6.24.2019

Temos de parar de partilhar o vídeo da filha a puxar o cabelo à mãe.

Estou em demasiados grupos com os quais não me identifico. Identifico-me para umas coisas, vá, mas para outras, não. E isso faz com que, de vez em quando, veja coisas que... simplesmente me parecem atrocidades e fique ainda mais chocada com os comentários (vou ver, sim, para saber outras opiniões além das minhas e, também, para perceber "quem são aquelas pessoas"). 

Anda por aí a circular um vídeo no Facebook de uma mãe, filha e pai no meio de um conflito. Um vídeo extremamente chocante, triste e... grave. Uma filha que está a puxar o cabelo da mãe e diz que só larga quando tiver a certeza que a mãe a deixa ir a uma festa e a mãe que chora e implora para que a filha a largue. 

O pai, do que percebi, estava sem saber o que fazer e - não quero ir rever o vídeo - também me pareceu que era ele quem estaria a filmar. Senão, até questiono quem seria a outra pessoa e que "merda" de pessoa seria essa para achar aceitável filmar o incidente a não ser que fosse para obrigar os intervenientes a terem apoio psicológico. Como veio parar à net? Ou foi feito de propósito para aumentar os views de um site rasco qualquer ou foi passado ao amigo da amiga do amigo e, às tantas, já alguém sem ligação emocional nenhuma ao acontecimento (um sociopata ou algo do género) decidiu publicar na internet. 

Aquilo que tenho comentado sempre que apanho o vídeo é "não partilhem mais este vídeo, por favor". E por vários motivos: um deles é porque temos tendência a sublinhar as nossas convicções quando vemos coisas e as pessoas com tendências mais violentas mesmo com crianças vão encher-se de razão - e ninguém quer isso. 



Outro é porque estamos a encorajar uma visão do mundo muito voyeur e pouco responsável. Estamos a assistir a este vídeo como se não fosse "connosco", como se não tivéssemos responsabilidade em cenários semelhantes que acontecem perto de nós ou até mesmo nas nossas casas (numa intensidade maior ou menor). Como se houvesse uma anestesia qualquer, como se ficássemos adormecidos. 

Consigo pensar noutra razão para não partilhar o vídeo: estamos a encorajar a imitação do mesmo. É a mesma coisa com o suicídio nos "media". Incita ao copy-cat, à imitação. Propõe uma "solução", uma "estratégia". E, digamos, que nada do que se passa naquele vídeo, naquela situação (que não é nada mais do que aquilo que descrevi - isto para ver se vos retiro alguma da curiosidade) é para imitar. Nem servirá para discussão junto de quem mais precisa de ser esclarecido por aquilo que apontei lá em cima. Nunca numa situação tão aguda, as pessoas que precisam de ouvir, conseguirão fazê-lo. 

Li comentários como "se fosse comigo, partia-lhe os dentes todos", "comigo era uma lambadona que nem se levantava". Quero acreditar que são coisas que as pessoas escrevem na internet mas que, nessa situação, não o fariam. No entanto, já vi e já li tantas coisas... 

Gostava de poder dizer àquela mãe que não é suposto ter de lidar com tudo sozinha. Que claramente está incapaz de conseguir ser a mãe que aquela menina tem precisado. Não por ela mesma ser insuficiente mas porque não é possível de momento. Seja por não ter tido uma mãe que a tenha ensinado a ser mãe ou como não ser mãe, seja porque tem vários trabalhos, seja porque motivo for e que nós conhecemos. Esta mãe precisa de ajuda. 

A filha claramente está perdida. Está em modo sobrevivência. Para chegar a este extremo é porque sente que não está a ser ouvida e não está a ser vista. Está zangada e, portanto, triste com muita coisa e nem consegue verbalizar ou agir de "forma normal". E, que fique aqui claro - apesar de não ser psicóloga nem nada do género - que a relação entre as duas (ou até os três que, se aquele senhor for o pai, também não está a reagir de forma muito útil) tem influência uns nos outros. Que são "um sistema". Se um não está bem, os outros também não estarão. Se os dois também não, a filha ainda menos, enfim. 

A par disto ainda há que ter atenção a eventuais patologias ou o quer que seja que cada indivíduo possa ter. Mecanismos de defesa, de compensação que os tenham tornado menos funcionais, menos aptos para resolver... sei lá. 

Aquele vídeo é tão mais do que "vou-lhe partir os dentes todos". Aquele vídeo mostra a origem de tudo o que é menos bom neste mundo. A falta de amor, a falta de segurança para haver amor e a falta de apoio para que todos nós consigamos amar e ser amados. Pior: os comentários mostram que nada daquilo é uma coisa que acontece "só ali". Que há muita gente por aí que ainda acha que se resolve zanga com mais zanga. Gritos com mais gritos. Violência com mais violência. Solidão com castigo...

Sei que é algo contraditório estar a falar do vídeo e pedir para que não se partilhe mais o mesmo, mas quero, pelo menos, tentar pegar no ângulo mais pedagógico disto para que todas possamos reflectir e talvez um dia possamos fazer algo que ajude a salvar mais famílias deste comboio de ansiedade, medo, violência que vai atropelando toda a gente pelo caminho, começando por nós. Nós que somos os pais dos futuros pais, não é? Galinha ou o ovo? Galinha, sempre. Sendo que a galinha foi o ovo. 

Que tal interrompermos padrões ao invés de nos identificarmos com os agressores? 

