Não sei o que me espanta mais: se a porcaria de um jogo assustador, carregado de bullying e chantagens, com desafios arrepiantes que culminam com a morte de jovens (soube-se hoje de uma adolescente no Algarve que alegadamente se mandou de um viaduto e que estaria a participar neste jogo com vários níveis e que já estaria auto-mutilada numa perna) se as caixas de mensagens a estas notícias em que se sugere que o que estes adolescentes precisam é de um enxerto de porrada e que o que lhes faltou foram palmadas na hora certa ou, ainda, que assim se faz uma seleção natural.
Vamos por partes.
Assim que li a primeira notícia sobre este "jogo" fiquei cheia de medo. Foi inevitável pensar que daqui a uns anos este mundo em rede pode estar ainda mais apurado (e mais estúpido), que com as novas tecnologias a toda a hora e desde tenra idade se pode tornar cada vez mais difícil controlar os passos deles, que a adolescência é tramada e que (Deus nos livre e guarde) por mais seguros que possamos estar relativamente aos nossos filhos, não conseguimos prever tudo (muitos destes adolescentes são ameaçados de que irão ver as suas informações mais secretas espalhadas por aí ou de que os pais e família vai ser morta, por exemplo, e vêem-se cercados pelos "mentores" e obrigados a seguir com os níveis do jogo) e que até os corações mais puros e frágeis se poderão ver encurralados nesta armadilha. Não são (só) os miúdos "estúpidos e parvalhões", como li por aí, que se metem nisto. Podem ser os filhos mais doces, numa fase mais introspectiva, destrutiva, melancólica (quem nunca duvidou de si na adolescência ou se sentiu desamparado, sem saber o seu lugar no mundo, que atire a primeira pedra!).
De repente surgem os super heróis que trabalharam logo com 12 anos e que levavam na fuça dos pais a dizer que é isso que falta a estes jovens. Não, não é. Os desafios que se colocam são outros (e ainda bem). Ainda bem que já há mais consciência de que o lugar de uma criança e adolescente é a brincar e a estudar e ainda bem que maus tratos são crime.
O que falta a esta jovem do Algarve agora não é um enxerto de porrada, como li - é um abraço, um "estou aqui", um "vai ficar tudo bem", um "eu vou proteger-te". Compreensão, amor e coragem para enfrentar os dias que se seguem. O que falta aos jovens de hoje não são ameaças e olhares assustadores à mesa de jantar. São olhares atentos, conversas francas, amor, disponibilidade dos pais. Algum controlo do que andam a fazer na internet, sim, sem dúvida. Mas também muitos autos de fé e deixá-los fazer escolhas, dar-lhes autonomia para conseguirem lidar com consequências naturais das suas escolhas (e isso trabalha-se desde pequenino). O resto... o resto é imprevisível e por isso deveremos estar muito atentos - acho que se houver abertura e cumplicidade mais fácil será esta gestão. Na adolescência há geralmente a procura do risco, da aventura e isso não é tão controlável assim: tem a ver com os circuitos internos e com o cérebro. Alguns disparates fazem-se. Todos os fizemos. Menos os tais super heróis. Uma vez apanhei boleia de estranhos, uns miúdos mais velhos acabados de conhecer nas piscinas do Cartaxo, por exemplo. Eu, boa aluna e certinha que voltaria a casa supostamente de autocarro. E se eu, que passei por uma fase mais negra da adolescência, mas tinha uns alicerces muito fortes que eram os meus pais que não me deixaram vergar; imaginemos que não os tem? Quem anda por aí ao deus-dará, sozinhos com os seus pensamentos obscuros, mais permeáveis a lavagens, a desafios parvos ou até a estas pressões?
Acho mesquinho acharmos que só acontece aos parvos, acho presunçoso acharmos que só aos outros é que pode acontecer e que controlamos tudo o que se passa debaixo do nosso tecto.
Por isso, sim, tenho medo. Mas espero dar às minhas filhas todas as ferramentas para que se sintam fortes, seguras e protegidas. Estar lá, aberta e atenta. O resto? É entregar a Deus, aos astros, à sorte, sei lá.
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Sou mãe e concordo plenamente consigo na sua reflexão. Contudo, hoje li um artigo que descrevia os 50 passos do "jogo" e fiquei a pensar, a ser verdade, como isso não é detectado pelos pais?! Ver filmes de terror as 4h20 da manhã, subir a telhados de madrugada, ir se mutilando nos braços....
ResponderEliminarConcordo totalmente contigo. Não somos todos iguais mas, se pensarmos bem, não foi há muitos anos que fomos adolescentes e tivemos ideias menos brilhantes.
ResponderEliminarLembro-me bem de como me sentia incompreendida, da melancolia, dos pensamentos negros, das ideias idiotas, de me sentir completamente sozinha e desamparada. Existiu uma fase em que não tinha irmãos, amigos ou pais presentes. Era uma adolescente sozinha, com pensamentos idiotas. Por sorte (ou não, a Internet hoje em dia facilita mais estas coisas) não me deixava influenciar por terceiros e cometia apenas as parvoíces que a minha mente inventava (e já era o suficiente). Tive sorte. Mas seria melhor se tivesse com quem conversar, se tivesse pais presentes, se sentisse que alguém se importava.
Por isso (e esses miúdos até podem ter bons pais, não faço ideia, só desconfio) o que temos que fazer é dar muito amor, afeto, atenção, disponibilidade e o sentimento de segurança aos nossos filhos. E, ao mesmo tempo, dar-lhes responsabilidade, fazê-los perceber que as suas atitudes têm consequências e torná-los, tanto quanto pudermos, resilientes e capazes de ultrapassar sentimentos menos positivos (já que, numa altura ou em outra, vão sempre aparecer ao longo da vida). Por isso é que ser pai é difícil. Não é só alimentá-los e vesti-los. Nem sequer é só dar-lhes amor e carinho. E palmadas e castigos. E conversa e atenção. É tudo isto em doses mais ou menos acertadas e cometendo os erros "certos". Um erro que não queremos mesmo cometer é o de não estar ali para os nossos filhos, não os olharmos nos olhos todos os dias e passar por eles, durante anos, sem realmente os conhecer.
Disse tudo. Obrigada.
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