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2.22.2015

Afinal havia outra (#09) - Martim

O teu primeiro toque em mim, embora leve e tímido, representou o maior dos terramotos, o mais impactante e estrondoso tsunami. Foi um toque de vida, de dar vida e receber ainda mais de volta. Ninguém está completamente preparado para a responsabilidade de, apenas para todo o sempre, ter a preocupação com lugar cativo no coração, ter o sono mais leve que um balão e, lançar a sua imagem para segundo plano, em todas as decisões, em tudo o que respeita a este mundo.

Nada continua igual e ainda bem, ser mãe é difícil  mas é o difícil mais feliz. O teu toque é, não digo mágico, porque isso é demasiado esotérico e tu és tão real. O teu toque tem uma base de bondade e um efeito reparador em todos os meus poros. Por ti e graças a ti a minha existência é mais atenta, mais generosa, mais ambiciosa e lutadora.

Não consigo prever o futuro como cobiço, e nisto de ser mãe o futuro pode trazer angústia, medo do desconhecido e a vontade avassaladora de te proteger. Nos meus sonhos entoamos sempre em uníssono, a simbiose perfeita como já fomos outrora. Tu cresces a olhos vistos e o teu toque será cada vez menos frequente, sou egoísta em sofrer com a tua liberdade.

A ideia de saber que um dia não serás somente meu, que não estarei a amparar as tuas quedas, que não partilharemos o mesmo ar e o que o papel principal irá fugir-me entre os dedos é tenebrosa. Dou-te tudo de mim e isso implica perder parte de mim, essa estará sempre contigo, nos caminhos que percorreres, nas decisões que tomares, nos valores que escolheres e nas conquistas que alcançares. Não me percas pois eu, no nosso ninho, permanecerei até ao último suspiro.

Lénia Freitas
mãe do Martim

2.16.2015

Afinal havia outra (#08) - Viver no campo ou o elogio das coisas simples

Lá fora, nos dias quentes cheira a flores e a alfazema; nos frios, a terra molhada. E a chaminé dos vizinhos não cheira a fumo, mas a pão quente. Cá dentro, as tábuas de madeira rangem como quem se queixa da idade e o teto não é baixo, mas aconchegante. 


A primeira vez que a Maria Rita entrou na nossa casa ainda morava na minha barriga. Com uma noção espetacular de timming, achámos que bom bom era fazer a mudança com uma recém-nascida nos braços. No dia em que ela nasceu, o pai trouxe os avós e os tios a conhecerem a casa e eu, que sou dada a atribuir significados especiais às coisas, achei que isso ia dar sorte – vá-se lá saber porquê!  
Tinha apenas uma semana de vida quando a trouxemos cá. Lembro-me de olhar para ela, toda enroscadinha no sling, enquanto esperava que nos abrissem a porta, e de não saber se aquela sensação quentinha vinha do corpo dela colado ao meu, ou do coração, que transbordava de coisas boas.
Quando me perguntam sobre como é viver numa aldeia normalmente digo só que adoro, porque na verdade apetecia-me fazer poesia – soubesse eu fazer poesia! – sobre isso. Eu gosto de tudo. Tudo. E para mim os defeitos nas ombreiras das portas ou nas esquinas da parede não são imperfeições, são traços de personalidade. 

A nossa casa não tem número, tem nome. E eu acho que isso lhe dá mais alma – mesmo que se chame “Casa da Mó” e mó nem vê-la! Na verdade, na parede lê-se “Cãsã dã Mó”, mas isso é porque os outros donos tiveram preguiça de esperar pelos azulejos dos “A” normais e compraram com til…
Aqui, aprendi que a felicidade não é algo abstrato que paira no ar ou que habita os nossos desejos. Ela está nas coisas mais simples, em momentos específicos do dia-a-dia. Quando as minhas filhas correm caminho fora até casa dos vizinhos sinto uma felicidade imensa por toda esta liberdade, por terem espaço para crescer... com espaço. Por saber que toda a gente aqui lhes quer bem. A Avó ‘Melita, o Ti’ Toino, a Ti’ Margarida. Todos. Uma família que nos foi dada como um prémio na raspadinha: não fizemos nada, tivemos só sorte – muita sorte - e eles estão aqui para nós.
Ou até quando o portão da vizinha fica aberto para podermos ir até lá com as miúdas, porque elas adoram apanhar laranjas e limões e espreitar as galinhas. É como se tudo fosse um bocadinho nosso. As próprias hortas acabam por ser também um bocadinho nossas, porque os legumes e as frutas vão aparecendo à nossa porta, consoante o que a terra dá. E nós também deixamos o portão aberto, para um café, para uma conversa, para verem as miúdas e saberem que estão melhores da constipação.   


