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12.03.2018

Não há brinquedos de menina ou de menino cá em casa!

Hoje a Isabel pediu ao Pai Natal um equipamento do Benfica para poder jogar à bola. Ou (mais) um robot. Ou um microfone. A Luísa brinca com tudo o que lhe puserem à frente. Hoje quis vestir um tutu em cima das calças de ganga. Têm alguns carros, bolas, bebés. Há plástico e madeira. Livros de princesas, de animais, de tudo e mais alguma coisa. E eu achava que até lhes dava acesso a tudo, mas, quando me explicaram que aquele brinquedo ali atrás desenvolvia a percepção espacial, que era algo mais explorado e incentivado nos rapazes, apercebi-me de que, afinal, ainda tenho, temos, muito a fazer. 

Pus-me a ver um documentário (aqui) sobre o tema e é incrível como, apesar das descobertas mais recentes apontarem para cérebros idênticos, continuamos a perpetuar estereótipos parvos. As miúdas, de 7 anos, tinham menos auto-estima que os rapazes. Os rapazes tinham dificuldade em expressar sentimentos, além da raiva. As miúdas eram “bonitas” e os rapazes “espertos”. Ambos achavam que os homens eram melhores do que as mulheres. Ambos atribuíam as profissões de maquilhador(a) e dançarino/a a mulheres. Mecânico teria de ser um homem. A surpresa deles quando lhes apareceram à frente profissionais de género inesperado (e o giro que foi a interação entre todos).



Aos 4 anos, sei que a Isabel já tem as suas percepções de género, impostas pela sociedade, mas ainda não tem este discurso. Ainda. No entanto, não quero limitá-las. Corrijo algumas coisas que ouço dizerem. Que não há brinquedos de menina. Que o rosa não é uma cor de menina. Digo-lhe que é bonita, sim, mas também lhe digo que é curiosa, esperta e tento elogiar ou descrever o que faz e não só o que é. Isto é um processo, também para mim. Nem tudo está enraizado. Nem tudo é espontâneo. Mas é o que (me) faz mais sentido. E não, não tem de ser tudo acético. Nem tudo tem de ser posto em causa. Não é preciso mandar queimar as histórias da princesa à espera do príncipe, que a salva. Mas podemos (todos) abrir mais o leque. Pensar mais um bocadinho. E sentir, com o coração e com o corpo todo, que o mundo é grande e que o podemos dar, inteirinho, aos nossos filhos. 

Estes blocos de construção, que estimulam a percepção espacial, noção equilíbrio, etc, dos miúdos são da Hape e estão à venda cá em Portugal, por exemplo, na Maria do Mar



Próximo documentário que vou ver: The Mask You Live In (sobre o conceito de masculinidade e a forma como o "faz-te homem", "porta-te como um homem" e tudo aquilo que é expectável de um homem, está a fazer aos meninos, homens e à sociedade)

Apoquenta-vos este assunto? Querem partilhar coisas giras que tenham lido ou visto?

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11.04.2018

Ser o irmão mais velho é uma valente treta

Ser o irmão mais velho é uma valente treta.
Deixamos de ter a casa e o coração dos nossos pais só para nós.

Ser o irmão mais velho é uma valente treta.
Deixamos de poder ir ao cinema ou ao teatro ou fazer coisas de "crescidos" enquanto o irmão mais novo não tiver idade. Ou vamos, mas muito menos.

As nossas mãos deixam de ser pequeninas, os nossos pés tornam-se enormes e a nossa pele deixa de ser tão macia.

Deixamos de poder ir a conversar no carro porque o bebé se sobrepõe ou chora ou não nos deixa falar.

Deixamos de poder fazer birras, de nos queixarmos ou de fazer disparates porque olham para nós como pessoas já com mestrado, quando ainda nem fizemos a primária.

Deixamos de poder subir a um muro porque temos de dar o exemplo.

Nunca mais comemos um gelado sossegados. Ou um chocolate por inteiro.

Deixamos de poder fazer jogos de tabuleiro ou brincar com peças pequenas só porque é perigoso para o bebé.

