E mostrarmos. Que nada ou quase nada se resume apenas ao verbal. Nós funcionamos, na minha opinião, tendo como referência as pessoas mais próximas de nós e as mais marcantes que, em princípio, serão os pais ou quem terá exercido essa função.
Eles funcionam como uma lente do mundo que nos é passada (não só geneticamente), mas em tudo o resto ao longo da vida, especialmente nos primeiros anos de vida.
São importantes e fulcrais os rótulos que nos põem, mesmo que sem querer. São rótulos que podem durar anos e anos e que, sem consciência disso - até porque as palavra dos pais, para nós, até muito tarde, são a verdade - poderão limitar a vida e, acima de tudo, a percepção que os "filhos" têm de si.
Concretizando: se estiver constantemente a dizer à Irene que ela é desastrada, que não tem jeito com as mãos, o mais provável é que ela venha a interiorizar o que eu disse e que não desenvolva essa capacidade por assumir o rótulo que lhe dei - injustamente já que tendo 4 anos, é natural que ainda esteja a desenvolver muitas aptidões, principalmente as que exigem minúcia.
Isso dos rótulos, um dia a ver se me alongo. No outro dia apercebi-me que, por sempre querer ter um namorado (sentia-me sempre muito sozinha e pouco gostada) fui alvo de rótulos atrás de rótulos, tão cedo quanto aos 10 anos. A ver se um dia refletimos todas sobre isso e no que podemos fazer para que a geração dos nossos filhos não sofra tanto e não faça sofrer tanto os outros e tão cedo.
Isso começa antes. Aquilo que lhes dizemos que eles são e que lhes mostramos que eles são para nós. Actos, palavras e vá, não omissões. Não digo para andarmos sempre hiper mega ultra conscientes de tudo o que dizemos e fazemos, mas sim, termos uma noção geral presente de que estamos a moldar e a construir não só um ser humano, mas a percepção que ele terá de si próprio e dos outros também.
A Irene não é desastrada, ela tem quatro anos.
Ela não é teimosa, ela quer muito algo.
Ela não é mentirosa, está a aprender a lidar com as ferramentas que nos fazem ter aquilo que achamos que precisamos.
Ela não é birrenta para ir dormir, ela provavelmente já estará a ir para a cama fora da hora dela e todos nós, privados de sono, somos insuportáveis, principalmente se alguém estiver a dar-nos ordens.
O primeiro instinto, o mais básico, é rotular os outros. Até os nossos filhos, tal como nós fomos rotulados. O próximo passo, difícil já que temos tanto para fazer, resolver e assegurar, é ganhar tempo a tentar perceber se tal será justo e não poderemos estar a ser parte do problema.
"Não tens jeitinho nenhum para desenhar, dá cá que eu faço isso".
Uma das coisas que mais gostei de aprender até hoje é que, com treino, todos melhoramos em princípio a nossa aptidão para fazer algo. Até a desenhar, cantar, escrever, saltar, correr... tudo.
Os rótulos são uma preguicite nossa, uma defesa nossa para nos sentirmos melhores connosco, mas não é necessário que seja à custa dos outros e até dos nossos filhos.
Não é só o não dizer. É ver. Compreender. Aceitar. Ensinar. Abraçar e... muito importante: olhar nos olhos.
Lembro-me que o momento que mais me marcou até agora de ser mãe da Irene foi quando uma vez, a primeira vez, trocamos olhares e estavamos completamente focadas uma na outra. Esta sintonia além de trazer serotina para a família (sempre vantajosa a milhares de níveis) faz com que surja a "auto-estima" nos nossos filhos.
"Auto" não por ter sido automática mas de "estima por si". E nós somos os primeiros (mães e pais e familiares próximos) a sermos os olhos daquilo que eles são e daquilo em que eles acreditam que poderão vir a ser.
Hoje não consigo porque só dormi 4 horas (fui actuar à Universidade de Aveiro ontem e voltei hoje de comboio, estou de rastos - espero que este post esteja a fazer sentido), mas a ver se um dia fazemos todas o exercício de pensar quem queremos que os nossos filhos sejam e de vermos aquilo em que podemos ser úteis, além das funções básicas de assegurar a alimentação, segurança e afecto.
Eu quero que a Irene tenha muita confiança em si e que seja compreensiva e empática, para também ser consigo mesma.
E vocês?
Conseguem pensar que parte daquilo que vocês acham que vocês são foi transmitida pelos vossos pais? Que rótulos? Que orgulhos? :)
Acho que fritei os 2 minutos de cérebro que me restavam para hoje, mas fica aqui a intenção. É o que está na minha cabeça desde ontem, no espectáculo (e conversa) em que se falou de Tabus...
Faço constantemente o esforço de não dizer aos meus filhos "tu és...(algo depreciativo)" quando fazem alguma coisa de errado tento raciocinar com eles, fazer que entendam o que aconteceu e geralmente remato com um "pronto, foi um acidente. Estavas um/a bocadinho tonto". Porém sou de rotular bastante as qualidades "és tão amigo, obrigada!", "Que bom que foste generoso, partilhar é muito importante, obrigada!" Faz-me sentido incentivar as coisas positivas porque (no nosso caso) quando algo de mal acontece não precisa existir uma tempestade para se perceber que causa danos a outros ou a eles mesmos. No meu entender eles preocupam-se em ter atitudes positivas e serem constantemente melhores sem que os pressionemos para isso. Mas como vêm que isso traz alegria é algo que buscam. Com peso e medida. No nosso caso tem sido bom e funcional. So far, so good. também não sinto que os rotulos positivos os estejam a tornar egoistas e ambiciosos. Por isso, e como educar uma criança é uma aprendizagem, enquanto for proveitoso para todos assim sera.
ResponderEliminarAgora enfiei a carapuça... "és mm maos de manteiga"... a tentar não repetir!
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