E é tudo bonito e perfeito? “Mães que sabem”, esta que vos escreve nasceu e cresceu em Lisboa e contava os dias para ir de férias para a “terra”, para fugir da cidade. E se há sonhos que estão tão longe de se tornar realidade, porque é que não agarramos com as duas mãos aqueles que só dependem de nós? A nossa casa custou o mesmo que um T2 nos arredores de Lisboa. Depois, claro, há as portagens, a gasolina e o saber que não levo menos de 35 minutos a chegar a casa. Mas para mim, compensa cada minuto e cada cêntimo. Porque no final do dia regresso a casa, ao sítio onde somos mais família, ao sonho que um dia tivemos, ao chão que range e ao teto que aconchega.

Catarina Raminhos, mãe da Maria Rita e da Maria Inês

2.14.2015

Afinal havia outra (#07) - A descoberta

Descobri recentemente que a minha pancinha, proprietária de um carismático pneuzinho desde tenra idade, é lar de um bebé. Estou grávida de 9 semanas! Descobrir foi um episódio engraçado. Eu e o meu marido tínhamos estado 2 semanas em Portugal para o Natal. Ah. Moro em Zurique, esqueci-me de dizer. Um mês antes, pensámos: olha, a partir de agora, quando calhar, calhou? Certo. Teca teca porque assim não nos pressionamos, teca teca porque o destino tem as suas manhas, teca teca porque podemos esquecer-nos de ver se o momento é mais, menos, extremamente, super fértil ou não. E não é que calhou logo? Não tive aquele tempo de espera e de preparação, de pensar ai será que é agora? Será que ainda não é? Quando dei por mim, estava a ver a minha app para o ciclo menstrual e a pensar "um dia de atraso não é nada, toda a gente sabe que o Natal dá nervos nas pessoas e uma pessoa come sempre bastante". Dois dias, três... "oh, isto quanto mais o tempo passa, mais me enervo à espera, por isso é que nada acontece". Comprei um teste. A senhora da caixa olhou para a minha mão à procura da aliança e como a encontrou, sorriu. O que foi estúpido, mas o alemão também soa a estúpido e tenho que viver com isso. Fiz o teste. Apareceu um tracinho. Eu fiquei sem reacção, a pensar como é que o tracinho tinha lá ido parar, para além do facto de o ter afogado num copinho de xixi (sou fina e sem pontaria, ok?). Sorri muito a senti-me idiota. Sorria porque se deve sorrir, e eu sorria, à espera de sentir assim algo mais avassalador. Resolvi que não ia só dizer ao meu marido. Fiz um cartãozinho, aliás dois. Um a dizer "mamã" e outro a dizer "papá". Ele chegou com o carrinho das compras (nesta terra é fashion e prático usar carrinho, não é preciso ter-se mais do que 65 anos) e eu estava sentada na cama. Ele vem ter comigo e entrego-lhe o cartão. Ele abre-o, lê, e diz Ahhhhhh até perder ligeiramente o fôlego. Eu mostro-lhe o meu. E ele riu-se, mas ele ri-se sempre que fica nervoso. E eu desato a chorar e a primeira coisa que lhe digo é "eu estraguei-te a vida, perdoa-me!!!!". Não sei o que me deu, pronto, mas era só nisso em que pensava. Era a minha forma de lhe dizer o quão gosto dele e da ideia de irmos ter um filho. Felizmente ele fala o meu hormonal-language bastante fluente e entendeu. Ficámos imensamente parvinhos. E eu no dia seguinte fui 10 dias para fora em trabalho. 10 dias de reuniões. 10 dias em que estava sem ele, apenas eu e os meus pensamentos, e muito trabalho. Não sabia como digerir isto tudo. Não ia acrescentar um slide extra nas minhas apresentações a dizer "ahh já agora podemos debater isto?...". Passei o tempo todo a tentar descobrir como me sentia. Fisicamente sentia-me igual. Ou seja, não sentia nada. E isso perturbava-me e sentia-me anormal. Sempre achei que se sentia uma epifania cá dentro. Mas não só não sentia nada, como havia bastantes momentos em que me esquecia. Esquecia-me! Quando me voltava a lembrar sentia-me muito culpada. "Se não sou capaz de me lembrar que estou grávida, como é que um dia vou ser mãe de alguém? Se calhar não tenho instinto, o meu avariou-se. Se calhar o meu bebé não vai gostar de mim nunca porque já sabe que eu me esqueci que existia". Fui, voltei. O corpo foi compreensivo e resolveu enviar-me sinais. Pega lá umas mamocas doridas. Pega lá enjoos. Afinal parece que já sinto qualquer coisinha.