Ser o irmão mais velho é uma valente treta.
Deixamos de ter o nosso espaço, o nosso lugar e de ser incomparáveis.
Deixamos de ter um colo só para nós e de ser pequeninos.
Às vezes nem nos vêem, não nos ouvem nem perguntam por nós na rua.
Não podemos ripostar porque "é o mais novo", "é bebé", "coitadinho dele".
E até arcamos com castigos, à custa do outro. 

Ser o irmão mais velho é uma grande treta.
A chave do diário é descoberta. E os nossos segredos mais preciosos.
Nem conseguimos ir a concertos, festivais ou discotecas sozinhos ou com os nossos amigos.
E, imagine-se, até podemos ter de voltar a viver juntos, para estudar. 
Ir buscar.
Receber chamadas tardias. 
Emprestar carro.
Ficarmos preocupados.

Ser o irmão mais velho, às vezes, é uma grande treta. 
No resto das vezes não.
Sentimo-nos orgulhosos.
Ensinamos coisas a alguém.
Somos protectores. 
Sentimos um carinho inexplicável. 
Temos alguém com quem brincar. 
Um aliado para os disparates. 
Um par para a dança mais maluca. 
Uma mão para nos segurar.
Uma gargalhada, uma piada, e pipocas para partilhar.
E nem sequer nos conseguimos lembrar de como era a nossa vida antes do nosso irmão. 
Duvidamos até que fosse melhor do que é. 
Só lhe desejamos o melhor da vida. 
Queremos que seja feliz, muito feliz.
Tanto ou mais do que nós. 

Da irmã mais velha.




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10.16.2018

Esta é uma das minhas 3 coisas preferidas.

Isto podia ser um título de um post num blog de beleza e lifestyle, mas não é o caso. Hoje, quando recebi as fotografias da minha última actuação de stand-up, olhei para elas e apercebi-me: sou muito, muito feliz a fazê-lo. Isto mesmo que nos dias antes praticamente não durma com nervos ou antes do espectáculo só me apeteça fugir. Talvez por ser tão importante para mim que corra tudo bem. 


Fotografias por Tiago Cruz. 
Bem sei que poderá ter sido um frame antes de espirar e de agora estar a olhar para a fotografia como se fosse um momento de gratidão pela felicidade que estava a sentir.



Que me tenha apercebido, foi a primeira vez que duas leitoras do blog foram assistir a uma actuação minha - deixou-me ainda mais nervosa. É costume a Joana Gama (Freire) estar toda partida e no blog ser uma pessoa, nas actuações ser outra, no trabalho ser outra, como mãe ser outra, com o pai em pequenina ser uma, com a mãe ser outra, mas estou a tentar juntá-las.

Para as leitoras que dizem que se identificam mais com o meu tom sarcástico e humorístico, ele existe e até é aquele com o qual me identifico mais, mas estou a tentar perceber se ele tem espaço aqui ou se sou eu que não tenho espaço aqui para ele.



Adoro falar em público, especialmente fazer rir. Adoro quando corre bem. Sinto que estou a fazer o que é suposto para mim. 

As leitoras não sairam tão chocadas quanto eu achava que iam sair da actuação e ficaram a saber, se calhar, mais de mim do que alguma vez conto aqui. Se calhar, para quem diz que não é assim tão afectada pelos comentários ou pelas opinões dos outros... o que provavelmente quero dizer é que isso não me impede de continuar ou de dormir, simplesmente deixo de dar o que tenho de "mais meu". 

Isto é, a relação continua, mas vou brincar para outro sítio, ahah. 


Quanto às outras duas coisas que mais gosto de fazer na vida, ainda estou a tentar percebê-las. Brinquei no instagram a dizer que uma delas é estrear cadernos novos (adoro), mas ainda tenho que estar mais atenta. 

Claro que amo a Irene, mas ela não é para aqui chamada ;). 

10.07.2018

Cuidado com as opiniões dos outros.


Se ligasse às opiniões dos outros – como já vi muita gente ligar, eu incluída a determinada altura – já me teria morto.

