2.04.2018

Não devemos estar juntos (só) pelos nossos filhos.

No seguimento do meu post da semana passada "Então não é amor" recebi uma mensagem que me deixou a pensar, ainda mais, neste tema. 

Nem a propósito, nesse mesmo dia, a Porta dos Fundos publicou o sketch Vida de Pai, que deu que falar nas redes sociais por satirizar a facilidade da gravidez e da chegada de um filho para o Pai. Para ALGUNS PAIS. Queria acreditar que será, cada vez mais, a minoria, mas não sei se será bem assim: não posso reger-me pela minha realidade e pela da maioria das minhas amigas e amigos porque sei que isso não faz a regra: bem sei que há milhares de realidades e de contextos e hábitos. No entanto, isso não impossibilita que eu dê a minha opinião sobre o tema, correndo o risco de ser demasiado generalista e/ou simplista. Será sempre a minha perspectiva e experiência sobre o tema, como mulher, mãe, amiga e filha e não um estudo científico ou uma reportagem.

Na mensagem diziam-me que aquele post não parecia vir de uma mãe extremosa, que põe o interesse dos filhos à frente de tudo o resto. Falava-se do facilitismo com que as mulheres agora se separam dos pais dos filhos, quando foram elas que os escolheram. E também que não deveria haver mais nenhum elemento egoísta na relação, porque quem sofre com o divórcio serão sempre os filhos. Falou-se de muita coisa ali (atenção que prezo muito quem me enviou a mensagem, apesar de estarmos em pontos diametralmente opostos em muitas opiniões). E não acho nada que eu tenha a verdade absoluta. Tenho noção de que cada caso é um caso, cada relação, cada suporte emocional, cada modo de encarar a vida, a família e as relações.

Mas continuo a bater o pé para levar a minha avante: eu não seria feliz se o pai da minha filha não se revelasse um pai, naquilo que, para mim, é a verdadeira acepção da palavra. Nem se não se revelasse um companheiro que faz das tripas coração para estarmos todos bem, em família, partilhando o bom e o mau. Dizia-me que não havia muitos homens como o David. Não sei se não há muitos Davids (conheço alguns). O que eu digo é que se não há, devia haver. E não, não há nenhum romantismo nisto, há pragmatismo. Se não há Davids e se mais Davids fariam mais mulheres e famílias felizes, vamos então educar os miúdos de hoje a saberem que podem conciliar a carreira com os filhos. Vamos educar os miúdos de hoje a que um homem também pode ser educador de infância. E que um pai também pode tirar a licença. E que um pai também vai às consultas com o filho e que sabe qual é o peluche ou a canção que o acalma de noite ou a hora a que tomou o último Benuron. Porque a mãe também pode querer ir a uma reunião importantíssima. Porque a mãe também tem o direito de se sentir feliz e realizada com o seu trabalho, sabendo que o filho ficou com a outra pessoa que o conhece tão bem, ou melhor do que ela, e em quem confia.

Nos dias de hoje, homens e mulheres devem ser livres para escolher o que querem fazer da vida e devem poder conseguir conciliar o papel de mãe e de pai com o trabalho. Ou devem, em família, chegar à conclusão que um deles quer ficar em casa com os filhos e o outro vai trabalhar. Ou tentar trabalhar, caso queiram e possam, cada um em part time. Ou poderem ter ambos uma carreira, trabalharem os dois, e estarem ambos próximos dos filhos, um dia mais um do que outro. O que quer que seja a resolução de ambos, tem de poder ser concretizada, sem tabus e preconceitos.

Um filho ou uma casa não é responsabilidade só da mãe. Se há mães, e pais, que preferem que assim seja, que se conjugam e que ambos acordam com a distribuição mais "clássica", digamos assim, dos papéis, perfeito (desde que os filhos, homens e mulheres, saibam que esse modelo não tem de ser necessariamente replicado). Enquanto todos estivermos bem com as nossas escolhas, todos estarão bem. 