Joana Mesquita

2.06.2015

Afinal havia outra (#06) - Impôr limites a um bebé. WTF?

A minha filha tem 17 meses, quase 18. Em linguagem de pessoa normal tem um ano e meio mas nós, mães, falamos assim em meses embora tenhamos jurado nunca o fazer. Também prometemos não falar em semanas quando nos referíssemos à gravidez mas até hoje ninguém cumpriu e peço desculpa por isso. Em minha defesa alego a dificuldade em fazer contas aliada ao facto de os médicos falarem sempre  em semanas. Transformar aquilo em meses, para mim, é como fazer uma equação: impossível. E não é a equação que é impossível, eu é que não consigo resolver equações. Ou contas de dividir com mais de um dígito. Também não sei a tabuada.

Agora perdi-me e já não sei o que ia escrever. Dêem-me um bocadinho.

Lembrei-me. A minha filha tem quase 18 meses e diz “pápá” que significa simultaneamente papá e papa; “mamã” que quer dizer mamã, bolacha, não quero dormir, tenho fome, iogurte, tenho sono; cão, que quer dizer cão, e é isso. Ora esta minha filha, disse a educadora, precisa de limites. Parece que sai da cama, a malandra, para não dormir a sesta, e não dá muitos ouvidos à malta. Acrescentaram que nesta idade eles são “muito virados para eles próprios” e eu pergunto quando é que um ser humano não é “muito virado para ele próprio”. Não sei exactamente que tipo de limites é que se podem impor a uma miúda que se farta de falar numa língua misteriosa que não consigo decifrar. Ela bem tenta, mas nada. Quem me garante que ela não explica à educadora o que pretende? A miúda diz frases completas e até as repete tin-tin por tin-tin. Ou será tim-tim por tim-tim?

A verdade é que ela em casa faz o que eu mando, de uma forma ou de outra, sem grandes dramas, apenas algumas teimosias normais, por isso não sei bem o que responder à educadora além de um tímido “desenrasque-se”. Eu não estudei educação infantil por isso vou agindo por instinto. Mas não me venham dizer que a miúda precisa de limites a menos que vão dar com ela fechada na casa de banho com o Lucas ou com a faca da manteiga escondida no urso de peluche. Se for por menos que isso, não me macem.

Parece-me que esperamos constantemente que os filhos se comportem de forma irreal. Esperamos que eles partilhem os brinquedos alegremente com crianças que não conhecem de lado nenhum e que não se zanguem se algum puto lhes roubar a bolacha. Se um estranho me pedisse o carro emprestado mandava-o pastar e se me tirasse o pastel de nata da mão  dava-lhe um sopapo. Esta pressão social da partilha é absurda. Querem-se crianças obedientes que nunca questionem ordens, mas que depois se tornem adultos independentes, fortes e decididos, quando os miúdos deitam coisas para o chão a olhar directamente para os olhos dos pais é porque estão a testar a paciência, são uns teimosos, torcidos, são “assim” (faz-se um ganchinho com o dedo indicador).  E eu penso: mas está tudo maluco? As crianças são pessoas. Pequeninas, com dificuldade de locomoção e expressão, mas pessoas. Porque raio hão de gostar ou aceitar merdas que ninguém no seu perfeito juízo aceita? Para não envergonhar os pais no parque infantil? #deixemascriançasempazevãomasébeberumcopoqueissopassa