Não estou a tentar ser engraçada ou dramática, estou a contar-vos algo pelo qual já tive que passar para estar aqui onde estou. Houve uma altura na vida em que, se as opiniões dos outros determinassem o que é real, não valeria a pena estar viva.

Estamos programados para ver o que queremos ver. Sendo que o que queremos nem sempre é o que precisamos, mas sim o que temos em “nós”. Não somos o que fazemos. Não somos o que achamos que somos. Temos uma linha paralela à nossa existência, uma substância inalterável de riqueza e de luz que não é alterada pelos acontecimentos, pelas consequências.

Existe um espaço em nós que raramente algo ou alguém consegue chegar e que, mesmo dentro de um sítio muito pequeno, de um sítio violento, de um sítio morto, de tristeza, de desapontamento, essa luz continua cá dentro.  A luz que mesmo depois de uma perda monstruosa, nos dá força para continuarmos por cá, por exemplo.

Somos mais do que a ausência ou presença de likes, muito mais do que o número de pessoas que concorda connosco ou que discorda. Somos mais do que as opiniões que queremos ouvir ou que os sítios onde querem que estejamos. Somos água, não somos listas de tarefas. Não é o número que rege o que está certo ou errado. Não é a quantidade, é a qualidade. É a qualidade das pessoas e a sua relação connosco.

E a relação delas consigo.


Da mesma maneira que existe uma grande necessidade para o pintor de fazer um recuo relativamente às suas obras para ganhar perspectiva, também  nós deveríamos fazê-lo, embora hoje em dia seja ter cada vez mais difícil: o tempo parece que nos tira tempo e vamos com a corrente em vez de confiarmos que sabemos nadar contra ela - faz-me lembrar do poster que a personagem principal do Fargo tinha na lavandaria.


Claro que a nossa essência não consiste em estarmos constantemente a lutar contra (seja o que for). A nossa essência, o nosso propósito, quem somos verdadeiramente (despidos de status, de histórias que nos contaram sobre nós próprios e que continuamos a repetir para dentro, de roupas, de iPhones, de ausências ou de meias-presenças) não se poderá definir por uma postura relativa à maioria, mas sim uma postura relativa a nós mesmos.

Poderá parecer egoísmo para muitos. Poderá parecer imaturidade para outros. Arranjámos muitas maneiras de medir quantitativamente algo que é só impossível de medir: o amor. Não podemos julgar, pesar, equacionar o quanto alguém gosta de nós por ter estado connosco ali ou por ter saído ali. A vida acontece independentemente de nos sentirmos o centro da vida dos outros ou que merecemos estar no centro da vida dos outros.

A primeira pessoa que devemos aprender a amar é a nós mesmos. Sabendo saborear o que nos parece mais doce e amargo, desenvolvemos o nosso paladar. Todos os sabores fazem parte deste. Só doce é aborrecido. E do que seria a vida sem o pressuposto da existência dos contrários?

Cobramos. Julgamos. Acima de tudo a nós próprios. Sinto muito isso no pêlo no que toca à imagem corporal que tenho, ao conceito de sucesso profissional e à imagem que temos da “mãe” perfeita. Não somos quadrados, não temos que nos encaixar num conjunto de requisitos para sermos considerados aptos enquanto: mulheres, seres, trabalhadores, mães, filhas, amigas, namoradas, etc.

Da mesma maneira que o sexo poderá funcionar de forma criativa e livre quando duas pessoas se deixam de prender (ou se passam a prender, dependendo dos gostos), todos os outros conceitos que nos rodeiam também poderão ter essa fluidez e verdade. Uma verdade que é moldada às pessoas que fazem parte da relação e não o oposto.

Não temos de construir pessoas para que encaixarem nas nossas expectativas. Nem nós.

Claro que a vida não é um passeio de barco, de vela estendida consoante onde o vento nos leve. Claro que a vida não é só um passeio solitário onde nos guiamos apenas por aquilo que sentimos. A cabeça tem de ser um instrumento para sentirmos melhor e não para deixarmos de nos sentir. Ser algo não é estar em todo o lado ao mesmo tempo.

