9.12.2018

Não lhe vou dizer que posso morrer!

Disseram-me que as histórias que leio à Irene não têm interesse. Não vou dizer que foi um dos meus irmãos e o meu padrasto nas férias que me disseram isso.  Acho que seria desagradável (olá João ;)). Reparei que "a malta" ficou decepcionada por não haver muitas aventuras nos livros da Irene (os que levei, que foram dois, vá) e isso fez-me pensar. 

Haters: 

Claro que fez pensar, algo que não te faça pensar? 

Ai, lá vem mais uma liçãozinha de moral dela em como ser melhor mãe porque os livros não sei quê?

Aposto que é para dar um abracinho a uma marca qualquer para ter mais uns quantos livros de graça. 

Ai, não tem mesmo mais nada que fazer. Se tivesse a minha vida...


Ouvi-vos a todas antes de começar, mas se vos desse mesmo ouvidos nunca escreveria nada em lado algum e, por isso, temos de aprender a seguir. Vou seguir. 

Muitos dos livros que a Irente tem, até agora, não são aqueles "clássicos" do Capuchinho Vermelho e afins. Achei que até agora, para a Irene, ainda não era a altura de a introduzir a noções de "bem e mal" e a coisas tão grotescas como "foi comida pelo lobo e o caçador abriu-lhe a barriga...". 



Agora que já está a ficar mais crescida, acho que já lhe consigo explicar melhor que o que vê nas histórias que por exemplo "o lobo não é mau só porque tem fome e precisa de comer".  Não a vou conseguir privar ou proteger de várias coisas distorcidas que a nossa cultura tem, por isso, o que posso cultivar nela é o sentido crítico.

- Não achar que por toda a gente fazer algo que é o que está certo para nós. 

- Não achar que por estar escrito que é verdade.

- Não achar que toda a gente que faz coisas erradas, é gente má.

- Não achar que por sentirmos algo como mau que é isso que merecemos... 

Etc., etc... 

As Irene leu ontem comigo dois livros: o do Capuchinho Vermelho e Hansel e Gretel. A segunda, especialmente, deixou-me mais inquieta porque a "Madrasta convenceu o pai a abandonar os filhos na floresta e ele assim fez". Mesmo apesar do final em que o pai diz à madrasta para se ir embora e fica com os filhos, não deixa de os abandonar duas vezes na floresta e deles terem assassinado uma senhora no forno que queria comer um deles. 

What the hell? Principalmente aos 4 anos quando ainda não separam bem a realidade da fantasia. Não me apetece muito lidar com medos surreais da Irene. Já lido com os fantasmas da vida, os monstros da vida... para quê introduzir como vi no outro dia no início de um filme de animação uma perseguição de pessoas armadas dentro de um carro? 

Além de que o paralelismo com a vida dela é terrível. O pai um dia poderá ter uma namorada. E onde está a mãe? Não lhe vou dizer que a mãe morreu. Não lhe vou dizer que, aos 4 anos, a mãe pode desaparecer porque não se controla nada nesta vida.

Muitas das vezes estamos em automático nestas coisas mas nem nos apercebemos das mensagens que estamos a passar aos nossos filhos. Como vejo muita gente na rua a usar t-shirts com mensagens completamente diferentes daquilo que a pessoa é. Até me tem feito rir, honestamente. Pessoas com tshirts a dizer sports, ou instagramer, ou inflluencer ou... 

Tudo passa para eles. Tudo é uma mensagem. 

Bom, seja como for, atrevi-me e li esses dois clássicos (depois de já ter dado uma olhadela antes de saber se lhe podia ler os livros) e preparei-me para responder às perguntas de forma proveitosa e também de a ir observando à medida que ia lendo. 

Não acho que compense para já a euforia da aventura de matar uma bruxa dentro do forno ou de se sentir que se pode ser comido por alguém ou que um pai nos pode abandonar se a mulher dele (má) disser. Não quero sequer que ela saiba que há quem abandone os seus filhos ou que as mães podem morrer. Ela tem 4 anos. 

Poderá haver outras aventuras, outro tipo de livros, mas ela tem gostado dos que lhe leio e muito. E eu também os leio com prazer. Os clássicos ontem que lemos, são livros lindos e maravilhosos - refiro-me às ilustrações, à paginação, ao feel das páginas... - e tenho mais uns quantos clássicos arquivados que lhe quero ler um dia. mas now its not the time. 


Haters: 

Um texto todo deste tamanho para dizer que não lê alguns livros - que afinal até leu - à miúda?

E um texto mais confuso, Joana, não há?

Ai, não vou ler isto tudo, deve estar mas é louca.

É a Joana Gama que está a escrever? Só gosto da outra. Caguei.


Isto é, mesmo aos 4 anos da Irene, mesmo com 4 anos (haters: 4 anos e acha que sabe alguma coisa disto), ainda estou sujeita a repensar tudo o que faço com comentários alheios (nem foram nada de mal, nem nada, imaginem se fossem ahah). Ouvir comentários e tê-los em conta é bom porque às vezes poderei estar a fazer algo com o qual não concorde, mas agora sei que lá por o que eu faço ser "contra" o que me foram dito, não quer dizer que esteja errado. É só diferente. E faz sentido que seja. Quero que seja assim.

Eu não sou totó. Sei que há aventuras que não metam abandonos e homicídios, mas acho que perceberam o que quis dizer. 

Haters: 

Não, não percebemos. Nunca percebemos. 