Leididi

2.03.2015

Afinal havia outra (#05) - Vida em nós

Sete meses depois de perder a minha Mãe descobri que estava grávida. Engravidei em Maio de 2013, na semana do Dia da Mãe, o primeiro que vivi sem a minha. Curiosamente, um dos últimos pedidos que a minha Mãe me fez foi que lhe desse um neto. Um pedido feito na cama do Hospital, rodeada de fotografias e de objetos desnecessários aos olhos dos outros, mas que a aproximavam de casa. Lembrou-me que a vida passa depressa, que os sonhos não devem ser adiados. Nesse dia, pensei de forma ainda mais séria sobre o assunto: ser Mãe. Eu que estava cheia de medo de perder a minha, que enfrentava a desilusão de perceber que os pais não vivem para sempre - o que não é o mesmo que dizer que “não são eternos”. Porque os pais são eternos. As Mães são feitas de uma massa tal, que conseguem estar presentes na beleza de uma flor, nos pingos da chuva que nos fazem cócegas no rosto, no bolo acabado de fazer, no som do mar que nos embala a alma. Não é à toa que no final da gravidez a nossa barriga se assemelha a uma lua cheia. Lua, o único satélite natural da Terra cuja superfície se mantém intacta há milhões de anos, tal como o amor de Mãe, que é feito de matéria imaculada e inalterável, da matéria que são feitos os sonhos e o amor incondicional, amor que nunca morre, que com o tempo só cresce e permanece.



Estas palavras que escrevo não são sobre a perda, mas sim sobre a vida. Ou melhor, sobre o prolongamento da vida garantido no momento do nascimento dos nossos filhos.

A minha filha Clara nasceu no dia 7 de Fevereiro de 2014 e desde esse dia passei a viver com metade do coração fora do peito, porque é também dela este músculo que há um ano pulsa dentro de mim de forma surpreendente e inesperada. A Clara é muito mais do que imaginei. É plena de luz, de uma serenidade que contrasta com a sua curiosidade, tem uma alegria contagiante e um entendimento fora de série. E apesar de (quase) todos dizerem que é a cara do Pai, tem o meu sorriso e um olhar expressivo como eu. Pelos olhos dela vejo o Mundo pela primeira vez.

Quanto à Avô Juca, não tenho dúvidas da cumplicidade que tem com a neta, construída não neste plano físico, mas num outro qualquer que as palavras não explicam. E sei que a visita em sonhos, desde o dia em que nasceu, e que é por isso que a Clara sorri tanto enquanto dorme. Imagino-as a percorrerem campos povoados de girassóis, com os cabelos ao vento, a encostarem búzios ao ouvido para escutarem o som do mar, a abrirem todas as janelas de casa para deixar o sol entrar, dia após dia.
As Mães jamais se perdem, porque as Mães são ternas e eternas, porque cada filho que nasce acrescenta vida à (nossa) vida. 
 
Palavra de Mãe (da Clara).

Sandra Torres
mãe da Clara, de 11 meses (quase 12)

2.02.2015

Afinal havia outra (#04) - "Mãe, viste o monstro azul?"

Mortinha de saudades do pai que estava longe há duas semanas – e com apenas dois anos e meio - a Maria Rita voltou-se para mim e disse: “Ó mãe, se as nuvens fossem minhas amigas sopravam sopravam sopravam e o avião do pai chegava cá mais depressa!”



Uma pessoa passa os nove meses da gravidez a falar com eles, a cantar para eles – pobres coitados! - a partilhar tudo com eles. Mal nascem, queremos contar-lhes as histórias que nos contaram em crianças e dizer-lhes tudo. Tudo! E depois eles começam a falar e nós perdemos o pio.

Quando as nuvens sopraram sopraram sopraram e o tal avião do pai chegou, houve uma tarde em que ela pediu uma bolacha de chocolate. Estávamos na cozinha e o pai disse-lhe que se quisesse podia comer uma bolacha maria – “das outras não”. Ela olhou para mim, olhou para ele, voltou a olhar para mim e disse, apontando para o pai: “Quando é que ele volta para o Brasil?”

Com quatro anos, as “saídas” dela continuam a ser espontaneamente engraçadas, mas estão cada vez mais salpicadas de curiosidade. Há umas semanas, estávamos a passear e ela perguntou-nos o que é que era aquela casa junto ao mar, que parecia um castelo. O pai disse-lhe: “Aquele era o castelo do Príncipe do Mar!”. “Então e porque é que já não é?”, perguntou ela logo de seguida. “Filha… já não é porque ele já não vive lá”. Dois segundos de silêncio: "Porque já não vive lá ou porque isto é só uma história inventada?".

