12.06.2018

"A mãe vai andando!"

Para muitas de vocês que acompanham o nosso blog, têm reparado que vamos reflectindo sobre coisas que vamos fazendo. Aquele pensamento que, geralmente, me surge depois de ter deitado a Irene, uma espécie de "processamento" do que aconteceu durante o tempo em que estive com ela, o que podia ter feito melhor ou que fiz bem, aproveito para escarrapachar aqui. 

Não só porque me habituei a pensar a escrever desde sempre, mas também porque muitas de vocês poderão ter as mesmas questões e ajudarmo-nos mutuamente. 

No outro dia, a meio de uma birra, utilizei o "olha, a mãe vai andando" e fui ameaçando sair de fininho do sítio onde ela estava. 

Na prática isto resulta, é só preciso passar o tempo suficiente para que o medo se apodere deles e venham ter connosco, venham ainda zangados, com medo ou o que seja. Mas será mesmo a melhor técnica? 

A Irene já verbalizou algumas vezes que tem medo que eu desapareça. Acho que, quando a disse a primeira vez ainda não tinha vindo de quem já sabia que a morte é uma realidade, mas sim de algo muito mais primitivo. Talvez também porque como o "pai saiu de casa, quem sabe se a mãe um dia não sairá também. 

Desde aí e sempre que consigo nos momentos que considero apropriados, vou sublinhando e mostrando à Irene que a mãe veio para ficar. Que nunca, nunca irá desaparecer. O ano passado, na escola dela, a frase que a educadora mais dizia e que eu repetia era "a mãe volta sempre" (o que é diferente de "a mãe vai andando").


Prefiro dizer que nunca fugirei, que nunca desaparecerei. As minhas ausências não têm que ser sentidas como tal mas como também uma nota do meu tipo de presença. Claro que há timings. 

Quando ela era bebé e se passava da cabeça só porque eu saia da sala ou o desespero total dela quando eu saia de casa para ir trabalhar... não é o timing perfeito para, verbalizando, mostrar-lhe o quer que seja, mas começa-se o trabalho por aí também. Pesquisei e li um pouco sobre ansiedade de separação nos bebés. 

Adormeço a Irene. Deito-me com ela na cama e abraço-a ou faço-lhe cafunés. E é um prazer imenso para ambas (foi um longo caminho até aqui da minha parte porque já desesperei horrores a adormecê-la, a ter fantasias de a abanar e de tudo o que tivesse à mão para que ela adormecesse quando EU queria). 

Quero mesmo que ela sinta que os pais (falarei sempre mais por mim) são estanques. Que não fogem. Que a amam incondicionalmente. E que - agora menos unânime - somos uma equipa. 

A nossa relação é algo de parte a parte. É, tento eu, de respeito mútuo. Aliás, nem é de tentar, é mesmo o que surge entre nós. Ela exige respeito, exige ser ouvida e sente-se brutalmente ofendida quando não a oiço ou quando me imponho à vontade dela. Ontem fez uma birra enorme porque não queria vestir as calças que lhe tinha vestido à socapa, enquanto ela estava distraída. Sentindo que isso era uma falta de reconhecimento da minha autoridade, insisti. Quando me acalmei - ainda para mais a Irene está doente e, por isso, tenho de lhe dar o desconto - percebi que as calças novas que lhe tinha comprado e que lhe ficavam maravilhosamente bem (a quem vê de fora) apertavam-lhe na barriga. Ela não gostava por isso, porque lhe apertavam na barriga. 

Claro que depois de ter tirado a etiqueta, fiquei furiosa, mas não vou obrigar a Irene a andar o dia inteiro a andar com calças apertadas na barriga pelos 12 euros que me custaram ou por me sentir insegura se ela respeita a minha autoridade ou não. Independentemente de como me sinta, existe o facto de: a miúda não se sente confortável com as calças. E isso tem de ser importante. Mais importante que 12 euros ou que o meu ego. 

Por tudo isto e pela nossa dinâmica, percebo que o que me leva a dizer "a mãe vai andando" é um acto de falta de paciência e da minha forma de fazer birra "Quero que ela venha, já, agora, sem ter que estar com merdas". Ainda para mais o argumento que estava a dar para não ir comigo era "Só vou se tiveres prendas!". Eu que nem a encho de prendas, enfim. Deixa-me ainda mais enervada. Apesar de já ter percebido por aqui que é uma fase. O materialismo será sempre mais apelativo às crianças, mesmo que tenhamos de educar para o resto. 