Agora, quando há uma má distribuição de tarefas e de interesses e há frustração de parte a parte ou quando já não se consegue arranjar um laço que una o casal além das coisas práticas do dia a dia e dos filhos, não acho que as relações devam durar "só" porque sim. Não me parece, sequer, que haja facilitismo na hora de dizer "basta". Não conheço quem o tenha feito, só porque sim. Conheço quem tenha tentado e tentado e tentado, mas não estava a ser feliz. Achar que essas pessoas não são fortes porque não aguentaram o barco parece-me injusto e até um bocadinho victim blaming. Falando de uma classe média que quando chega do trabalho e quer ter momentos de qualidade com os filhos,  com jantar para fazer, roupa para preparar, banhos para dar e casa para arrumar e quando o marido marca reuniões para essa mesmíssima hora, para evitar "a hora da crise", ou vai desanuviar/jogar à bola com regularidade, ou está em casa, no sofá, mas muito cansado... quanto tempo se consegue viver sem sentir alguma sensação de desilusão? Quanto tempo temos de esperar para que essa fase passe? Que culpa é essa que nos faz sentir que temos de ser mártires e que tira o peso de cima deles? Esta sociedade patriarcal está muito presente em tudo o que somos, fazemos e sentimos. Temos de nos libertar disso. Temos de tirar de cima das mulheres este peso. 

Atenção: não ponho em causa que haja um período de reajuste difícil de se fazer. Não ponho em causa que o pai ande aos papéis durante uns tempos. E a mãe. Fazemos o luto de muita coisa quando os nossos filhos nascem. Há muitas coisas a gerir, uma responsabilidade enorme, uma procura de balanços, uma sociedade que exige de nós muita coisa ao mesmo tempo, que nos dá muitos likes no Facebook mas poucos abraços na hora em que mais precisamos deles. O sentido de comunidade e entreajuda perdeu-se e fica muito em cima de nós, mães e pais. É difícil não quebrar. 

Mas não. Não devemos continuar juntos só pelos nossos filhos. Nem nos contentarmos com o que há. Devemos procurar a felicidade nas pequenas coisas, sim, tentar uma e mais uma vez, encher-nos de força e jogar a bola para a frente, mas sem escamotear tudo o resto, que nos falta e que vamos engolindo e acumulando, disfarçando e tapando, em camadas, porque é isso que esperam de nós e porque temos de ser fortes. Nem pelos nossos filhos. As crianças precisam de uma mãe e de um pai o mais felizes possível para se sentirem protegidos. Não precisam de estranhos a viver debaixo do mesmo tecto, nem de uma mãe, ou de um pai, que tenta disfarçar que não está feliz, só por eles. Eles sentem tudo. Tudo.

Não quero incitar à rebelião nem desassossegar ninguém com estas minhas reflexões. Quero tentar minimizar a culpa, caso se tenham separado recentemente ou caso tenham decidido fazê-lo (como recebi, aliás, feedback do texto anterior). Quero que não se marquem reuniões de trabalho para as 7 da tarde. Quero que o pai possa ir a consultas sem se estranhar. Quero que os filhos possam crescer com o cheiro e o colo de um pai quando estão doentes ou que este saiba como lhes acalmar uma birra. Quero que as mães tenham com quem dividir o bom e o mau. E que exijam isso. E que os homens percebam isso e sintam isso como uma necessidade e um prazer.

Segundo o estudo Determinantes da Fecundidade em Portugal, de 2014, uma das razões apontadas para não se passar do primeiro para o segundo filho era a "dificuldade sentida pelas mulheres em conciliarem trabalho e família, experimentadas após o nascimento e durante a criação do seu 1º filho. (...) A excessiva dedicação do pai à atividade profissional pode tornar-se um obstáculo à transição para um segundo filho".

"Para além da condição económico‐financeira, o tempo de dedicação aos filhos parece assumir particular relevância tanto na intenção, como posteriormente na decisão: mais tempo para que o pai possa partilhar com a mãe as tarefas domésticas e o cuidar dos filhos, aumentando o tempo dedicado à família. Eventualmente, não existindo hipótese de se concretizar uma partilha de responsabilidades mais igualitária, parece não restar outra alternativa senão permanecer com um único filho."