Seja como for, no que toque à Irene e enquanto ela precisar que assim o seja (e eu), as mães são imortais. 

'Tá. 






8 comentários:

  1. Concordo com a Joana. Há livros com histórias tão bonitas, os clássicos são sempre tão negros que eles podem crescer um pouco mais para os ler. É como a música do atirei o pau ao gato, não é uma atitude muito bonita mas cantamos a canção muito contentes às crianças, é estranho

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  2. Recomendo que dê uma vista de olhos à Psicanálise dos Contos de Fada de Bruno Bettelheim. Justamente explica em que medida as histórias tão negras em que muitas vezes se focam taboos são uma ajuda para a construção da criança e a ajudam a enfrentar os próprios demónios e sentimentos mais negros (que os têm! e importa não os negar). Outra coisa é que a nossa visão de adulto em relação às histórias, não é a da criança, porque simplesmente não fazem as mesmas conexões. Acho lindamente que tente proteger a Irene mas também acho importante que assuma que quem está a proteger em primeira linha é a si e à dificuldade que tem em enfrentar algumas questões.

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    1. Sem ter lido o autor que refere, por instinto, concordo em absoluto.
      Maria Inês

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    2. Concordo plenamente com este comentário. Basta recuarmos à nossa infância (sou da idade das Joanas) e da percepção que tinhamos das histórias. Nenhuma parecia tão assustadora ou malvada como agora, aos meus olhos de adulta. Em quase todos os clássicos da Disney há um momento triste, não me recordo de me ter chocado na altura em que os vi em criança, e hoje ao revê-los com o meu filho, choro baba e ranho. As percepções das crianças sobre esses temas são diferentes,e mesmo quando o meu filho me pergunta "onde está a mãe?" ou "o pai do Simba morreu?", digo-lhe a verdade, que não tem o mesmo impacto para ele do que tem para mim.

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  3. Amei, exatamente o que procurava sobre persiana, obrigada

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  4. Pessoalmente não concordo com essa abordagem em relação aos livros, até porque, seguindo a mesma lógica, então também tem de começar a filtrar bonecos e idas ao cinema porque também esses seguem os mesmos padrões (a mãe do Bambi morre, o capitão gancho rouba e maltrata, os vilões destroem coisas etc). O imaginário infantil trabalha muito com base no faz de conta e acho importante que esse mundo de fantasia tenha um bocadinho de tudo, do bom e do mau, para que as próprias crianças aprendam, de uma forma mais lúdica e não tão formal, a lidar com isso. Faz tudo parte, inclusive a morte.
    Eu não puxo o assunto da morte mas, se me perguntam, digo que sim, mas tento aligeirar o tema. Que toda a gente morre, que ainda falta muuuuuuuiiito tempo. Não fujo mas também não faço grande alarido e tento sempre não mentir. Não sei como é a Irene mas por ex o meu mais novo, com 6, lembra—se perfeitamente de episódios e histórias de há um ou dois anos atrás, não vou estar a ensinar que não se mente para depois fazer o mesmo.

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  5. Olá Joana, este tema interessa-me é quando o meu filho mais velho era mais pequeno tinha esses receios. Agora tem 4 anos, sempre contamos as histórias tradicionais e ele nunca fez perguntas estranhas ou associações que nos enquanto adultos fazemos, nós já somos mais complexos, temos mais vivências e já vimos mal nessas coisas, eles não, vêm a coisa do ponto de vista da fantasia. O meu filho mais novo (2 anos e 9 meses), adora os 3 porquinhos e o maior medo dele é o lobo mau! Mas um medo completamente normal e ele vive bem com isso. Explicamos que só vivem na floresta e que não conseguem soprar casas a sérios, só na história.
    Outra coisa, o meu filho mais velho aceita bem a morte como algo natural na vida, normalmente quando as pessoas são muito velhinhas, isto porque ou vê os bisavós em fotos com ele e pergunta quem são, ou porque pergunta aos meus pais: onde estão os teus pais? Temos de responder que não estão cá que eram muito velhinhos e as forças acabam. Ele nunca me pareceu assustado ou nem associou a perder os pais, age com toda a naturalidade. Ainda ontem por causa de uma música da Mariza, que ele adora, perguntou o que era ser mortal. Expliquei dentro do entendimento dele e ele disse que as crianças ainda têm muito tempo porque são pequenas!
    Isto tudo para dizer que com vocabulário que eles entendam, eles aprendem a distinguir o que é fantasia e realidade. Tal como não existem animais que falam, como nas histórias, e não precisamos de lhes dizer que os ursos não falam connosco! Eles depreende isso de outras vivências (visitas ao zoo, convivência com outros animais, desenhos animados, programas de TV...). Dá mesma forma eles vão sentir pelo a or que lhes damos que jamais os abandonariamos ou que deixariam os alguém fazê-lo.

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  6. Eu também não leio muitas histórias tradicionais aos meus filhos. Eram as histórias que tinha maioritariamente na infância, mas ,com exceção de uma ou duas, não as acho muito interessantes para ler, embora esporadicamente o faça, pois sei que elas tbm ajudam a resolver os conflitos internos das crianças. Procuro vários livros "diferentes" para eles e vou todos os meses à biblioteca requisitar livros variados. Esses sim, são os que leio com gosto e eles adoram.
    Quanto ao assunto da morte, sim já disse à mais velha (4anos) que toda a gente morre, quando é muito velhinha. É uma verdade suave, mas ainda a acho muito pequena para a verdade real!

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