12.16.2020

Ela quer proteger-me por sermos só duas.

Isto foi o que pensei. Estávamos as duas deitadas na cama - aquela altura em que só queremos que se calem para podermos ir ver Netflix à vontade durante aqueles 10 minutos até babarmos o sofá de forma pornográfica - e claro que começou a tagarelice. Acho que até foi ela. Ou, na volta, até fui eu. Talvez tenha querido puxar conversa sobre a questão dela sentir alguma necessidade de me proteger. 

Já tinha havido uma vez em que ela me disse "trazes sempre um casaco para mim, mas não para ti" e "as mães deviam também tomar conta delas próprias". E, com estas, fico parva (ainda mais). Perguntei-lhe porquê e ela respondeu-me: 

"Ó mãe, imagina: "Só cá estamos as duas cá em casa, não é? Imagina que te cortas tanto a fazer a comida que até desmaias com tanto sangue... Tenho de ser eu a cuidar de ti!". 




O meu coração parou. Ela, por um lado, tem razão. Já tive aí uma fase em que pensava muito nisso. E se me der um AVC? Um enfarte? Como faço para falar com alguém e dizer que a Irene está sozinha e que precisa de alguém ou... até eu? Fiz o que costumo fazer sempre que surgem esses pensamentos mais assustadores e entro em negação, claro. 

Não sabia bem o que lhe dizer quando ela me espetou com esta informação pela goela abaixo, sinceramente. Pensei que seria uma boa oportunidade para voltar a sublinhar a relação próxima e de amizade que tenho com o pai dela e que somos uma família, dizendo "temos sempre o papá que nos ajudará em tudo o que precisarmos, ele protege-nos e nós a ele" e, obviamente, não contente, aproveitei também para incluir o Miguel (namoramos há seis meses, eheh, obrigada, obrigada!) na conversa. "Sabes, a mãe e o Miguel também se estão a conhecer melhor para perceber se o Miguel poderá integrar a nossa família e ser mais uma pessoa que vive connosco e que passa a fazer parte de nós e que também cuidará de nós". 

Não obstante, senti que não a estaria a deixar segura de maneira alguma. Que deveria haver alguma coisa que pudesse fazer ou dizer que a fizesse dormir em paz ou sossegar-se em relação a este assunto, mas não consegui dizer mais nada. Expliquei que tenho 34 anos e que sou do caraças, que já vivi muita coisa e que os meus pais me ensinaram milhares de ferramentas para conseguir ultrapassar obstáculos e emergências, mas ficou a faltar qualquer coisa... 

Em desabafo, ontem, em consulta com a Eugénia Amaro (minha psicóloga e da Joana Paixão Brás) falei-lhe disto e ela deu-me uma óptima ideia: ensinar a Irene a ligar para o 112. Não deixa de ser uma possível necessidade e, na verdade, é capaz de a sossegar. Ontem lá lhe expliquei os números que fazem parte do 112 e o que aconteceria se ligasse (que poderiam vir médicos, bombeiros, polícia...) e que seriam sempre hiper rápidos - o que, por acaso, não é verdade na zona onde moro, infelizmente. 

Também é normal, disse a Eugénia, que as crianças sintam que têm de cuidar de nós se não for "em exagero", fazem parte da "família" e não deixam de ser "pessoas com empatia" e que se preocupam com a sua segurança. No entanto, com a "culpa" que sinto de ser só eu e ela diariamente, tenho algum receio que isso se reflicta na segurança que ela possa sentir. E não quero ser "preconceituosa" ou o quer que seja - as leitoras mais atentas, sabem que sou 0 no que toca a isto - mas não ter uma presença masculina (com a vibe masculina) presente diariamente no dia-a-dia dela também poderá fazer com que se sinta mais vulnerável, talvez. Ou, então, é só a minha cabeça. 

Seja como for, é bom falar-se, ainda que nos roube tempo de Netflix. E sim, agora que me lembro, fui eu a puxar a conversa e ainda bem. 

Já ensinaram os vossos a ligar para o 112? 



Já agora, como poderão saber, tenho uma "carreira" paralela à deste blog ;) Criei um patreon para quem quiser ter acesso a conteúdos exclusivos ou até, apenas, apoiar o meu trabalho. Sintam-se convidadas (e generosas, se fizer sentido para vocês) a visitá-lo aqui


11.16.2020

Descosi-me toda.