Isto quer dizer alguma coisa. 

E não. Não há nada de errado ou de egoísta em querer ser feliz. Nada. Se forem boas pessoas, não será nunca de ânimo leve, mas depois de muito pensarem, tentarem, pedirem, depois de duas, três, quatro oportunidades, meses ou anos, que tomarão uma decisão.





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12 comentários:

  1. Que bom que é haver mais pessoas a reconhecer publicamente o que a Joana reconhece.
    Já em 2010 fiz uma tese de mestrado sobre o papel da família no desenvolvimento social dos filhos e cheguei à conclusão, como muitos, muitos, muitos estudos em psicologia, que, para os filhos, o que faz a diferença não é se os pais estão casados ou separados. É, pelo contrário, o quão bem se dão pais e filhos independentemente da composição do agregado familiar. Era tão importante que os pais se apercebessem disso para bem de todos...

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  2. Tudo dito! Concordo em absoluto. Hoje em dia, já não faz sentido esta disparidade de envolvimento na esfera familiar (para bem de todos, mas especialmente dos nossos filhos). Que haja famílias que possam ter esta divisão ainda muito marcada, aceito, façam como entenderem, mas tem de haver consentimento das duas partes e ambas têm de estar felizes com a decisão. Não me parece que seja isso que acontece na maioria dos casos, muito menos quando não há uma ajuda em casa de uma empregada e em que ambos têm um trabalho. Isso tem de mudar!

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  3. O meu marido queixa—se que se sente observado quando vai ao parque com o nosso filho e eu não estou presente...quando vai a consultas e eu não vou... (temos uma recém nascida e muitas vezes prefiro ficar em casa).
    Eu acho que Davids há muitos mas também há muitas relações falhadas...então o príncipe transforma—se em sapo! Até encontrar novamente o amor!;)

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  4. Muito bem, Joana. Fico satisfeita por ver que blogs com esta visibilidade publiquem posts tão realistas e sensatos.
    Parabéns pelo excelente trabalho!

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  5. Sou das abençoadas que tem um "David".
    Cada vez mais o valorizo, e quando embirro por qualquer motivo tento lembrar-me de todas as mães/mulheres que não tem um "David", de como tenho de ser grata e como quero que o nosso filho cresça com o exemplo fantástico do pai.

    Cabe-nos a nós, criar mais "Davids" <3.

    Excelente texto.

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  6. Na mouche Joana! Quando olho para a interação entre a minha filha e o meu marido, fico comovida. É tão bonito ver o amor e a cumplicidade entre eles! O meu marido está presente em tudo. Eu digo que ele só não deu de mamar porque não podia ;) Tudo o resto ele está lá, tal como eu: nos banhos, no cuidar quando está doente, no brincar, no vestir, no acalmar, no adormecer, no ficar sozinho com ela porque eu não posso estar, em todas as idas ao médico, no preparar as refeições. Esta relação tão próxima, cultivada com os pequenos momentos do dia-a-dia, é benéfica para todos: para mim, que me liberta para outras tarefas, para a minha filha, que cresce, segura e confiante, com a presença equitativa do pai e da mãe, e para o meu marido, que fica com a possibilidade de construir e viver uma relação de amor incondicional única. O resto, as tarefas domésticas, só me faz sentido serem mesmo partilhadas entre os dois. Não existe, para mim, outra opção. E acredita que esta realidade ainda não é assim tão comum, a da partilha. Fiz a minha tese de licenciatura precisamente sobre o papel do homem na conciliação entre a esfera familiar e a esfera profissional e os dados não enganam: a maioria dos homens, face à geração masculina anterior, já se envolve mais nos cuidados aos filhos (ainda que mais nas tarefas de brincar). Mas no que toca às tarefas domésticas a desigualdade (ainda) é gritante. Tudo somado (profissão + tarefas casa + filhos) as mulheres trabalham mais horas por dia do que os homens.

