11.05.2019

Temos de parar de fazer isto.

Temos. 
Talvez nem toda a gente veja o que eu vejo, mas acho que se nos debruçarmos um bocadinho na questão, talvez consigamos sentir o que eles poderão estar a sentir. 

A criança chora. 

Aqui abre-se espaço para imensas reacções da nossa parte. 
Suponhamos que vivemos uma vida que consigamos ter um pouco de disponibilidade emocional para ter empatia pelos nossos filhos, embora numa situação com a qual não nos consigamos relacionar. 

Exemplo: 

A criança começou a usar o tablet. 
A mãe avisou que seria só enquanto ela fazia o jantar e que depois teria que o desligar. 
A mãe volta da cozinha e retira o tablet. 
A criança chora. 
A mãe fica irritada porque já tinha exposto a situação e comunicado as regras. Sente que não foi ouvida e sente-se frustada porque já adivinhava que podia ser esse o resultado e assim aconteceu. 
A criança chora. 
A mãe não consegue ir além dos seus sentimentos e o choro escala. A criança está incapaz de ouvir. 
A criança que, tal como conseguimos imaginar por também ser uma pessoa, teve um dia que a deixou cansada. Correu, brincou, geriu frustrações com cerimónia ou com as ferramentas que tem ao seu alcance tendo em conta a sua maturidade e experiência. 
Continua a chorar. 
A mãe não sabe o que há de fazer. 
Olha-lhe nos olhos e imita-a a chorar. Gozando com o choro. 
Não quer que ela se sinta pior, mas só quer que o choro pare. 
Não pára. 
O choro escala. 
A mãe finge chorar ainda mais alto e, sem se aperceber, gozando com a criança. 

Hoje ouvi uns vizinhos meus a fazerem-no. Já vi amigas minhas também a terem esta tendência. Lembro-me de me sentir muito sozinha e até mal-tratada por pessoas que supostamente seriam aquelas que me deveriam apoiar e ajudarem a acalmar-me. Sentia como se fosse um murro na barriga depois de mostrar que estou doente. 

Será que podemos parar com isto? 

Será que conseguimos olhar para as crianças como sendo pessoas ainda que possamos ter que admitir que não temos as ferramentas necessárias para sermos sempre a solução? 

Será que conseguimos perceber que, no meio da nossa indisponibilidade - à qual muitas de nós estamos sujeitas sentindo que não existem outras hipóteses - não são as crianças que devem pagar o preço? 

Será que embora não consigamos perceber as razões que levam a uma criança a explodir numa reacção semelhante podemos sentir empatia relembrando-nos das vezes em que já estivemos no lugar delas quando éramos mais novas? Ou até mesmo quando no dia-a-dia nos sentimos incompreendidas, desabafamos e não queremos receber "gozo" de volta? 



Talvez o equivalente numa relação adulta fosse: 

- Sabes, Sónia, ultimamente sinto-me perdida, que a minha vida não faz sentido. 
- Ai, Madalena, lá estás tu com as tuas merdas. És sempre a vítima, sempre a vítima. Não consegues só deixar-te de te queixar e de seguir em frente? Que chatice!

Não é isto que procuramos, precisamos ou devíamos obter quando partilhamos sentimentos (tendo em conta as várias formas e desenvolvimento emocional de cada um). Ainda que a Sónia não tenha tido uma educação baseada na empatia e no amor ou mesmo que a Sónia tenha tido um dia péssimo. 

Don't kick them when they're down. 

Don't kick them at all. 

Não sou psicóloga, não sou orientadora ou qualquer uma dessas profissões que, por terem um lado académico, também nos transmitem mais confiança, mas já fui criança e sou adulta. 

Talvez não consigamos reagir logo. Talvez não tenhamos nada de bom para dizer. Talvez precisemos de nos acalmar um pouco ou talvez precisemos de rever a nossa vida ao máximo para que consigamos ter mais disponibilidade mental para que, nestas alturas, não falhemos com quem convidámos a que viesse habitar este mundo connosco. 

Estou zangada, sim. É uma tristeza primária que se apoderou de mim para escrever este post, mas talvez ajude a que mais gente se lembre de quando era criança. Ou apenas da última vez em que esteve triste. 





