12.07.2018

Pai obriga filha a ir a pé para a escola por ter praticado bullying.

Já viram aquela "notícia" do pai que, pela filha ter sido bully e, portanto, suspensa do autocarro da escola, embora em intencionado, a obrigou a fazer o caminho a pé para a escola? Está aqui no Notícias ao Minuto, se quiserem ler e ver (o vídeo...). 

Não há qualquer dúvida que o pai está a agir como acha melhor. Que não julga nem sente estar a prejudicar a filha de alguma forma e que, ainda para mais, está a contribuir para um mundo onde o bullying um dia possa não ser um assunto por estes motivos. Agiu e de acordo consigo mesmo. Não há julgamento aí. Todos temos de tomar decisões difíceis baseadas no que sentimos e pensamos e todos corremos o risco de não serem as melhores... mas ninguém é perfeito. 

Não quer isso dizer que estes casos não sirvam para discussão e talvez para uma evolução conjunta. Tal como ainda ontem propus com o post do "A mãe vai andando..."

O pai está a fazer tudo certo de acordo com as suas premissas, mas o que é o bullying? Na prática, são actos de violência física ou psicológica constantes e intencionais. É o que diz a wikipédia.  Importante discutir aqui a "intencionalidade" da coisa, porém. É intencional, mas não consciente, tal como provavelmente esta medida do pai. 

Sem ser na prática, o bullying certamente virá de alguém que tem uma imensa necessidade de se sentir aprovado pelos outros (todos precisamos). Aquela criança está a demonstrá-lo de uma forma socialmente inaceitável e magoando e traumatizando o outro. Está a ser bully. 

Sendo este alguém (o bully) uma criança, há a possibilidade de estar a imitar um comportamento que já tenham tido consigo ou que seja repetido no seu ambiente. Um pai com este grau de determinação e de firmeza já poderá ter tido atitudes, por exemplo, que tenham feito com que a criança se tenha sentido maltratada psicologicamente sem que ele se tenha apercebido. Este poderá ser um deles. 


Este "walk of shame" até à escola, à vista do seu pai (cálculo que maioritarimente por questões de segurança da filha), não deixa de ser, em si mesmo, um acto de bullying (isolado, já que não tenho conhecimento da relação entre eles). O pai que, como reparámos, é extremamente sensível ao bullying (poderia ser interessante divagar sobre os porquês), decidiu aplicar uma medida muito recta com a filha. Esta, ao frio, porque foi bully pela 2ª vez e suspensa do autocarro da escola, vai a pé até à mesma, durante 5 miles - 8 kilómetros. Vamos acreditar que, algures a meio, a atitude do pai terá mudado e que os dois terão conversado sobre o assunto, feito "as pazes" e o pai a terá levado à escola ou, pelo menos dado uma valente boleia a mais de metade do caminho... Não sabemos. 

Não deixa de ser bullying. Não intencional, mas bullying. 

A criança aprende toda uma linguagem de "seguir o que pensa que está certo" sem olhar a contextos e forma. Ou, ainda, através da tristeza e da raiva reprimida ou lidar com este tipo de autoridade e de disciplina, poderá ter que a deixar "sair" quando se sente perto de alguém que não a fará sentir-se insegura: os mais novos da turma, os mais pequenos no autocarro ou até alguém que já a tenha provocado antes mas de quem se consiga defender. 

Aprender a lidar com a raiva, com a frustração, tristeza e com a mágoa é crucial. À semelhança de qualquer coisa que introduzamos no nosso corpo, terá que sair. Ao nos agarrarmos a esses sentimentos ou ao não sabermos trabalhá-los, ficam em nós e depois saem de forma descontrolada: discutindo mecanicamente com os nossos parceiros, falta de tolerância no geral, pessimismo e violência psicológica ou física. Creio que todos ou quase todos seremos bullies nos "piores" momentos da nossa vida. 

O que se passa com esta miúda? Qual será a sua história? E a do pai? E a do pai com o bullying? 

Seja como for, é verdade que, enquanto pais não somos santos, não deixamos de ser humanos a criarem humanos e, por isso, é impossível ter uma postura drunfada e sempre calma e consciente todo o tempo. Ainda para mais quando sentimos que o que estamos a fazer é aquilo que achamos que é o melhor não só para os nossos filhos, mas também para o mundo. 

É aqui onde entra a empatia e o auto-conhecimento. 

Já tendo percebido o que me ser bully, consigo empatizar com outros bullies e perceber que algo de errado se passa ou já se passou com eles. Já tendo sido alvo de bullying também percebo e sinto as consequências de se ser a vítima óbvia numa situação desse género. 

Gostaria muito de saber que o pai, além desta consequência que lhe terá aplicado com os argumentos que sentiu necessidade de expôr (talvez também para ter aprovação alheia por algo intuitivamente lhe cheirar a esturro), também terá tentado perceber o que se passa com a sua filha e tentar ensinar-lhe ou proporcionar-lhe a oportunidade de aprender ferramentas para gerir as suas emoções ou, até, garantir que estará a ter o máximo de apoio que precisa da família, amigos e, se necessário, de um profissional. 