É estar onde o coração manda.

Ouvindo-o é ouvir-nos.

E quanto mais e melhor nos ouvirmos, mais cuidado temos com as opiniões dos "outros".

Sou cada vez mais feliz.

Hoje de manhã.







9.27.2018

Ela foi violada. E agora dizem-lhe que não foi violação.

"Não basta não haver consentimento para haver violação" disse a representante sindical de juízes. Isto relativamente àquele caso bizarro, que me deixou completamente mal disposta, em que dois homens, um barman e um porteiro de uma discoteca violaram uma mulher inconsciente na casa de banho da discoteca. Disseram a esta mulher, e continuam a dizer, que não houve violação. A esta mulher que teve a coragem de apresentar queixa, submeter-se a exames, que ficou com a vida lixada, dizem que foi apenas uma "mediana ilicitude" porque houve "sedução mútua" (ela seduziu os dois, foi isso?...). Houve também uma chamada telefónica de um deles a confirmar que ela estava toda "(...)  toda fodida (...)" e "(...) Não. Ela estava toda desmaiada no quarto de banho (...)." Mas o tribunal, os tribunais, acharam que não houve danoss físicos [ou são diminutos] nem violência".

Palmas. Palmas para tudo isto. Em que mundo vivemos para que se considere que estes "homens", tal com diz a relação, "estão perfeitamente integrados, profissional, familiar e socialmente". Há uma desculpabilização de criminosos que não faz nenhum sentido, que me revolta. Uma pena suspensa e pronto. QUem me diz que não o tinham feito antes? Quem me diz que não foi pensado e combinado? Quem me diz que não o voltarão a fazer? Que mensagem passamos às vítimas? Não vale a pena exporem-se e queixarem-se que vão ser humilhadas e o ónus da culpa vai ser muito vosso porque "estavam a pedi-las" e merdas assim. Há muito mais que dizer sobre esta notícia. Eu fico um bocado doente com isto, a sério. Eu tenho filhas mulheres e queria que este mundo fosse um lugar melhor para elas.


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O meu amigo Pedro Goulão, que vai lançar agora o primeiro livro (A Palmeira) -  que eu vou levar na lua de mel (não o Pedro, mas o livro) escreve muito bem e disse tudo. Passo a citá-lo:

"Sedução mútua", quando um dos sedutores está inconsciente.
"Violência reduzida", porque a vítima não está em condições de resistir.
A relação do Porto volta a envergonhar-nos enquanto comunidade. Os juízes capazes de lavrar uma sentença deste género, não só deviam ser liminarmente afastados, como co-responsabilizados pelos efeitos desta espécie de "justiça".
Isto não é só ser mau no seu trabalho. Isto é deixar que os piores dos preconceitos sobre as mulheres sejam o padrão c...om que é avaliada a violência sexual e não só sobre elas. O exercício de distorcer para encontrar atenuantes e branquear para não ver agravantes por forma a evitar uma prisão efectiva é simplesmente obsceno.
Se levar uma mulher inconsciente para uma casa de banho e violá-la é de mediana ilicitude então que caralho é uma elevada ilicitude?
É assim tão extraordinária a expectativa de uma mulher poder sair à noite sem se arriscar a que alguém a arraste para uma casa de banho inconsciente e a viole e depois se safe?
É preciso que se introduza na lei penas efectivas mandatórias para acabar com este abuso de discricionaridade?
Esta pena suspensa é um apelo à barbárie. Um dog whistle a todos os que acreditam que os outros e em esmagadora maioria as mulheres, são nada mais do que subhumanos, cuja vontade é irrelevante.
Esta pena com a assunção que não é traumático o suficiente esta mulher saber o que lhe aconteceu demonstra uma inumanidade, uma incapacidade de empatia que roça, se não ultrapassa, os limiares da psicopatia.
Se é difícil imaginar o que esta mulher passou, passa e passará, o medo de voltar a confiar, de sair, de beber um copo, a realização de que, para a justiça ela não vale nada comparado com quem lhe fez mal, não é difícil perceber que isto é grave, terrível, inumano.
Que isto tenha passado não um, mas dois degraus da justiça portuguesa, com este resultado é um vómito.
Que quem seja capaz de fazer isto a uma mulher não se arrependa de o fazer chama-se psicopatia.
Quem deixa que isto saia impune é outra coisa. Pior.
E mais grave, é um padrão. São demasiadas decisões más, que violentam novamente a vítima. Tomadas por homens e mulheres. Nos vários escalões da justiça, em patamares de recurso, criando jurisprudência.
Com a cumplicidade ou indiferença dos seus pares.
Para que raio serve o Conselho Superior da Magistratura?
É assim que são formados os nossos Juízes?
Vergonha. Vergonha. Vergonha."