A dúvida fica no ar, para dar trabalho à imaginação – à dela, desassossegada por natureza, e à nossa também. Como daquela vez em que entrei na sala e ela perguntou se eu tinha visto o monstro azul. “Monstro azul, monstro azul… mas que raio?!” Eu juro que pensei em bonecos, livros, puzzles e até roupa com estampagens de um monstro azul, mas nada. Na minha cabeça, só princesas da Disney. “Monstro azul, filha? Não sei do que é que estás a falar…” “Ah, esquece mãe, claro que não viste porque assim que tu entraste ele escondeu-se debaixo do sofá!”

A imaginação das crianças não conhece limites. Inventam jogos, canções, palavras, tudo e mais alguma coisa. Tanta coisa que eu dou por mim a invejar o “disco rígido” delas. Dava-me jeito na altura de responder a saídas do género “estava aqui a imaginar que amanhã não tinha escola e estava a ser tão bom!”. Não estamos preparados para isto e muito menos para conversas sobre namorados:

Eu: então, o teu namorado ainda é o Vasco?

Ela: sim, ele não mudou de nome...

Eu: pois, eu sei, mas podia ser outro, tipo o Rodrigo ou o Martim...

Ela: achas mãe?! O Rodrigo e o Martim portam-se mal e não comem o almoço todo!

Eu: e o Vasco porta-se bem é?

Ela: também não, mas é o mais bonito...


Catarina Raminhos
mãe da Maria Rita, de 4 anos, e da Maria Inês, de 2 anos

1.26.2015

Afinal havia outra (#03) - Para as Marias, com humor

Quando, às 14 semanas de gravidez, o médico anunciou que vinha aí uma menina, o pai ficou desapontado. Para ele, só podia ser menino – o menino que ia levar todos os domingos desta vida ao estádio da Luz. Mas não, era menina. E então substituiu o trauma por uma teoria interessantíssima acerca de um ser com apenas 14 semanas de gestação: “E se ela fizesse stand-up? E se ela fosse mesmo boa a fazer stand-up? Era do caraças!” – sendo que o pai delas nunca diz caraças, diz a outra palavra…
Nessa altura, eu estava preocupada com outras coisas. Era a primeira filha e o meu espírito estava constantemente a ser assaltado por dúvidas avulso: Será que estou a comer o que é suposto para ela crescer bem? Será que vai ser saudável? Vai nascer de parto natural ou cesariana? Pensava também, e desculpem-me a futilidade, se iria ser bonita. Não sei porquê, mas tinha medo que a miúda viesse feia. E se calhar veio, mas para mim - que sou mãe dela - é gira que se farta!
Mas para o pai o importante era ter sentido de humor. E - vá-se lá saber se ele fez alguma promessa à Nossa Senhora das Piadas ou o raio – a miúda tem mesmo sentido de humor. É uma característica dela, muito vincada e que ela vai aperfeiçoando da mesma forma que aperfeiçoa a forma de desenhar ou de falar – agora anda feliz porque já diz “prato” em vez de “pato”. Na verdade diz “perato”, mas ninguém tem coragem de corrigir.
E a mais nova não é diferente. É muito trapalhona a falar mas é muito expressiva, muito física e gozona – portanto, esta coisa do humor só pode estar em grande no código genético delas.
A relação do pai com elas também inclui as rotinas dos banhos, das refeições, do deitar e do “ralhar”, quando é preciso – não há cá polícia bom e polícia mau! Mas é, sobretudo, uma relação de brincadeira e de conversas parvas. Tenho não um, mas três palhacinhos em casa – e não duas, mas três crianças. Às vezes isto é uma canseira desgraçada, mas a maior parte do tempo é muito fixe e divertido.
Um dia ele lembrou-se de gravar uma dessas brincadeiras e assim nasceu o primeiro vídeo das Marias, este:

Seguiram-se outros e em todos vemos o pai a provocá-las, a Maria Rita a reagir e a Maria Inês a borrifar-se para tudo – tal como na “vida real”.
 