Os comentários a esta notícia deixam-me com o coração apertado por todas as crianças cujos comportamentos serão visto como desafiantes e não como uma incapacidade óbvia de expressar o que sentem e o que precisam. 

Tenho as minhas dúvidas que a filha tenha aprendido com esta "lição" alguma coisa que a ajude a lidar com o que sente. Talvez o medo de ir novamente a pé para a escola a motive a deixar de agir desta forma e neste contexto, mas outro comportamento irá surgir e talvez ainda menos óbvio para os adultos conseguirem ajudá-la já para não mencionar que poderá também vir a ser mais perigoso.


8 comentários:

  1. Acho que se todos os pais fossem mostrando assim o reverso da medalha, fazendo com q sintam aquilo q provocam nos outros, o bulling seria um não assunto. Já fui vítima de bulling e gostaria que os pais das pessoas que me fizeram muito mal, tivessem tido esta atitude. Teriam evitado muitos problemas a todas as pessoas envolvidas.

    ResponderEliminar
  2. Joana tenho uma questão para refletir. Se a Irene fosse vítima de bulling? Se a Irene sofresse em silêncio? Joana vivo num país que respeita as crianças acima de tudo, onde ao entrar numa escola não houve um grito,onde a maioria dos jovens são tranquilos e extremamente educados. Mas no mês passado uma menina de 14 anos suicidou se.... Porque uns colegas a aterrorizavam. Foram meses. E ela teve a coragem de contar aos pais,e a escola interviu. Foi tudo tratado com o civismo característico deste país. Os agressores foram chamados a conversar, foram encaminhados para psicólogos,as famílias foram aconselhadas por profissionais sobre qual a melhor forma de agir. No entanto, os agressores continuaram a tortura via telefone,Internet. Esta menina de apenas 14 anos,que tinha sonhos (sonhava ser juiza), que era uma aluna exemplar... Esta menina suicidou se, mas deixou uma carta (que infelizmente por meio da minha profissão fui eu que entreguei aos pais). Nessa carta ela perdoa os agressores,porque sabia que a vida nem sempre é facil e porque sabia que a culpa que os iria acompanhar iria ser a sua maior punição. Os dois jovens agressores vêm de famílias estruturadas. Os pais dos agressores estão desfeitos com os acontecimentos e os dois jovens estão a receber acompanhamento. Joana arrisco me a dizer que estes jovens só faziam bulling porque se queriam sentir superiores. E agora pergunto lhe pensaria da mesma forma se fosse a Irene a vítima? Peço desculpa não a estou a criticar... Mas este pai tentou mostrar aquela filha como a sua vítima se sente ao ser humilhada... Joana no país onde vivo a taxa de bulling é muito baixa mas o mês passado uma menina matou se porque não aguentou mais.. . Julia

    ResponderEliminar
  3. Se foi para a escola a pé devido a ter sido suspensa do autocarro por ter sido bully pela 2.ª vez, acho que o pai esteve muito bem. Atitude gera consequência. Há crianças para as quais os actos são muito mais eficazes do que uma conversa. Se esta atitude fizer com que a miúda repense aquilo que fez e que atinja que estava errada nos seus comportamentos, quem somos nós para julgar as decisões dos pais que decidem por estes 'castigos'?
    Há dias a minha filha de 5 anos chegou a casa e disse-me que um colega lhe atirou uma pedra à cabeça e outros dois lhe deram pontapés. Senti-me sem chão! Só me apetecia abraçar a minha filha e nunca mais a largar... Pelo o que soube, uma das mães soube momentos depois do acontecimento e disse 'ele pede desculpa, não volta a acontecer'. E seguiu caminho... Será que falou com o filho em casa, quando estavam apenas os dois? Não acredito. Porque é uma criança que sempre foi um rebelde e para aquela mãe o filho nunca faz nada de propósito. Espero que a minha filha me conte sempre tudo o que se passa na vida dela, de bom e de mau. Para eu poder apoiá-la e defende-la da melhor forma que puder. Mas também digo que se algum dia for ela a ter uma atitude bully, os seus actos terão consequências.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. O pai fez bullying sim. Expor a sua filha a isto, para que todos possam ver e saber, também não se faz. Esta walk of shame... pode ensinar muita coisa, mas não a deixar de ser bully. O que o pai está a fazer também não se faz!

      Eliminar
    2. Anónimo das 14:51: não vi o vídeo. Mas o facto de ter posto a filha a ir a pé para a escola foi muito bem feito! Se a filha era bully em frente a outras crianças, não devia o pai aplicar-lhe a mesma situação? E será que a vergonha que a miúda sentiu não a fará pensar antes de ser bully novamente? Cada família sabe de si, não podemos nem devemos julgar.

      Eliminar
  4. Fez muito bem, fe-la sentir na pele o que fez aos outros. E não há exposição nenhuma, não se vê a cara dela.
    Mas já que acham tão mal gostava de saber como reagiam!? Com uma conversinha motivadora?

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Boa pergunta... também gostava de saber... :)

      Eliminar
  5. A verdadeira pergunta é: se a resposta do pai não foi a adequada, qual seria a resposta adequada? Na maior parte dos casos, uma conversa com o bully, só resulta neste a tornar-se ainda mais ameaçador para as outras crianças.

    ResponderEliminar