A Irene não tem feito sesta na escola. A Irene entrou para uma sala nova este ano com colegas mais velhas que, a fazerem o que têm de fazer, a têm feito sentir pequena. E a Irene, afinal, já estava a cozinhar uma gastroenterite. E eu, perante a situação e a minha ignorância momentânea (e também tenho os meus motivos para ser menos paciente e compreensiva) fingi que me ia embora sem ela. 

Nem resultou, não esperei, talvez, o tempo suficiente.Talvez também pelo óptimo trabalho que tenho feito com ela em dizer-lhe que não fujo, mas não é a ferramenta certa. Isto de ser mãe, como todas sabemos, implica muito amor, muito sacrifício, tempo e... disponibilidade para nos pormos de cócoras e falarmos com eles, tentarmos ver o que é que eles nos querem dizer por trás daquela forma tão infantil (ahah, pois...) de manifestarem o que sentem. 

Essa responsabilidade é nossa. E de criarmos pessoas que um dia venham a reagir assim com os filhos e com os outros. Em vez de nos tornarmos todos bebés crescidos que cobram uns aos outros o que acham que precisam como precisam e não que se foquem na conversa que não se consegue ter. Temos que entender os outros antes que eles se entendam. 



Compaixão, empatia, amor, carinho, aceitação. 

No meu caso começa primeiro pela minha filha e, depois, vou conseguindo fazer comigo. Também temos que ser compreensivos connosco como somos com eles... Fica para um outro post, pode ser? 


8 comentários:

  1. Ooooh adorei esta reflexão.. Acho que vou reler com mais calma. Duvido que isto tenha sido escrito num ápice de pernas para o ar... Ahaha.
    Está muito bom.

    (já agora, acho que escrevi há uns dias algo que desapareceu e eu quero que fique: wow. Corajosa Joana pela nova fase de liberdade. Força!)

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  2. Joana, como leitora que já se estava a sentir um pouquinho "farta" das temáticas dos últimos tempos, dou-te os parabéns por teres voltado aos temas da maternidade na sua realidade. Tu fazes posts de temáticas simples que afinal nos fazem refletir pois são aspetos que nem sempre damos conta e já estamos fartos de temas super recorrentes de desfraldes, alimentação, birras, etc...e realmente há muito mais para refletir. Obrigada. Ja voltei a ter interesse em te ler ( a Joana P.B. também tem de se reformular)

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  3. Acho errado ensinar que a mãe volta sempre. Isto porque as coisas acontecem, e ela terá de saber lidar com frustrações. Nunca devemos prometer isso... eu pelo menos penso assim.

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    1. Claro, as mães podem morrer, ser raptadas, ficar doentes no hospital...mas a probabilidade de isso acontecer é pequena e são situações que são terríveis em qualquer circunstância estejam as crianças 'preparadas' ou não. Por isso também digo sempre que a mãe volta, que não vão ficar esquecidos na escola, na casa dos avós, na festa de anos dos amigos ou onde quer que seja. Para os meus a mãe também volta sempre...e eles gostam de saber isso.

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    2. Eu também ensino que a mãe volta sempre. Concordo com a ideia do anónimo de que os devemos ensinar a lidar com as frustrações (não os deixar sempre ganhar, não lhes dar tudo, dizer que não, explicar que é normal que se sinta triste e frustrado, etc...) mas não num caso destes. Acho que há imensas situações para os ensinar a lidar com a frustração e não precisamos de o fazer numa situação em que a criança precisa de se sentir segura e certa de que a mãe vai voltar. E se um dia eu falhar, não me parece que a preparação para a frustração ajude a minha filha a lidar melhor com a ausência da mãe. E enquanto nenhuma desgraça acontece e eu apareço sempre, prefiro que ela fique sem mim com a certeza que tudo está bem e que eu voltarei. :)

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    3. Sensata, Teté... 😊É muito bom quando alguém sabe exprimir tão bem pela escrita aquilo que é bom senso... (acho que já não é a primeira vez que a encontro a comentar com esta clarividência e sensatez, parabéns!)

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  4. Parabéns pelo texto! É por isto que vos leio!

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