9.03.2017

Temos que nos borrifar para isto!

Isto de ser mãe, do que me parece até agora, é saber aceitar a "tentativa e erro". Fazermos um esforço activo para sabermos relativizar os nossos erros e para aplaudirmos os nossos sucessos, o nosso trabalho em progresso - que o será sempre. 

A Irene andou numa escola que parecia bater certo. Diziam as palavras certas ao ponto de mesmo as coisas que me davam vontade de me coçar fazerem-me equacionar se não seria apenas mais um caminho diferente para os mesmos resultados. 

Pareciam saber do que falavam e, melhor pareciam gostar do que falavam. Cedi. A escola parecia bater certo, é verdade, mas eu não gostava da escola. Nunca gostei. Não interessa porquê agora. Interessa que senti que estava a emprestar a minha coisa mais preciosa a alguém que não iria cuidar dela com o mesmo cuidado e respeito que eu. Emprestei. 

Sempre de coração apertado. Sempre a empurrar-me para baixo: 

"É a primeira vez que a tua filha vai para a escola, é normal que sintas tudo isso. Toda a gente diz que és muito apegada. Até as leitoras do blog dizem que és obcecada, se calhar até és. Tens de confiar. Olha tantas mães a deixarem aqui os filhos. Olha como eles ficam calmos - ou parecem - quando saem e os miúdos ficam a chorar. Eles confiam nesta escola. Todos os pais confiam nesta escola. Para quê é que estás aqui a tentar destruir isto? Eles estão bem. Estão todos bem. É tudo tão simpático. Está tudo a funcionar. Quem és tu para dizeres que não gostas disto? Tu és só uma mãe-galinha, ansiosa. Deixa as coisas correrem. Tens de deixar ir. Ela está a crescer. Isto é natural. O que tu sentes é normal, guarda-o para ti". 

Vi coisas que não gostei. Com as quais não concordo. A Irene mudou de comportamento em casa e foi-se tornando cada vez mais difícil empurrrar-me. 

Já tinha a minha filha a gritar comigo. A mandar-me dormir. A fazer-me ameaças caso eu não comesse que me ia buscar outra sopa. A dizer que "não queria mais um piu".  Estavam a riscar a minha coisa mais preciosa. 

Falei sempre a medo ou "com educação" - enganava-me eu - dizendo que não queria isto para a Irene, se podiam dizer-lhe as coisas de outra maneira, se podiam explicar-lhe as coisas porque ela já percebe muito. Sempre a medo. Sempre com educação. Sempre com uns sorrisos pelo meio para não me acharem antipática. Ainda por cima, gostava mesmo das pessoas. Apesar. Apesar de me estarem a riscar a minha coisa mais preciosa sei que não o faziam por mal. Sei que o faziam apenas por não terem mais ferramentas ou por cansaço ou por automatismo. Não consigo encontrar nada mais cansativo que cuidar de tantas crianças e naquela fase, mas a mim faltam-me decididamente ferramentas. 

Não consegui mais. Vi. Eu vi. Da primeira vez vi e fiquei enjoada, enojada e zangada, mas calei-me (calei-me, empurrei-me) e foi com ela. Da segunda vez não foi com ela mas foi horrível (para mim). Não conseguia mais ir trabalhar sabendo que as feridas da minha filha que não se viam estavam a ser feitas eu não saber falar comigo. 

Fiz as coisas desastradamente e aflita. Sabendo que há escolas para todos os gostos e eu não gostava daquela. Ou, pelo menos, da escola que a Irene estava a ter - tenho uma amiga que é uma mãe maravilhosa e que está a ter uma experiência perfeitamente diferente naquela escola.

Da próxima - errarei muitas mais vezes e provavelmente para sempre - não me vou calar com medos imbecis de ser vista como mãe galinha, mãe ansiosa, mãe o que for. 

Dá para conversar? Perfeito. Dá para ouvir? Maravilhoso. As coisas mudam? 

Da próxima vez que sentir (e, pior, que eu vir) que me estou a riscar a minha coisa mais preciosa, não vou esperar tanto. Vou resolver. 

Resolvi. 

Temos que nos borrifar para o que vão pensar de nós por seguirmos a nossa intuição. 

Por eles. 





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Primeiro fim-de-semana sem a minha filha.

Estou neste momento a escrever este post com uma vista soberba, a ouvir uma banda que me diz muito depois de ter visto dois vídeos que o Frederico me enviou com a Irene na casa onde estão a passar este fim-de-semana com os avós. A minha filha nua. Nua nos braços do pai, na piscina, a brincarem ao "golfinho do meco". 

Apesar de termos acordado que a Irene passaria "fim-de-semana sim", "fim-de-semana não" com cada um, temos feito as coisas devagar e podia dizer que era só para o "bem da Irene", mas acho que é para o bem de todos. 

A primeira vez em que ela dormiu na casa do pai foi a primeira vez que não dormi com ela. Este foi o primeiro fim-de-semana, as primeiras três noites sem ela. Aliás, ainda está a ser.


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Ela está fabulosa. Está feliz, irrequieta e numa nova fase: está tanto a querer ser um bebé como "mais velha". Tanto quer maminhas, como diz "não quero maminha, para ser diferente". Está a crescer, com tudo o que isso quer dizer.

Este tempo sem ela entusiasmou-me. Vai ter muito pai, um pai que dança, que mergulha, que vai cuidar dela que a vai estrafegar e partir os ossinhos. Vai ter a avó que a alimenta, que a estrafega, que lhe mostra a beleza das pequenas coisas, que a faz gostar de pedrinhas e ervinhas e que lhe diz coisas como "Necas, já viste a cor do céu?". Consigo ouvi-las daqui: os risinhos e os inícios de birra. O avô sempre um passo mais atrás para controlar a retaguarda, para ver a big picture, sempre com um olho em tudo e o outro no resto.

A Irene a ser e a ser a maestrina dos corações de todos. 

Não sinto saudades. Sinto uma contemplação distante. Sinto que daqui consigo ver a Irene que temos. A Irene que é muito feliz, sem "apesar".  Estou genuinamente feliz por esta ordem das coisas que não só permite que todos nós a amemos sem merdas como também me permite desenterrar ou redescobrir a Joana que é profunda e extensa. Os meus braços servem para me segurar a uma cama de rede ou para dançar na piscina se estiver a dar uma boa música (ou tão má que dê a volta). Os meus olhos servem para me comover com uma vista lindíssima. As minhas pernas servem para ficar dormentes de estar tanto tempo à conversa sentada à mesa de jantar. As minhas mãos podem trabalhar levando-me o vinho à boca nos momentos em que ouço.  Os meus pés podem percorrer riscas direitas no chão sem ter que olhar para os lados ou para a frente com preocupações. Posso dizer asneiras, posso cantar no carro aos berros, posso falar sobre o meu passado, posso falar sobre o que me possui e começo a sentir-me. Posso adormecer e não saber onde pus o telefone. Não tenho relógio de pulso, sequer. O pôr de sol não significa nada que eu tenha que fazer. Posso ver. Só. 

Enquanto isto está a minha filha no colo de quem lhe quer o melhor. Enquanto isso a minha filha está a fazer o "golfinho do meco" nos braços do pai que a absorve ao milímetro com os seus olhos e que tenta reproduzir a beleza dela por palavras mas que nunca conseguirá, apesar de ser dono de palavras e de as saber fazer dançar. 

O primeiro fim-de-semana sem a minha filha é o primeiro de muitos fins-de-semana comigo.

Eu sou a mãe da Irene, mas tenho um nome.



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