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  7. Joana, o Martim tem a mesma idade da Isabel e a Maria tem a mesma idade da Luísa (meses e tudo). E eu tenho 26 anos, um casamento de 4, e um divórcio há 6 meses. Posso acrescentar uma coisa ao teu texto que, de resto, devo dizer, está perfeito: o egoísmo de acabar um casamento chama-se heroísmo. O difícil não é ficar. O difícil é sair. O difícil é levar pra frente, lidar com dois bebés, uma casa, a dor da frustração das expectativas, a dor dos sonhos perdidos, a dor de ver as pessoas à nossa volta a sofrer. Manter a decisão, manteres-te de pé. Quando alguém decide sair, mas principalmente quando alguém tem a força de manter essa decisão, é porque tudo o resto não funcionou.

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  8. Precisei tanto de ler este post hoje!
    Casei com o namorado de 10 anos para perceber após 4 de casamento e uma filha que aos 15 anos talvez não soubesse bem quem queria para mim 🙂. Separei-me depois de muito tentar muda lo e tentartentar em vao mudar eu. Eu devia ser feliz! Hoje sou feliz, tenho um "David", temos filhos que se adoram como irmãos, parece estar tudo tão bem.... mas a minha filha resolvidissima após 4 anos de separação ontem perguntou "porque é que deixaste o pai?" "Porque é que não podemos viver todos juntos? Eu preferia! Podias fazer um esforço! Podemos voltar a tentar? Voltamos para a casa pequenina, vimos a esta passar férias" Depois virou se para o lado e adormeceu tranquilamente. Eu é que não...

    É uma decisão brutal, bruta e muito muito dura que mesmo depois de toooooodos os amigos e familiares a sublinharem com "agora o teu casal faz sentido.... vocês eram mm diferentes..." os filhos vão sentir. E vão questionar. E na adolescência talvez tenha que levar com uma bomba qualquer num mau humor qualquer do crescimento. Vou tentar preparar me.
    Força a todas as que estão a passar por algo semelhante.
    E duvido que alguém o faça com facilitismo. Porque não é nada fácil

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  9. Curioso... A minha perspectiva no que diz respeito a lutar pela relação mudou muito com a chegada de um filho.
    Estou com o meu marido há 14 anos e sempre tive um medo paralisante de o perder. A nossa relação nunca foi fácil, somos muito diferentes e isso cria muitos conflitos, mas sempre fiz(emos) das tripas coração para os superar. Entretanto no ano passado engravidei, e desde aí a minha perspectiva mudou. Não quero continuar a ter a mesma relação conturbada, acho que a miúda não merece crescer num ambiente onde os pais discutem constantemente, ainda que se amem muito e que no fim fique tudo bem.
    No meio das discussões mais feias damos por nós a pensar "não será melhor separar-mo-nos?"
    Durante todos estes anos achamos que valiam a pena as discussões e as lutas porque nos amamos muito e queremos estar juntos... mas agora não somos só nós, agora há uma terceira pessoa que necessita de estabilidade emocional, equilíbrio, calma.
    No fundo a questão que nos colocamos é: "não é melhor ter pais separados do que pais zangados?"

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  10. Parabéns por este texto! Debato-me com isto todos os dias. Há tantas coisas aqui e nos comentários que me fizeram sentido... "quanto tempo se consegue viver sem sentir alguma sensação de desilusão?" Esta é a pergunta que já tentei fazer a várias pessoas que se queixam dos seus casamentos, porque é a pergunta que me faço. Nas minhas tentativas de manter e recuperar um casamento problemático, penso nisso: como evitar este sentimento de desilusão? como contrabalançar isso? E ter a força para sair, como dito no comentário acima? Parece-me ser um esforço quase sobre-humano. Especialmente quando a outra parte, apesar do comportamento que tem, do pouco esforço que faz, diz sempre que quer continuar.... E, também como disseram acima, será que não é melhor os filhos terem pais separados do que crescerem como este modelo de relação? Um casamento de discussões, sem partilhas, já quase sem vivências conjuntas...

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