Estava eu num restaurante na Casa da Guia, em Cascais,
quando ouço numa mesa atrás de mim, alto e bom som:
"Sebastião, já lhe
disse para estar sossegado. Vou ter de me chatear consigo se continua assim!
Sebastião, pare quieto, olhe que você para a próxima não vem!"
Olhei. O
Sebastião era um cão.
Vou tentar não ser preconceituosa. Gosto de conhecer outras realidades, formas de comunicar e de educar. Considero-me uma mente
aberta, pronta a reconsiderar as minhas próprias percepções, convicções, a
repensar. Sei perfeitamente que o que é, para mim, estranho está altamente
condicionado pelos meus costumes e hábitos.
Digo já de antemão que tratar os filhos por você ou na
terceira pessoa trata-se de um acto cultural, de algo enraizado na educação da
família, passando de avós para pais e de pais para netos, como algo natural. Não
terá começado agora, só porque sim, mas terá passado de geração em geração. Não
quer dizer que não me soe estranho, em pleno século XXI. Sinto que usei uma
máquina do tempo e que estou algures no século XVII, perante uma burguesia
abastada.
Não vou usar os argumentos da falta de proximidade entre
pais e filhos, nem associar o "você" a uma educação severa e
distante, porque não é claramente por aí. Mas há qualquer coisa de formalidade,
de altivez (não digo que seja propositada), há uma muralha ou um altar que
nasce neste tratamento. E não digo que nasçam muralhas entre pais e filhos, mas
sim entre estes e os demais. Entre estes e os que não pertencem a essa elite, os que tratam por "tu".
Não sei há quantos anos (séculos?) se tratam os filhos por você e em que contexto,
mas se houver linguistas e sociólogos por aí que saibam, contem-me tudo. Não tive
tempo de pesquisar, mas estou interessada em saber.
A minha mãe trata a minha avó por você e eu também. Já eu
trato a minha mãe por tu e a Isabel irá tratar-me também por tu, assim como
muito provavelmente os avós. Se tratasse os avós por você (apesar de achar que
não vai acontecer), sentir-me-ia igualmente confortável. Agora o contrário,
não, não me identifico.
Mas uma coisa para mim é certa: a educação e a amabilidade
para com os outros não se espelha nestes detalhes linguísticos. O respeito pelo
outro e a forma de o demonstrar não tem absolutamente nada a ver com o
"tu" e o "você", que é muitas vezes o argumento usado por quem educa com a terceira pessoa. Outro argumento é o de que para ensinarmos os filhos que se trata as pessoas mais velhas, os vizinhos, os desconhecidos e as professoras pela terceira pessoa, é mais fácil se os tratarmos por "você". Acho parvo. Quando tiverem idade para perceber a distinção, irão fazê-lo. Se uma criança de 3 anos tratar a vizinha de 40 por tu é grave? Espelha falta de valores, de educação? Claro que não.
Se acho que tratar os filhos por "você" é
desajustado, hoje em dia? Acho, principalmente quando não é natural e quando é
usado como forma de marcar uma distinção, em público. Agora, vem mal ao
mundo? Não, são hábitos e, apesar de me soar mal, gosto da diversidade.
Mas, por favor, não tratem o Sebastião por "você".
Ia-me engasgando com o ataque de riso incontrolável e, pior ainda, ia cuspindo
o peixe que tinha na boca, o que seria um desperdício.
Concordo plenamente com tudo o que disse. A minha filha trata-me por tu e os meus pais também e vice-versa. Mas se todos os males fossem esse, estaria este mundo muito bem!!Agora se assistisse a uma cena assim também não iria controlar o riso ehehe
ResponderEliminarSão sempre hábitos que passam de geração em geração cada um vai adaptando conforme a sua realidade. Na minha família a minha mãe sempre tratou os pais por tu, numa época em que ninguém o fazia! E ela detestava (era a diferente entre amigos e primos). O meu pai sempre tratou os pais por você. Aos 3 filhos ensinaram a tratar todos os adultos por você, incluindo eles. Mas sempre nos trataram por tu. No caso do meu marido o tu era para a família inteira! Então agora com o nosso filho (e o que está para vir), vamos ensinar a tratar os pais e os nossos amigos por tu, mas avós e nossos familiares vai ser por você. Sou sincera, não gosto nada de ver o meu marido tratar os avós por tu! Não e por mal, mas por mais proximidade que tenham, são de outra geração, então habituados a outras coisas.
ResponderEliminarParabéns pelo texto!!
ResponderEliminarTratar o cão por você, é simplesmente Ridículo!!!! Eu estou a imaginar a cena!!! E ainda por cima Sebastião que é um nome muito ......fino!!!!
ResponderEliminarEu também trato os animais por você...
EliminarConcordo a 100% com a opinião, sobretudo a parte de «O respeito pelo outro e a forma de o demonstrar não tem absolutamente nada a ver com o "tu" e o "você"». Mas, curiosamente, a minha mãe, que trata os pais por você (embora eles a tratem por tu) diz que no tempo dela, o que era "queque" era tratar os pais por tu, era coisa de gente fina, e o normal era tratá-los por você. Sinais dos tempos :)
ResponderEliminarUma vez, em conversa, uma mãe disse-me que tratava os filhos por "você" porque era uma questão de respeito. No entanto, os filhos tratavam a mãe (e o pai também) por tu... fiquei confusa e a falta de confiança com a pessoa fez-me ter vergonha de perguntar porque é que o "você" não era usado também pelos filhos em relação aos pais, se isso não seria uma falta de respeito (isto seguindo a lógica da senhora). A meu ver, é tudo uma incoerência... há por ai alguém que tenha um argumento para me convencer do contrário?
ResponderEliminarGente fina é outra coisa...
ResponderEliminarMuito bom texto!
ResponderEliminarConcordo em pleno.