino encantado e todas as fotos espelham a felicidade que é ser-se mãe.

Quando é que vamos conseguir cumprir estes requisitos? Nunca, não é? Fiquemo-nos, orgulhosamente, pela segunda divisão.


12.26.2014

Regresso ao nono ano (ou a importância de tentar)

Estou na segunda fila, sentada na secretária, a usar o esquadro e o compasso. O professor chama-me à secretária dele. Estamos na aula de Educação Visual do nono ano. Pergunta-me, assim do nada, que profissão gostaria de ter. Respondo a gaguejar, como quase sempre.

"-Quero ssser jojornalista."
"-Jornalista? Mas gaga não pode ser jornalista! A Joana tem capacidade para muitas coisas, mas essa não me parece! Digo isto para o seu bem!"
Engoli em seco. Os meus olhos encheram-se de lágrimas, que consegui a muito custo controlar.

Nesse dia, cheguei a casa e enfiei-me na cama vestida. Não quis comer, pela primeira vez não quis falar. A almofada ficou ensopada. Adorava ler, escrever e falar, mesmo que demorasse mais do que os outros, mesmo que fosse alvo de chacota. Punha o dedo no ar nas aulas, pronta a participar, mesmo que isso significasse chamarem-me "cobrinha". Não por ser má, longe disso. Simplesmente porque carregava nos "esses", arrastava-os nas palavras, repetia-os. "-Ssssssssstora, sssssserá que isso ssssssignifica..." Risada total. Todos riam, menos eu. Continuava com a minha questão. Queria lá saber. Queria fazer perguntas. Era gaga e então? Era feliz, tinha amigos, tocava guitarra, cantava nos Onda Choc (sim, nos Onda Choc, o sonho de qualquer miúda daquela idade), era boa aluna, gostava de mim, independentemente da minha gaguez.

Mas naquele dia não. Naquele dia era um professor, do alto da sua experiência, que me aconselhava a não seguir o meu sonho, "para o meu bem". Não me lembro de pregar olho naquela noite.
Lembro-me da minha mãe me dizer que ele era parvo e que eu podia ser o que eu quisesse. Ou que, pelo menos, podia tentar.

Hoje sou tudo aquilo que queria ser no nono ano. Faço perguntas, trabalho com palavras. Escritas, ditas. Respiro fundo e faço a magia acontecer.
Confiei na minha mãe e acreditei em mim.

É este o papel de um pai. Mesmo conhecendo as limitações dos filhos, não os privar de sonhar, de correr atrás, de lutar. Há limitações que deixam de o ser, se acreditarmos muito, se nos esforçarmos muito.

Por isso, vou dizer: "Isabel, o mundo é teu. Vai. Cá estarei, se não conseguires. Mas tenta."