16 comentários:

  1. Partilho do mesmo sentimento...
    As vezes dá mesmo vontade de fazer ao adulto o que este faz à criança...

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  2. Eu já imitei os meus filhos a chorar ou a fazer birras. O resultado foi sempre rirem—se e pararem. Depende do modo como se faz, do tom, da expressão facial, de muita coisa.
    Como qualquer outra estratégia para lidar com crianças, nem sempre nem nunca.

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  3. Tenho tendência a concordar consigo Joana sobretudo quando o foco é ver as crianças como seres com sentimentos e ainda em evolução na gestão dos mesmos, entre outras coisas, e não como pequenos adultos com manhas e manias. Mas neste caso acho que está a analisar as situações com demasiado negativismo. A minha filha choraminga com frequência e se há alturas em que percebo facilmente que precisa de mim para gerir algo, noutras é pura e simplesmente uma forma errada de se expressar. Tanto que se a imito, ela ri-se e diz para eu parar porque não se fala assim. Reação bem diferente daquela que tem nas situações em que precisa de mim e obviamente ficará magoada se a imitar. Ou seja, não dá para meter tudo no mesmo saco. Eu também era choramingas e sensível em criança e os meus pais eram extremamente atentos mas ainda assim tenho agora noção de que eu exagerava. Eu chorava por tudo e por nada, bastava roçar com o braço numa parede e chorava como se mo estivessem a amputar a sangue frio. E por isso sim, também me lembro de um dia ter dado uma cabeçada com toda a força, doeu-me mesmo mas a minha mãe não se apercebeu e gozou com o meu choro. E na altura fiquei magoada, sim, mas também sei que foi naquele momento que eu percebi que se chorasse sempre por pequenas coisas ninguém ia saber que estava mesmo aflita quando me magoasse a sério. Podia ter aprendido isto de outra maneira? Podia. Sinto que a minha mãe foi horrível comigo? Não. Provavelmente sentiria isso se a situação não tivesse sido aquela e não tivesse aprendido aquela lição.
    Acho precipitado ver o que os outros pais fazem e colocar logo um rótulo ou analisar logo a situação com tanto negativismo. Percebo perfeitamente a bandeira que tentas levantar e pela qual tens lutado cada vez mais mas às vezes acho que corres mais uma vez o risco de exagerar nos julgamentos.

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    1. Que bom ler na Internet vozes sensatas como esta anónima.
      Muito bom comentário. Parabéns à JG também por ter dado o mote a esta discussão.

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    2. Cada vez mais tenho dificuldade em ler os textos da Joana Gama por causa disto. Sinto que está constantemente a julgar os outros pais porque não fazem as coisas como ela, ou como ela acha que estão certas. Acho que precisa de trabalhar um pouco mais a empatia com os adultos também, não só com as crianças.

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    3. Ups, esqueci-me de assinar no fim (no telemóvel só consigo comentar com o perfil anónimo e às vezes esqueço-me de pôr o nome no fim). O comentário é meu e verdade seja dita também foi escrito no calor do momento em que li o post. Agora mais tarde, não tiro uma vírgula ao que escrevi (acho mesmo que há uma visão demasiado negativa e exagerada) mas também percebo que provavelmente a Joana o escreveu face a uma situação específica em que notoriamente a criança não precisa do gozo dos pais mas sim de apoio e compreensão. Porque é verdade é que situações destas também as há e também mexem connosco. O problema de escrever de forma geral sobre algo específico é que depois acabamos erradamente por julgar todas as situações como um todo.

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  4. Concordo plenamente com esta resposta!tb ao ler este post,achei demasiado “negativo”, e faz com que cada uma de nós que até já fez isso,se sinta ma mae!e acho que não é essa a intenção...acho que como mães conseguimos perceber,se está a surtir o efeito desejado(se for um choro de mimo,e se parar de chorar) ou se não. O meu filho que tem 2 anos,as x já se ri quando lhe faço isso sabendo que é só mimo! Mas é sempre bom termos essa atenção e ponderar se é positivo fazê-lo ou não!beijinho

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  5. Tens de parar de fazer isso, se para ti não fizer sentido agir dessa forma. Pessoalmente não concordo de forma tão linear com a tua opinião, nem achei o 'tom' mais adequado.

