5.20.2019

Leriam o diário dos vossos filhos ?

Por muito estranho que isto pareça, a Irene já tem um diário. Com código e tudo. Foi uma exigência dela. 

Sei que andou a passear com uma das avós no outro dia e viu um diário num centro comercial. Chegou a casa e pediu-me um. Como sempre que acho o pedido razoável digo: “em princípio sim, se vir algum, vou comprar”. 

Comprei e tem sido uma paixão enorme. Faz sentido que também tenha interesse no diário (embora inicialmente nem sequer soubesse para que serve) porque começa a treinar as primeiras letras. Já sabe praticamente escrever o seu nome (andou a escrever M em vez de N e nem reparei, teve de ser o pai, haha), mas pouco mais. De resto tem-me pedido para que eu escreva coisas de maneira a que ela consiga imitar. Tão giro. Nunca tinha presenciado este início de escrita. Começou com a lista de compras, ser ela a pedir um bloquinho para fazer a lista e agora quer um diário. Giro.


Partilhou o código com uma amiga, a Constança. Gostam muito uma da outra. Ao ponto de ter sido a única a quem ela revelou o código. Relembro que nem ela sabia para que servia o diário. Aos 5 anos quis ter algo seu, que parecesse secreto, embora ainda sem segredos para lá escrever. Digo eu, mas na volta já terá os seus. Como quando diz foi fazer xixi e não fez. Gira. 

Lembrei-me que fui muito de ter diários. E, pelos vistos, continuo a ter. Este blog é uma espécie disso mesmo. Fui tendo diários desde que me lembro. E houve um, pelo menos, que chegou a ser lido. Não tinha código nem cadeado. Um psicólogo diria que eu queria ser apanhada, mas nem por isso. Escondia-o como um caderno normal entre os meus livros ou, numa fase posterior, debaixo da última gaveta da minha secretária. 

Lerem-me o diário foi horrível para mim. Muito menos eu ter que saber que o fizeram, ter sido confrontada com isso. Creio que falava muito dos rapazes por quem estava apaixonada e com quem namorava. E talvez tenha sido daí que tenham tirado a conclusão que eu não pudesse ir de férias para o campo de férias naquele ano por ser “muito arisca com os rapazes”. Ou anos depois, não sei. 

Nunca cheguei a ir ver o que queria dizer. Fui ver e ainda não compreendo. Sempre entendi que quisesse dizer “badalhoca” ou algo do género. Diz aqui que não corresponde “aos bons modos”. Na volta tem a ver com isso, não sei. 

Agora sei o que me levava tanto a querer que gostassem de mim. Continuo a querer, olhem eu: escrevo um blog, faço vídeos, sou comediante... Está cá tudo na mesma.

Sei que estava no quinto ou no sexto ano. O meu caderno tinha uma fotografia dos Offspring na capa e na contra-capa. Impressa numa impressora já com falta de tinta amarela, então estava tudo azul ou lá o que era. 

Não gostei da sensação de me terem lido o diário. Senti que a minha privacidade não era algo a ter em conta. Como se de alguma forma não estivesse segura sequer a pensar, na minha própria intimidade. 

Se precisasse de ler o diário da minha filha, lê-lo-ia? Sendo completamente honesta, só tenho a certeza de uma coisa: se o lesse, ela nunca iria saber. Nunca lhe diria isso. Nunca a faria sentir-se violada dessa forma.

Se calhar sou péssima na mesma, mas pondo-me numa situação em que falar com a minha filha fosse impossível (por eu ser incapaz ou por ter uma relação com ela que se baseasse em medo e controlo), talvez lesse o diário, sim.

Não sei se aos 15 leria. Não sei se aos 16. Aos 17 muito menos. Sei que se estivesse extremamente preocupada que talvez fosse ler o diário dela.