Ai, nem sei como me saiu a coragem para isto. Deve ter sido o ego de ter sido convidada para escrever um livro. Quando isso acontece, quase que não se olha a mais nada, pelo menos nesta fase da minha carreira. Estou a começar e, por isso, convites vindos de sítios que me impressionem são praticamente um sim imediato. 

A ideia, confesso, que já a tinha. Tenho mais umas quantas, mas para as quais ainda me faltam alguma confiança, visto que não me vejo como “escritora”. Admiro muito os escritores e, enfim, toda a literatura no geral. 

A minha ideia para este livro “Alguém que me cale - As entranhas de quem tem tanto medo que já nem se assusta” veio de um caminho que tenho vindo a percorrer: aceitar-me tal como sou, ainda que tenha algo a “perder” com isso. 

Comecei por trabalhar numa empresa em que, apesar de não haver um espartilhamento óbvio, havia um peso institucional gigante e que me limitava (e, por um lado, ainda bem) muito a nível criativo e humorístico. Encontrei no stand-up uma fuga rápida para isso. No palco, se ninguém filmasse (ainda bem que não era moda há uns 10 anos), tinha a liberdade que queria ter - toda a do Mundo - e sem correr o risco que no dia seguinte viesse a interpretar todos os “bons dias” dos meus colegas da empresa como um julgamento. 


Alguma vez poria uma fotografia minha a fumar no instagram? 
Jamais!


Depois de sair da empresa, comecei um projecto com a Rita Camarneiro, o “Banana-Papaia”. É um videocast onde nós as duas somos uma versão nossa empolada com o intuito de fazer humor. Dizemos o que pensamos e, muitas vezes, o que não pensamos para deixar clara uma visão satírica dos assuntos. Tive de fazer a escolha de saber que não estava a seguir o caminho que mais impressionaria os meus pais e que, provavelmente, me iria afastar de instituições e empresas como aquelas onde já trabalhei. 

Mas pensei: vou esperar que os meus pais morram para fazer o que me apetece? Vou continuar a espartilhar-me para ter trabalhos que não se ajustem 100% comigo? 

Decidi que não. 

E consciente de quase todas as consequências inerentes a essa decisão. Foi ponderado. Um pouco como “sair do armário”. Pensei que, quem me amar por aquilo que sou (que frase mais bimba, bem sei), irá conseguir ir além dos seus preconceitos e vaidade e continuará na minha vida. Não pensei na altura que pessoas não me quisessem vir a conhecer por causa disso o que dói. Porém, foi a escolha que fiz: viver o mais possível perto da minha verdade, ainda que eu própria seja um projecto em construção e, se calhar, um dia faça até um videocast sobre religião, não sei. 

Sei que vamos morrer. E que eu faço parte desse “todos”. Por isso, sendo a vida uma coisa finita, um dos maiores propósitos não será vivê-la na sua plenitude, desde que não prejudicando quem nos rodeia? E, por prejudicar, que não se entenda não lhes dar alguns desconfortos e dores de crescimento, mas sim deixá-los viver a sua liberdade de escolha se querem manter a relação e que isso - tal como quase tudo nesta vida - é algo dinâmico. 

E, por isso, decidi. Decidi ser o que sou e contar o que tenho sido num livro dividido em três secções: o início, o meio e o fim [da vida]. Em cada um deles, por meio de uma associação livre, escrevo o que o ser comum denominará como crónicas (embora não me identifique com a designação). E isso passa por contar a minha história, no que a mim me compete: o que senti e sinto, pensei e penso, mas com a noção de que tal será mutável. 


Luís Pereira / MAGG

Uma das minhas grandes ambições com as consultas de psicoterapia é re-interpretar cenas da minha infância/adolescência agora com uma maturidade superior para conseguir encaixá-las de uma maneira mais benéfica e construtiva. E, por isso, uma das coisas que gostava de fazer com este livro seria rescrevê-lo daqui a 10 anos e ver o que mudou. 