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"Não basta ter uma toga para se ser juíz.
Não basta ter uma toga para se ser juiz em causa do presidente do sindicato dos juízes.
Não basta ter uma toga para nos portarmos como pessoas.
Não basta ter uma toga para ter empatia.
Não basta ter uma toga para virar o mundo do avesso e tornar a vítima, por ser forte e ter feito tudo aquilo que lhe era humanamente possível para obter justiça dos tribunais, menos relevante que os seus algozes....
Não basta ter toga para nos convencer que dois homens que põem uma mulher inconsciente, a levam para uma casa de banho e a VIOLAM, PODEM SER CONSIDERADOS BEM INTEGRADOS NA SOCIEDADE.
Porque senão a sociedade está um bocadinho fodida além da conta. Assim, não é bem uma sociedade, é um drama pós-apocalíptico.
Não basta ter uma toga para poder, com uma decisão esdrúxula, abrir as portas à justiça popular e não esperar críticas ou desencadear tragédias.
Não basta ter uma toga, para insultar todas as vítimas de violência e abusos sexuais e não esperar a nossa reacção.
Não basta ter uma toga, para com uma decisão destas assustar vítimas, as que já o foram e ainda hesitam em se queixar e as que hão de vir, como as estatísticas tragicamente demonstram, e pensar que nós, enquanto sociedade vamos deixar passar isso em claro.
Não basta ter uma toga para que se possa estancar princípios de decência básica e progresso. De que todos temos direito inalienáveis. um deles a liberdade de escolha. O direito a sentirmo-nos seguros, por sabermos que ser um predador, ou dois, não é premiado. Que ser uma vítima, não diminui essa vítima aos olos da lei e da sociedade.
Que a culpa é de quem comete o crime e não de quem não se podia defender.
Parem com esta merda do ela estava a pedi-las. Não estava, senão não estávamos em tribunal e todos eram felizes.
Nenhum mal entendido termina com dois tipos a violarem uma mulher numa casa de banho.
Quem está inconsciente, não pede, não seduz e não resiste. Está inconsciente.
Não basta ter uma toga para se ser juiz.
Mas consegue-se perfeitamente ser-se um merdas numa."
Pedro Goulão

Obrigada, Pedro, por expressares tão bem o que sinto.



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9.25.2018

Eu não sabia que ia ser assim.

Não tenho grandes dramas na minha vida. Mesmo os que o possam ter sido, ultrapassei-os com rapidez. Tenho alguns fantasmas, mas quase nunca deixo que me assombrem. Sou uma pessoa feliz. Não sempre. Acho que isso não existe. Às vezes sinto-me uma mimada por exigir mais da vida, dos outros e por ir recuperando alguns sonhos, tendo novos. Já aqui o disse, aos 32 anos ainda não sei bem o que sou, o que quero ser nem o que serei. Acho que nunca o soube. Estou, no entanto, muito bem profissionalmente, sinto-me acarinhada e a desafiar-me (estou num trabalho totalmente novo, sou conselheira de comunicação de algumas marcas e nunca tinha experimentado nada parecido: sempre trabalhei em televisão. Sempre. E afinal também consigo fazer outras coisas).