O pai diz na brincadeira que os vídeos vão servir para as envergonhar perante os namorados. E diz a sério que os faz para que elas possam lembrar-se dele, da infância e das brincadeiras deles. E isto derrete-me o coração.
São criticados por uns e elogiados com carinho por outros. Aliás, foi assim que percebemos que têm mais de bom do que de mau. Há pais que repetem estas brincadeiras com os filhos em casa e depois contam-nos como correu. Outros dizem que elas mais tarde vão vingar-se – como a médica que, na sexta-feira, viu a Maria Inês na urgência e esperou pelo fim da consulta para dizer “Então, Maria, as tuas melhoras e vê lá se começas a engendrar um plano com a mana para tramar o papá!”
Para mim, são pequenos quadradinhos de BD que ilustram a vida cá por casa – lugar onde tentamos, todos os dias, não levar a vida demasiado a sério.
 Catarina Raminhos, mãe da Maria Rita e da Maria Inês


1.23.2015

Afinal havia outra (#02) - Violetta, Violetta



É em dias como hoje - em que milhares de pais em procissão se encaminham para o Meo Arena, atrás de um bando de filhas histéricas e de bandeiras da Violetta em riste - que agradeço ter sido mãe apenas há 17 meses e uns dias. A minha filha não diz pão, quanto mais Violetta e por enquanto gosta de rock e música alternativa. De vez em quando brindamo-la com alguma pop azeiteira (mas em bom). O máximo que autorizamos lá em casa é a música do genérico final da Casa do Mickey Mouse, a “Olha a Bola Manel” e “o Balão do João” – duas canções bastante tristes onde os protagonistas acabam a chorar mas que a minha filha parece apreciar de sobremaneira – e a canção do Ruca. De resto, a criança ainda não tem querer e estas músicas só são accionadas em loop em casos urgentes de birra eminente. Para dançar, Twin Shadow e D’Alva são os preferidos mas na verdade basta cantar “lá lá lá” para ela começar a abanar o esqueleto de forma bastante desengonçada e hilariante. A minha filha tem o ritmo no corpo mas não é um ritmo oriundo da américa latina. Quando for suficientemente grande para escolher, Violetta já estará transformada numa Miley Cyrus ou Britney Spears demasiado bêbeda para encantar criancinhas. Assim o espero até porque, como disse Ricardo Araújo Pereira na sua Mixórdia de Temáticas dedicada ao tema, “o problema não é serem cantorias, é serem cantorias em espanhol”. Eu pensei que o flagelo de “Carrossel” e “Chiquititas” tivesse servido para aprendermos alguma coisa mas aparentemente não. E não, o facto de Violetta ser da Disney não altera a triste realidade de terem filhas viciadas numa telenovela. Volta Gabriela, que pelo menos não cantas e és mais crescida. E boa.
Burros que somos não aprendemos nem com as novelas venezuelanas nem com o Avô Cantigas. Xana Toc Toc, miúda, estou a falar contigo. Mais esquisito do que um velho que nem é velho (estou a falar de quando eu era miúda) e que veste jardineiras, é uma quarentona com braços de ginásio e bronze de solário que gosta de se vestir de boneca e dar-se com crianças. É até ligeiramente perturbador. Vejo pais de pele pálida e ar miserável a falar na televisão nos concertos dos Caricas e da Toc Toc, com os filhos aos pulos o tempo todo, a confessarem que o rádio do carro já não lhes pertence e que todas as viagens eram feitas ao som das canções dos filhos.
Pais que sofrem tenho uma cena para vos dizer: os grupos infanto juvenis não são uma invenção deste século. Em 1980 e picos havia uns grupos musicais chamados Ministars e Onda Choc que enchiam salas de concertos e apareciam todos os fins de semana na televisão. Lembram-se? Eu, como vocês, hoje pais da minha geração, adorava-os, queria ser como eles e comprar roupa nos Porfírios e na Cenoura (dois opostos). Mas não deu, azar. A roupa era cara para caraças e os meus pais não foram em cantigas, literalmente. Também nunca me passou pela cabeça obrigá-los a ouvir os Onda Choc, fosse no carro ou em casa. Com os meus pais no carro ouviam-se os Beatles e os Supertramp e o Eric Clapton e o Elton John. No carro da minha avó aprendi a letra de “Eu tenho dois amores” porque se ouviam as cassetes da minha avó e não as minhas. E se o Marco Paulo não é razão suficiente para os pais recuperarem o controle dos rádios dos seus carros, não sei qual será. 
Leididi, mãe há 17 meses
O Blog do Desassossego

Afinal havia outra é a nova rubrica do A Mãe é que sabe, escrita por outras mães que não as Joanas. Podíamos dizer, qual candidata a Miss Mundo, que queremos dar voz a outras mães mas no fundo, no fundo, o blogue está a correr tão bem que já nos podemos dar ao luxo de ter escravas a trabalhar por nós. 