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  6. Não conheço a situação ou o contexto, e jamais gozaria com o meu filho face a um desconforto dele. Tento sempre ser o ombro amigo acima de tudo. No entanto já fiz o que descreves. Ninguém conhece a criança tão bem como os seus pais e eu sei quando posso ou não partir para essa brincadeiras. Sim, nas situações em que o fiz, foi face a "birrinhas tolas" e ele acaba por se rir e facilmente transformamos uma birra numa brincadeira de imitações. Ou seja, até concordo com o cerne da questão, mas não podemos julgar o livro pela capa, ou neste caso, julgar os pais, por uma acção sem o devido contexto.

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  7. Bom, não sei que idade terá a criança. Nem consigo avaliar as circunstâncias. Mas acho que intelectualizas e dramatizas demasiado estas situações. Às vezes os miúdos estão apenas a ser crianças mimadas, outras vezes a manipular os pais. A minha filha mais nova, que é uma mimada de primeira é mestre em cenas. Mestre em piscar de olhos e dramas. Em circunstâncias excepcionais eu conto até 500 (como não dormir a sesta) em situações normais sou irredutível e não há espaço para ser drama queen. Tem de haver limites ou a vida da família fica um inferno.

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    1. Para a Joana a vida em família não existe. Apenas as vontades da Irene. Até se vai embora da piscina porque a Irene deixou de lhe apetecer.

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  8. Na minha opinião, não é pertinente a distinção entre os choros. Independentemente do motivo pelo qual a criança está a chorar, acho que a postura mais correta não é a da imitação do choro. E o facto da criança rir não a torna correta.

    O humor é uma estratégia válida, mas imitar simplesmente a criança a chorar não me parece uma forma de humor. E facilmente poderá ser entendida como gozo e desvalorização do que estão a sentir, mesmo que a intenção do adulto não seja essa.

    E uma ressalva. Eu acho que a Joana está a fazer um desabafo e a criticar determinados comportamentos, mas isso não é errado. Claro que é sempre um ponto de vista, uma forma de estar, uma entre outras que existem, mas com respeito é sempre possível fazê-lo. E acho que a Joana fê-lo com respeito.

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    1. Eu também não acho errado o desabafo da Joana, bem pelo contrário. Há situações em que imitar o choro da criança é realmente o caminho a não seguir e até uma falta de respeito para com a mesma, para além de não a ajudar em nada nem ensinar nada. Consigo facilmente visualizar variadas situações em que vi isso acontecer e senti o mesmo que a Joana. E também acho que o fez com respeito (da mesma forma que acho que a maioria dos comentários, mesmo os que não concordam a 100% com a Joana como o meu, foram escritos com respeito).

      Tété

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  9. É tudo espetacular e verdadeiro na teoria.
    Na prática, é tudo uma questão de bom senso, ponderação e adequação ao contexto.
    Já para não falar que pais são seres humanos e, como tal, nem sempre conseguem lidar, no momento, com situações da forma que gostariam ou tida como certa. Aliás, até acho positivo que as crianças presenceiem momentos de fragilidade dos pais, reações adversas a comportamentos negativos, para perceberem que os pais são isso mesmo: seres humanos.
    Este tom de julgamento que a Joana Gama atribui aos seus pais é mesmo uma pena, porque o conteúdo poderia ser mesmo bastante interessante.

    Teresa

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    1. Teresa, não é só espectacular e verdadeiro na teoria. Na prática também o é. É espectacular estabelecer uma relação com a minha filha baseada na empatia. E é verdadeiro. Claro que, como diz, existem momentos em que fico aquém, cometo erros, excedo-me, em que sou tudo menos empática. E, sim, é muito importante que ela veja que eu erro. E aí converso com ela, peço desculpa. Essas são as exceções. E esforço-me para isso, para que essas situações continuem a ser a exceção. É difícil porque fui educada de forma completamente diferente, mas é possível e é espectacular a relação que se cria.

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