Eu não sabia que ia ser assim. Não sabia que teria duas filhas e só depois me casaria. Não sabia que passaria por bastantes trabalhos, conheceria tantas pessoas, ficaria em casa quase dois anos, que faria biscates e locuções, que me convidariam para entrevistas ou para falar sobre educação em conferências ou sobre amamentação, que teria um blogue e que seria mais ou menos conhecida, que teria gente a acompanhar o que vou dizendo, a contrariar ou a apoiar as minhas opiniões e convicções e que ajudaria algumas pessoas em algumas situações da vida. Que ajudaria algumas marcas a venderem os seus produtos ou que iria escrever por prazer sobre a minha vida, sobre o que vejo e o que sinto.

Não fazia ideia. A vida foi-me trazendo até aqui. E sabem que mais? Estou a gostar. Estou a gostar de ser várias coisas ao mesmo tempo, estou a gostar de conciliar a minha vida profissional com a minha vida de mãe. E se há dias em que sinto que não chego a todo o lado, há outros em que confirmo que estou a fazer algumas coisas bem feitas. Já me chateei comigo por não ser apenas uma e uma coisa, por nunca saber bem o que me faz mais feliz, mas agora vejo que não tem de ser taxativo. Que posso ser muitas coisas e experimentar outras tantas: não estão bem a ver a minha felicidade em estar num ensaio com a banda da minha empresa e cantar, coisa que não fazia há que séculos. É bom ter muitos amores, muitas paixões. 

Se também são assim meio artistas de circo, se gostam de variedades e sentem que não encaixam a 100% numa só coisa, que estão algumas vezes insatisfeitas e precisam de hobbies, então sintam-se compreendidas. Eu sou assim. Não gosto só do amarelo.

Eu não sabia que ia ser assim. Mas eu sou assim. E ainda bem.

Fotografia Yellow Savages

Fotografia Yellow Savages

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9.17.2018

Parvoíce ou vocês também sonham com estas coisas?

Estava a estender a roupa (coisa que fiz muito este fim-de-semana e que, apesar de não adorar, me faz reflectir) e comecei a ouvir crianças a saltarem para a piscina e a nadarem. Há um condomínio em frente ao meu prédio com piscina. As minhas filhas estavam na sala a brincar e a esbofetearem-se (alternam muito entre uma coisa e outra). Era domingo e estava calor. E eu comecei a deixar-me invadir por pensamentos menos bons. A chatear-me por termos estado a manhã toda em casa, de volta da louça, da roupa, do almoço, das arrumações. De vez em quando fico com peso na consciência e sinto-me um bocado culpada, a achar que me organizo mal e que o fim-de-semana deveria ser só para elas. “Se morássemos ali, já estava feito. Descia até à piscina, uns mergulhos, umas brincadeiras com os vizinhos e já não me iria sentir assim”. Lamentei vivermos num segundo andar sem elevadores e sem garagem (já apanhei multa de estacionamento e tudo à custa disso). Perguntei-me se algum dia lhes poderia dar isso. Imaginei-nos numa casa com jardim a receber os nossos amigos numa almoçarada. E parei por ali. Que parvoíce. Comecei a fazer o exercício contrário. A pensar nas coisas boas das nossas vidas. A não me julgar pelas minhas escolhas. A não exigir mais das nossas histórias. Lembrei-me do quanto os meus pais suaram, do que cresceram, dos desafios a que se propuseram. Da equipa fantástica que fizeram para que o meu pai tirasse o curso superior já com filhos. E orgulhei-me. Orgulhar-me-ia de qualquer forma só pelo amor com que sempre nos educaram, mas o facto de terem conseguido contrariar o expectável e terem ultrapassado o inexpugnável fez-me perceber a fibra de que eram feitos. E o facto de nos terem falhado com nada do que é importante, comida, amor e atenção, de se terem desdobrado para me levarem até Lisboa para os meus ensaios nos Onda Choc para cumprir um sonho (mal eu sabia que contavam todos os escudos nessa altura...), de nos terem dado uma infância muito feliz... é impagável.