Agora digo-vos, seria a minha derradeira tentativa. Só depois de tentar tudo. Desde questionar a minha forma de educar e amar, a tentar criar uma estratégia de apoio para a minha filha e para a família, a educar-me ao máximo, a tentar incluir outros players no jogo, a deixá-la em paz... Seria apenas na base do desespero TOTAL. E só porque confio em mim ao ponto de saber que o que leria não seria julgado nem alimentado com medo. Seria sim informação para a ajudar melhor e à família.

As mães são capazes de coisas extremas, mas têm de estar centradas.

Eu acabei por escrever os meus diários em DOS. Tive de me educar a criar documentos sem ser em windows e protegê-los com uma password para ter direito a algum ar livre. A poder processar as coisas, mas sempre a medo. Em tudo.

Às tantas creio que a noção de privacidade se alterou em mim e vejo o quão libertador é dizer-se a verdade. Não por haver quem diga a mentira, mas a transparência e ser-se tão genuíno quanto se sabe ser traz uma música muito mais saudável ao mundo. Trazendo amor, compaixão e começando por nós mesmos.

Quero muito nunca ter que ler o diário da Irene (quando ela souber escrever, vá). E todos os dias faço o melhor que sei. Tal como sei que os meus pais, dentro do que têm para me dar, também fazem o mesmo.

E vocês? Leriam o diário dos vossos filhos?






13 comentários:

  1. Acho "curioso" o facto de alguns pais acharem que são donos dos filhos e que por isso têm direito a controlar tudo. A criança e mais tarde adolescente tem direito aos seus pensamentos, e à sua privacidade (está até consagrado na declamação dos direitos da criança). O nosso dever enquanto país é orientar o melhor que sabemos e conseguimos... Se fizermos o nosso melhor eles irão ser capazes de fazer escolhas acertadas para a sua vida, e se correr mal sabem que estamos aqui. Por isso Joana não consigo perceber os seus pais. Tal como a Joana disse, seria necessário algo muito grave para que eu violasse a privacidade da minha filha. Prezo a privacidade de todos, assim como a minha privacidade sempre foi respeitada pela minha família. Um grande beijinho.

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  2. Quero só dizer que lamento muito que tenhas passado por essa devassa da tua intimidade... e ainda seres confrontada com isso. Deve ter sido doloroso. Também tive pais controladores e algo castradores, sentia que grande parte do que eu fazia era errado... e hoje olhando para trás fui uma "santa" (tinham muito pouco com que se preocupar). Mas o que relatas aqui é um bocado extremo (mesmo para a minha experiência). Ah, concordo plenamente, apenas leria o diário se achasse que era uma questão de vida ou morte.... e nunca contaria que tinha lido. Mas por princípio é o espaço deles... e iria respeitar.

    Abraço

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  3. Olá Joana. Também tive esta infeliz experiência: país divorciados, duas semanas fora, e deixei os meus diários antigos em casa da minha mãe, escondidos entre os livros da escola, nunca pensando que fossem alvo de leitura. Recebi uma chamada da minha mãe a ofender-me de tudo, que só pensava em rapazes, que quando voltasse íamos ter uma conversa. Nota: eu nunca tinha dado sequer um beijo mas era perdida de amores por um colega meu do 6º ano (lol). Enfim, assim se faz para deixar uma criança de 12 anos em pânico durante 2 semanas de férias, cujo único mal foi ter uma paixoneta e escrever sobre os nossos intervalos a jogar voleibol. Também a minha roupa interior, bolsos, estojo, mala, e bolsa dos pensos higiénicos eram revistados com frequência, à minha frente. A privacidade nunca foi palavra de ordem lá em casa. Pego muito nos exemplos que passei e tento não o replicar no futuro. Força Joana, acho que de certa forma #tamojunta na família disfuncional.

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    1. Que coisa horrivel, lamento imenso! :(

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    2. A minha mãe também era assim infelizmente :( é uma sensação terrível. Não façamos o mesmo com os nossos filhos.