No outro dia encontrei esta imagem... é pseudo-humorística, mas... diz tanto. 




Vamos denunciar sempre que virmos o vídeo por aí? Vamos tentar estar atentos a amigas nossas que precisem de ajuda? Famílias? Crianças? Sinto que ter este blog tem feito parte daquilo que quero fazer, mas em breve terei de fazer mais. Terei mesmo. Se alguém tiver ideias, conte comigo. 



9 comentários:

  1. "Que claramente está incapaz de conseguir ser a mãe que aquela menina tem precisado".
    Gostava que um dia conseguisses compreender que o problema não está sempre nas mães.

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    1. Mom shamming. totalmente de acordo. É a mäe que näo está à altura, provavelmente porque trabalha de mais (olha aí o machismo escondido, porque o pai nunca é acusado de trablhar de mais), a mäe que näo teve bons exemplos ou simplesmente que nao chega para tudo, tadinha da mae e da filha também. Näo se pergunta se a filha terá problemas psíquicos, se estará sob o efeito de estupefacientes (nao sei que idade tem, nao vi o video), se o pai poderia ser melhor pai. Um disparate este texto. Sexista, machista, patriarcal e tudo o que há de mal-

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    2. Olá 😊
      Da leitura do post, não me parece que em momento algum a Joana tenha dito que o problema é da mãe. Para mim o post é precisamente o oposto.
      Fala de tolerância, vontade de ajudar o outro ao invés de julgar e acima de tudo convida a fazer uma reflexão sobre a nossa responsabilidade, enquanto consumidores de conteúdos de Internet a não permitir que valha tudo por um view ou like.



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  2. Cheira me que o anonimo é a propria mae da autora... ou sera so coincidencia...we'll never know

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  3. Joana não vi o vídeo, mas será possível que embora a mãe faça tudo o que supostamente implica sê-lo, criando um filho com amor e educação, ensinando o certo e errado, será que nem sempre a mensagem é recebida e assimilada. O que eu quero dizer é se é possível mesmo fazendo tudo o que é suposto não termos um filho pautado pelos princípios que eram supostos, um mau filho, entre aspas.

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  4. Por muito que uma mãe e um pai façam o melhor que conseguem, nem sempre o melhor que conseguem está adaptado aos filhos que têm. É por isso que alguns pais conseguem que um filho seja brilhante e o outro um desastre. "Ah, mas foram educados de igual forma" - exactamente onde está o problema. Mas só quem se informa e lê, e tenta actualizar-se é que compreende o que acabaste de dizer. Infelizmente ainda há demasiadas pessoas que depois julgam quem decidiu informar se para se desculpar a si mesma/o por não o fazer. Eu quanto mais me informo mais confiante fico no que estou a fazer bem. Faço erros na mesma, mas até nisso fico mais confiante que não vai ser um ou dois erros aqui e ali por dia que o vai tornar num delinquente porque com a informação que tenho sei como redimir me dos erros e melhorar da próxima vez. "Aí, mas antigamente as pessoas não liam e educavam na mesma". Sim, mas os médicos também não tinham cursos superiores e salvavam vidas na mesma. Mas se me derem a escolher entre um médico de antigamente e um formado de hoje em dia, não sei quanto a vocês, mas eu prefiro o de hoje em dia. Concordo contigo Joana. E a pior pessoa no meio daquilo tudo (que não vi mas pelo que descreves) é a terceira pessoa. Que em vez de resolver a bem ou a mal aquilo que se está a passar decide que é muito mais giro filmar e pôr online para envergonhar a filha ou irmã ou o que for. Porque sim, é mesmo isso que vai resultar e fazer dela alguém melhor. Enfim.

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  5. É certamente possível. Quando se faz aquilo que se acha que está certo sem atender às necessidades da criança em questão (muitas vezes porque simplesmente são difíceis de identificar). Mas com ou sem aspas, um filho nunca é um mau filho. Os filhos são inocentes.

    O mesmo não se pode dizer dos pais.

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  6. Não vi o vídeo, nem faço tensões de o fazer. Nunca saberemos que razões ou motivações levam a que alguém filme um momento destes, e, pior ainda, o partilhe - seja em que moldes for. Aqui há uns tempos estreou na televisão um programa que creio que morreu logo ali na estreia, a super nany (ou qualquer coisa assim). Infelizmente o que não falta são este género de programas que vão sacar audiências naquilo que, numa primeira análise, deveria ser privado (já não falando do resto). Mas independentemente da forma de exploração da coisa ser no mínimo imoral, a motivação está na base do que encontro aqui também. Há mães e pais desesperados, que precisam de ajuda, e não sei se existirá essa ajuda, pelo menos para todos. Mesmo para os que monetariamente possam recorrer, por exemplo, a psicólogos, a verdade é esta: temos de ser pais perfeitos e ter filhos perfeitos. Isto porque todos sabemos opinar sobre como faríamos, o que faríamos, ai comigo não é nada assim o que seria. Uma hipocrisia de sociedade que se manifesta de forma tão violenta nos comentários anónimos nesta internet fora.
    Há famílias que precisam de ajuda, e não há nada de errado nisso. Nem em não ser perfeito. Se calhar a "ajuda" passa por começarmos a desmistificar isso.

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  7. Epa não me lixem. Não é uma criança. É uma miúda de 15 anos. Resolviam como? Vi muita leviandade naquele vídeo. Sim, para resolver o problema no momento dava-lhe um estaladao. Depois o resto resolvia-se

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