Temos.
Talvez nem toda a gente veja o que eu vejo, mas acho que se nos debruçarmos um bocadinho na questão, talvez consigamos sentir o que eles poderão estar a sentir.
A criança chora.
Aqui abre-se espaço para imensas reacções da nossa parte.
Suponhamos que vivemos uma vida que consigamos ter um pouco de disponibilidade emocional para ter empatia pelos nossos filhos, embora numa situação com a qual não nos consigamos relacionar.
Exemplo:
A criança começou a usar o tablet.
A mãe avisou que seria só enquanto ela fazia o jantar e que depois teria que o desligar.
A mãe volta da cozinha e retira o tablet.
A criança chora.
A mãe fica irritada porque já tinha exposto a situação e comunicado as regras. Sente que não foi ouvida e sente-se frustada porque já adivinhava que podia ser esse o resultado e assim aconteceu.
A criança chora.
A mãe não consegue ir além dos seus sentimentos e o choro escala. A criança está incapaz de ouvir.
A criança que, tal como conseguimos imaginar por também ser uma pessoa, teve um dia que a deixou cansada. Correu, brincou, geriu frustrações com cerimónia ou com as ferramentas que tem ao seu alcance tendo em conta a sua maturidade e experiência.
Continua a chorar.
A mãe não sabe o que há de fazer.
Olha-lhe nos olhos e imita-a a chorar. Gozando com o choro.
Não quer que ela se sinta pior, mas só quer que o choro pare.
Não pára.
O choro escala.
A mãe finge chorar ainda mais alto e, sem se aperceber, gozando com a criança.
Hoje ouvi uns vizinhos meus a fazerem-no. Já vi amigas minhas também a terem esta tendência. Lembro-me de me sentir muito sozinha e até mal-tratada por pessoas que supostamente seriam aquelas que me deveriam apoiar e ajudarem a acalmar-me. Sentia como se fosse um murro na barriga depois de mostrar que estou doente.
Será que podemos parar com isto?
Será que conseguimos olhar para as crianças como sendo pessoas ainda que possamos ter que admitir que não temos as ferramentas necessárias para sermos sempre a solução?
Será que conseguimos perceber que, no meio da nossa indisponibilidade - à qual muitas de nós estamos sujeitas sentindo que não existem outras hipóteses - não são as crianças que devem pagar o preço?
Será que embora não consigamos perceber as razões que levam a uma criança a explodir numa reacção semelhante podemos sentir empatia relembrando-nos das vezes em que já estivemos no lugar delas quando éramos mais novas? Ou até mesmo quando no dia-a-dia nos sentimos incompreendidas, desabafamos e não queremos receber "gozo" de volta?
Talvez o equivalente numa relação adulta fosse:
- Sabes, Sónia, ultimamente sinto-me perdida, que a minha vida não faz sentido.
- Ai, Madalena, lá estás tu com as tuas merdas. És sempre a vítima, sempre a vítima. Não consegues só deixar-te de te queixar e de seguir em frente? Que chatice!
Não é isto que procuramos, precisamos ou devíamos obter quando partilhamos sentimentos (tendo em conta as várias formas e desenvolvimento emocional de cada um). Ainda que a Sónia não tenha tido uma educação baseada na empatia e no amor ou mesmo que a Sónia tenha tido um dia péssimo.
Don't kick them when they're down.
Don't kick them at all.
Não sou psicóloga, não sou orientadora ou qualquer uma dessas profissões que, por terem um lado académico, também nos transmitem mais confiança, mas já fui criança e sou adulta.
Talvez não consigamos reagir logo. Talvez não tenhamos nada de bom para dizer. Talvez precisemos de nos acalmar um pouco ou talvez precisemos de rever a nossa vida ao máximo para que consigamos ter mais disponibilidade mental para que, nestas alturas, não falhemos com quem convidámos a que viesse habitar este mundo connosco.
Estou zangada, sim. É uma tristeza primária que se apoderou de mim para escrever este post, mas talvez ajude a que mais gente se lembre de quando era criança. Ou apenas da última vez em que esteve triste.