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  4. De Joana para Joana... Aconteceu-me o mesmo e senti o mesmo que tu, mais do que uma vez pela minha ex-madrasta e pelo meu pai. Jurei a mim mesma que nunca faria isso, NUNCA! Não tenho filhos e sei que há muita coisa que muda mas creio que isto não mudará. Nao faca isso a nao ser que ache que a sua filha esteja em perigo iminente. Se e' apenas por curiosidade sobre a vida sentimental dela nao o faca. Todos nos sabemos que as adolescentes exageram no que escrevem... Eu pelo menos fazia grande drama e metade do que escrevia era mais imaginação do que outra coisa...

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  5. Bem, eu tenho algumas opiniões que mesmo de mim para mim diferem....tento respeitar a privacidade, mas por exemplo, o meu filho mais velho com 16 anos e meio, experimentou tabaco...e já bebeu umas minis. Já vi mortalhas e sei que alguns amigos experimentaram charros :(
    E de facto, volta e meia verifico as coisas dele. Tenho medo, preciso de ir verificando para ver se a coisa está minimamente controlada ou se tenho algo com que me deva preocupar e intervir. Na bolsa de fora da mochila tem um cheiro estranho. E se ele não sabe que eu vejo, porque não lho digo e não vejo nada preocupante, por outro sabe que eu identifiquei cheiros estranhos e que verifiquei (mas à frente dele).

    Tudo isto com MUITA conversa e muita explicação sobre tudo, e inclusivamente os meu comportamentos de controlo, ou de preocupações.

    Tudo depende. Não se deve generalizar...

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    1. Agora imagine se por acaso descobrisse um diário dele escondido no quarto.... não ia ler? Mas há dúvidas?

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  6. Tinha 12 anos e a minha mãe leu o meu diário, tenho 41, não me esqueço da forma como me senti. Foi horrível e aquela situação condicionou muito a minha relação com a minha mãe. Era muito inocente ainda, nada relacionado com rapazes, apenas o relato, desabafos de uma criança sobre a vida familiar e a pouca proximidade com a mãe. Fui confrontada com isso mesmo, acusada de ser ingrata por desabafar que "não gostava da minha mãe". Hoje sou mãe e não tenho qualquer duvida que tentarei "controlar" de todas as formas o que se passa com a minha filha. Se tiver acesso a diários, que seja mas uma coisa é certa… nunca irá saber, nunca será confrontada mas será sempre acompanhada. Tento o meu melhor, tal como a minha mãe fez.

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    1. Os meus desabafos no papel também eram sobre a má relação que tinha com a minha mãe. Ela descobriu, confrontou-me, fez-me sentir culpada e eu deixei logo de escrever. Ajudava escrever mas acabei por ter de lidar com uma terrível depressão sozinha e em silêncio. obrigada pelo post e pelos comentários. Se a minha mãe tivesse sido minha amiga eu não precisava de desabafar para um pedaço de papel.

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  7. Não foste de férias para o campo de ferias porque eras "arisca com os rapazes"? Nem sei o que dizer. Depois de ler alguns comentários, ainda pior fico. Lamento imenso que este genero de coisas tenham acontecido, é importante frisar que nao, isto não é correto!

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  8. Também fui muito de escrever diários. Quase que posso jurar que os meus pais nunca os leram (e ainda estão em casa deles no meu quarto) mas também podem ter lido e nunca ter dito nada. Mas acredito que não, sempre me ensinaram muito o valor da privacidade, cheguei a corresponder-me com amigos e familiares e nunca me perguntaram nada sobre as cartas mesmo quando vinham de pessoas que não faziam ideia de quem eram. Mas também acho que sempre soube que numa situação limite tudo seria revirado, lido e analisado.
    É isso que eu penso no que toca à minha filha: vou ensinar-lhe o que é a privacidade, respeitar isso, não me vejo a ler-lhe diários só porque os encontrei nem a ler as suas mensagens no telemóvel só porque sim. Mas se um dia ela fizer algo estúpido como fugir de casa não hesitarei um segundo em ler tudo e mexer em tudo o que possa para a encontrar.

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  9. De onde é o caderno da fotografia? :)

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