Afinal havia outra - (#01) Grávida pela primeira vez

Tenho saudades de estar grávida. Grávida pela primeira vez. É algo irrepetível que nos marca para sempre. Tenho vivido de perto a primeira gravidez de uma amiga e é incrível ver nela as minhas dúvidas, as primeiras descobertas e o amor que cresce desde o primeiro minuto. Desafiei-a a escrever sobre este estado de graça e o resultado não poderia ter sido melhor.

Do estado de graça ao estado de alarme

“A mãe é que sabe” propôs-me escrever. Não hesitei! Gosto de o fazer, mas atenção, esta mãe ainda não sabe nada! Estou na chamada primeira viagem e ainda me falta sentir o cheiro da minha menina (pirosa já estou! Melhor só o pai que lhe chama “a minh'Alice”). Sinto-a e vejo-a. E sinto cada vez mais porque soluça muito e porque deve fazer coreografias dentro de mim! Vejo-a cada vez mais porque ando a fazer ecos semanais. Já a vi num sonho e num pesadelo. Também sonham com isso? Já a vi morena linda e já a vi tipo lobisomem cheia de pêlos (é que nem a dormir a paixão e o medo se largam). Mas falta-me o cheiro! O cheiro maravilhoso a bebé que deve superar tudo quando o bebé é nosso. Só quando a sentir nos braços e me preencher os cinco sentidos começarei a tornar-me "uma mãe que sabe". Por agora, sei que passei de um estado de graça a um estado de alarme. Sei que a gravidez é este turbilhão entre a paixão e o medo. A paixão por passarmos a sentir dois corações dentro de nós... Por passarmos para um lado transcendente e tomarmos consciência do nosso super-poder.

Depois, a paixão que se reacende com o pai e a compaixão por quem nos rodeia e mima! Não sei se é assim noutro lugar, mas os portugueses sorriem para as grávidas (exceto nas filas do supermercado). Durante os nove meses não há quem nos queira mal, mas há um estado de alarme! Começa quando as análises confirmam a gravidez e esperas três meses até anunciar. Porquê? Nunca pensei fazê-lo, mas decidi guardar segredo. Um medo que se intensifica a cada ecografia. Na véspera não se dorme bem e antes de entrar respira-se fundo. Depois, vamos sorrindo devagarinho a cada boa notícia mas só no final soltamos o grito.

Chega a preparação para a parentalidade (só nomes pomposos). Vale muito a pena, mas acciona o estado de alarme! “Já têm pediatra?” “Já sabem onde vão ter a criança?” “Creche ou avós?” (Bolas, será que já deveria estar a tratar disto às 26 semanas?) E o doudout? (um boneco para dormir) “Se dormirem já com ele terá o vosso cheiro e acalmará a criança!” (Raios, não estava a pensar comprar nada disto e já temos o boneco na cama e duas chuchas na gaveta). E quando rebentarem as águas, se for transparente podem tomar banho e comer, se for verde não demorem tanto e sigam para hospital, e blá blá blá. E eu que sou calma e descontraída começo a acusar a pressão!  “Não posso esquecer disto!" “Ai não tenho camisas!” “Ai 'bora lá ver da creche.” “Recapitulando, se for verde... Errr!” Mas depois respiramos, descarregamos no pai e voltamos à normalidade, nunca total.

E não termina aqui! O estado de alerta vermelho dá-se lá para o último trimestre. “Aí tenho uma dor.” “Aí não, é bexiga cheia.” “Ui estou a ter uma contração.” “Vê lá o que achas?” “Não me parece, a barriga não está toda rija.” Diz o pai. “Olha agora é mesmo!” “Sim, agora é!” “Mas hoje já tive uma.” “Mas foi há uma hora.” “Olha outra. Espera. Desta vez é uma cólica.” “Será que isto é mesmo a miúda a mexer?” Entretanto já fez uma coreografia e põe-me também a saltar cada vez que mexe, mas pelo sim pelo não pedimos ao pai que coloque a mão para confirmar. “Estarei com falta de ar?” “Não, é ela que já ocupa espaço.”

Pode não parecer mas a paixão aumenta muito mais do que o medo. E o medo já é fruto da paixão. É o nosso estado de graça que nos coloca em alarme, porque o amor é tanto e não queremos que os nossos poderes especiais falhem. Não é, mães que sabem? 



 
 Célia Alves, grávida de 35 semanas e 6 dias
Blogue O meu coração de criança
(acabadinho de nascer)


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