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3.28.2020

Deixem-me chorar um bocadinho

Deixem-me chorar um bocadinho. Pois se há caixões insuficientes, se são precisos camiões militares para transportar tantos mortos. 
Deixem-me chorar um bocadinho. Se há pessoas a morrer sozinhas. Deixem-me chorar um bocadinho. Se tenho saudades de pessoas que são um bocadinho minhas, se sinto falta do cheiro da pele da minha mãe e das mãos grandes do meu pai. Do som dos copos a brindarem em casa da minha amiga Raquel e dos nossos abraços de despedida e das danças na sala. 
Deixem-me chorar um bocadinho. Se estou assustada e se me sinto claustrofóbica. Se não tenho uma varanda. Se me apetecia estar duas horas completamente sozinha e outras rodeada de pessoas. Se me apetecia andar de carro, com destino ou sem ele. 
Deixem-me chorar um bocadinho. Se não sei quando volto a ter trabalho. 
Deixem-me chorar. Mesmo sabendo que há quem esteja em situações piores e a sofrer muito mais. Deixem-me chorar um bocadinho porque é sinal de que sou sensível mas nem por isso frágil. 

Exteriorizar o que sinto, falando alto, desabafando, chorando, dá-me espaço para depois sentir tudo o que há de bom para sentir. Partilhem os vossos receios uns com os outros, não continuem a fingir que não vos afecta. Desvalorizar o que sentimos é só varrer para debaixo do tapete. 
Chorem um bocadinho. E depois continuem, mais leves, na luta. Todos temos uma.






3.12.2020

Este ano não há festa de aniversário.

Este não é, obviamente e face à real dimensão do que está a acontecer em Portugal e no Mundo, um post de lamentação. Mas também não vos posso dizer que fui completamente indiferente às lágrimas gordas que caíram da cara da Isabel quando lhe disse que a festa de anos teria de ser adiada. 

Nunca a tinha visto tão empenhada. Como ainda nunca tinha feito festa para os amigos e colegas da escola, de onde sairá este ano, estava em pulgas. Ajudou o pai a cortar os convites, fez um envelope para os colocar lá dentro, acordou nesse dia mais cedo a dizer que não se podiam atrasar porque tinha de pôr cada um no respetivo lugar. Um convite dos ninjas, como ela queria. Num sítio cheio de trampolins, escalada e insufláveis, como ela sonhava. "Eu menti a todos os meus amigos", desabafou entre lágrimas. "Estou tão desiludida. Eu andava tão ansiosa.", repetiu.

Não é prudente nem responsável expo-las e expor-nos, nem aos amigos, nem aos pais, nem a quem me está a ler e a quem não está, no fundo, a todos (porque a cadeia relacional acaba por ser enorme) numa altura destas. Já sabemos que todas as escolas vão fechar, que temos de evitar aglomerados de pessoas (deixaram de ir à escola na 3ª feira e, por isso, não faria sentido algum haver festa. Ela já está bastante a par do que é o coronavírus, é sensível ao tema, mas - já sabemos - nestas idades o tempo, a espera, o "porquê", demora um bocadinho a ser assimilado. 

Dei-lhe exemplos mais "parecidos", mostrei-lhe que estava a acontecer em todo o lado, que uma pessoa que a mãe conhece teve de desmarcar o casamento e a lua de mel; que o primo também já não vinha do Luxemburgo este fim-de-semana fazer festa de anos; que o importante era estarmos com saúde e não espalharmos mais o vírus para quem já não tem muita saúde. Que ia ter direito a bolo de anos e a uma festinha cá em casa, com muita música e jogos (mesmo que só os 4).

Está tudo bem. Adormeceu agarradinha a mim. Eu certa de que não haveria outra hipótese e consciente de que isto é um problema ínfimo, aliás um não-problema. Mas, como é óbvio, não o desvalorizei à frente dela, disse-lhe que percebia bem o que estava a sentir. Os nossos problemas, tristezas e dores serão sempre relativos comparados com outros, mas são os nossos. Se eu tivesse a idade dela, também ficaria triste certamente. 

Por outro lado - e como adulta consciente dos nossos privilégios, meu e delas - que bom que são estes os problemas dela. Que sejam só estes. 

Aqui com 3 anos. Aiiii <3
E vocês? Como estão a viver estes dias?



[Sim, tenho estado mais ausente. Desde que voltei a trabalhar em TV, em dezembro, que os dias, as horas, me têm parecido mais escassas e que tenho tentado focar-me mais nelas e na nossa casinha. A seu tempo, tentarei equilibrar melhor tudo. Um grande beijinho e obrigada por todo o carinho e pelas mensagens de saudades]