E agora estava ali entre uma mola e outra, a sonhar com uma casa com piscina ou com um quintal onde pudessem correr. Não há mal nenhum nisso, mas, sei-o bem, é muito improvável que aconteça. Sou ambiciosa mas não a esse ponto sequer e acho que não vale tudo para que o conseguíssemos. Prefiro manter os pés bem assentes na terra, não me endividar do que procurar a felicidade em coisas que não sei se nos trariam isso ou só preocupações. Não sei como estão os pais daqueles miúdos que ouvi rir na piscina. Não lhes conheço as histórias, os medos, nem sei sequer se estão felizes.

Por isso, o exercício que (me) proponho é este: ver o copo meio cheio no que somos, alcançámos e não nos cobrarmos mais nem nos sentirmos infelizes pelas nossas circunstâncias. Quando temos o mais importante: saúde, amor, uma família unida e sonhos simples, tem tudo para dar certo. 

Com o que sonham vocês?

No jardim ao pé da nossa casa <3

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9.05.2018

Será errado comparar a minha filha a um cão?

A minha melhor amiga tem uma cadela já há algum tempo. A cadela tinha sido atacada pelos irmãos por ser a mais fraca da ninhada... estava muito nervosa mas a Susana ficou com ela. Não a conhecia de lado algum, foi alguém que sugeriu e ela aceitou a Lua. 

A Lua dava cabo da cabeça da Susana. Extremamente ansiosa e, por isso, maluca na rua. Ficava louca e ladrava muito quando via outros cães na rua, sempre demasiado entusiasmada com tudo e nada obediente. 

A Susana ficou esgotada de tentar ir contra ela. Primeiro ainda tentou a "autoridade". "Ela deve fazer isto por não me respeitar, tenho de me dar ao respeito". Nem por isso resultou. Apenas esgotou mais as duas.

Depois, reparou, que quando ela estava mais calma, a cadela também estava. Que, quanto mais tranquila e grata estava por ter a Lua consigo, mais tranquila ficava a Lua. 

Deixou de fazer de todos os assuntos uma procura de repeito da Lua por si e ponderar bem o que deve ser imposto, ensinado e exigido, balançando com momentos de afecto, de convívio e de amizade. A Susana passou a respeitar a história da Lua e a Lua começou a poder ver a verdadeira dona. 

Agora conhecem-se e são amigas. Nunca foram as duas tão felizes. 

Lembro-me muito da história da Susana e comparo-a comigo e com a Irene. Reparo que quando estou mais centrada e presente a Irene fica irreconhecível. Fica calma, doce e procura-me para ter e dar miminhos. A diferença é enooooooorme. Desde a enroscar-se em mim quado lhe conto histórias quando a vou adormecer. "Normalmente" - quando estou nervosa ou desalinhada - somos apenas verbais e reactivas. Parecemos duas linhas em paralelo quando não está tudo ok comigo. 

Tenho conseguido cada vez mais que sejamos crochet. Estamos entrelaçadas. Fisicamente até. Cada vez mais próximas. A recompensa de estar presente e calma é tão grande que a motivação para não dar corda a determinados pensamentos ou comportamentos é cada vez mais forte. 


Ela é o meu espelho e ainda parece que não tem tudo muito vincado nela. Ainda vou a tempo. Não que esteja a dizer que tudo o que fiz enquanto estava em modo automatico não estava certo, mas ainda vou a tempo de mostrar à minha filha que a mãe é mais do que "vá, Irene, temos que ir" e "agora não posso" e "já te disse umas três vezes". 

Eu sou tão fixe e ela também. Seria uma pena que depois chegasse à idade adulta sem conhecer a mãe e eu sentindo que nunca estive completamente ligada a ela. Quero conhecê-la e para isso tem que haver tempo. Custe o que custar. 

Até para conseguir chegar cada vez mais a ela quando ela precisar de mim. Quero criar confiança entre as duas, ir o mais profundo que conseguir. Quero ensiná-la o que é amor - sendo que eu ainda estou a perceber como se ama e se é amada também. 

Quero que, quando eu disser "a Mãe está aqui" ela saiba o que quer dizer para que, um dia, quando disser aos filhos, saiba dizê-lo com o corpo todo. 

A Mãe está a aprender a estar aqui.