Pelo meio quis inspirar (por quem me tomo, meu Deus) mais pessoas a viverem a sua verdade sem vergonhas. Por muito que se sintam sozinhas (aquele “únicas”, mas como uma conotação negativa) ou malucas (aquele “únicas” adicionando o julgamento de terceiros). Acredito que somos todos feitos do mesmo e que, vistos ao pormenor, somos todos malucos ao ponto desse conceito nem fazer muito sentido. 

Escrevi “Alguém que me cale” porque a minha cabeça não pára. E também porque este percurso não é só feito de coragem. É, antes pelo contrário, feito só de medo. De tanto medo que até salto porque “que se lixe” estou pronta para sangrar de cima abaixo como sempre. 

Se ainda não tiverem lido, estejam à vontade ;) Está à venda nas livrarias habituais e também na internet




11.05.2020

Ninguém te diz que ser mãe é difícil?

"Ninguém te diz que ser mãe é difícil". Mito. Acho que o que não falta mais por aí, de há uns anos para cá, é gente a queixar-se. A desabafar. A gritar o quão difícil, e por vezes solitário, pode ser este papel da maternidade.

Foi  um bocadinho esse o nosso papel de início, quando criámos o blogue. Mas não nos enganemos. Já muita gente nos tinha dito que era difícil. 

Claro que muitas mães andaram a dourar a pílula durante alguns anos - acho que era para elas acreditarem nisso. A emancipação trouxe-nos também isso: a pretensão de sermos capazes de tudo. Queremos (continuar a) ser boas profissionais, miúdas espertas, com (alguma) vida social, buço feito, e queremos ser mães, presentes. Ah! E a casa não se limpa sozinha. Não queremos falhar em nada.

Mas muita gente já tinha gritado por socorro, pedido ajuda. Nós é que não estávamos dispostas a ouvir. Convenhamos: antes de sermos mães, quão interessadas estávamos em ouvir falar sobre maternidade? Em ler sobre amamentação? Em querer perceber ciclos de sono? 

E o meu ponto aqui é: se tivéssemos lido, ouvido, visto: o que teria efetivamente mudado? Talvez não nos cobrássemos tanto. Não sentíssemos que estávamos a falhar. A Joana Gama uma vez confessou-me que, por eu ter parido a dar gargalhadas, ela andou alguns meses a esconder o quão traumatizante teria sido o seu parto. Acho que escondeu até para ela própria. Não me apercebi e nós até falávamos todos os dias, imaginem.

Nós tendemos a ativar um modo de sobrevivência e a relativizar algumas coisas para superá-las. Mas acho que é importante continuarmos a partilhar o bom e o mau. Saber que não fui a única pessoa a adormecer a filha a chorar (eu, não a filha - quer dizer, a filha também), que não era a única com dúvidas, arrasada quando ela não comia nada, triste quando não consegui que voltasse a mamar, com 9 meses, depois da pneumonia.



Este espaço tem sido isso: um espaço de partilha. E, apesar de, ao fim de 6 anos, já termos mais equilíbrio em cima da bicicleta, a corrente de vez em quando ainda sai. E temos de sujar as mãos para a colocar no sítio. Talvez já não seja tão visceral, tão duro, mas continua a ter as suas dificuldades.

E quais são as minhas maiores dificuldades e medos neste momento, perguntam vocês? Vamos à lista:

    - andar a sentir-me constantemente cansada

    - não me andar a alimentar propriamente bem

    - não ter tido tempo para fazer desporto (ou motivação?)

    - não conseguir gerir muito bem as crises entre as duas miúdas, que se magoam e aleijam à séria

    - não estar a encontrar ferramentas decentes para as birras da Luísa, que me parecem cada vez maiores

    - ter a casa sempre num caos (ando a pensar seriamente em investir em alguém, nem que seja 4h por semana...)

-     ter receio de que voltemos a estar confinados (não só pela minha sanidade mental e de deixar de ter trabalho, mas receio da ansiedade generalizada, dos despedimentos, dos negócios a falir, das depressões...).

O que é que muda depois de fazer a lista? Nem sei. Mas é como ir ali ao campo mandar um grande grito. É lançar para o universo e ver o que vem de volta. Feito.

Quais têm sido as vossas dificuldades enquanto mães, enquanto mulheres, e o que é que esta pandemia ainda veio piorar - ou até melhorar - nas vossas vidas?