7.30.2019

Estaremos a criar miúdos-reis?

Tenho sempre algumas dúvidas quando o tema é este: decisões e escolhas dos nossos filhos. E as nossas. Claro que nem tudo tem de ser 8 ou 80 e que podemos ir decidindo, enquanto pais, ao longo do tempo, que espaço lhes dar para fazerem as suas escolhas. O reforço da autonomia é importantíssimo e acho castrador e limitador quando, apesar de já terem 5 anos, lhes continuarmos a escolher a roupa do dia-a-dia sempre ou a ditar quando devem parar de comer. A escolher que livro vão ler ou com que brinquedos devem brincar. A não os deixar participar em conversas à mesa ou a alimentar o espírito crítico deles. Ou, como a Joana Gama disse aqui, a não deixar que ouçam a sua voz interior.

Agora, preocupa-me que (não sendo esse o caso porque não conhecemos as razões nem o contexto em concreto), sejam os nossos filhos a ditar quando devemos ir embora de algum sítio em que nós queremos estar [a não ser, claro, que estejam doentes ou que não estejam em algum sítio apropriado e em horários porreiros para crianças], que comida vão comer num buffet, mesmo que para isso, escolham 79 pratos diferentes e "não gostem de nenhum", ou, como li, em comentário, se queiram ir embora porque não estão a gostar das férias. Não queria com isto estar a julgar (porque não conheço a missa à metade), mas eu acho que as crianças podem passar por momentos em que não estão felizes nem realizadas. Momentos de frustração, de tédio, são essenciais e só lhes faz bem aprender a lidar com escolhas "infelizes". Não era aquele o gelado que queriam ter escolhido e comido, paciência... Para a próxima, escolhem outro. E já muita sorte têm.

Não lhes podemos fazer as vontades todas, mesmo. Não podem ser eles a ditar irmos uns dias mais cedo das férias para casa. Lamento, mas não. É importante eles perceberem que não estão sozinhos neste mundo e que os outros também têm vontades. Que não há justificação para termos investido dinheiro numas férias para os meninos quererem "ir para casa". Faz-lhes bem passarem por esses dias de puro aborrecimento (mesmo que isso implique, para nós, ter de lidar com um feitio mais especial), porque vivemos em família, em sociedade, e eles não são reis. E isto estende-se até à adolescência. Se formos a pensar na quantidade de vezes que eu e o meu irmão quisemos ficar a dormir até às 16h da tarde, mas "temos pena, vivemos em família e devemos respeitar as regras da casa". Pelo menos almoçar em família e levantar o prato... é o menos! E, mesmo assim, já me cheira a hotel mamã que chegue! 

Não estaremos, quando desejamos que os nossos filhos sejam livres e façam as suas escolhas, também a colocá-los num pedestal enorme e a esquecermo-nos de que a vida é feita de contrariedades? A queda não será maior? Não será melhor irem caindo de sítios mais baixinhos, com pequenas lições dadas com muito amor? Estando lá para amparar a queda?

Eu acho que sim. Acho que não devemos ligar ao primeiro "não" que eles nos dão porque, às vezes, até eles estão a testar esse não. Nem eles sabem bem. Acho também que nem tudo é negociável.

Sei que se eu não tivesse incentivado a Luísa, aula após aula, a ir para a piscina, na natação, já não lá estava. Nunca disse que "tinha de ir" mas usei estratégias porreiras, como dizer para ir molhar os pézinhos, mostrando-lhe que eu estava lá, e passados 5 minutos já lá estava dentro e feliz. E isto aconteceu numas 3 aulas. Íamos no carro para lá e já me estava a dizer que não ia entrar na piscina. O que é certo é que agora adora as aulas. 

Fotografia The Love Project

Claro que eu tenho várias dúvidas, sempre. Mas também acho que lhes passamos inseguranças, quando lhes passamos a mão pelo cabelo e lhes legitimamos todas as contrariedades. Eu prefiro estar perto delas, validando as suas tristezas e vontades, mas fazendo-lhes frente, mostrando-lhes o lado bom de cada situação, até mesmo das que achavam que não iriam gostar.

Isto sou eu. E atenção que não sou irredutível nem inflexível. Vou avaliando, caso a caso. Como em tudo na vida.







12 comentários:

  1. Sinceramente acho que hoje em dia nos preocupamos demais. No meu tempo levei muitos nãos, tinha regras rígidas em casa e levei algumas palmadas. Atenção que não sou defensora de violência nem considero que tenha sofrido disso. A única coisa que talvez me tenha incomodado um bocado na minha infância era a rigidez dos meus pais na questão das notas. Eu não tinha de ser boa aluna, tinha de ser excelente, e fui, mas acho que deixei de viver outras coisas por causa disso. Hoje em dia vivo sozinha, fui bem cedo estudar para longe e sou completamente independente. Nunca tive falta de autonomia ou opinião por causa disso. No fundo, acho que devemos despreocupar-nos um pouco mais.

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  2. Bravo 👏👏👏👏
    O que eu queria (só que não) ver quando a criança não quiser ir à escola, fazer uma atividade proposta por um adulto e por aí fora. Claro que o mau da fita vai ser sempre o adulto por "não ouvir a voz interior da criança" (inventam cada uma para fazer as vontades todas às crianças para quando forem adultas até andarem de lado com as contrariedades da vida).

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    1. Exato. Voz interior da criança é maravilhoso...

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  3. Sabes Joana, cada vez gosto mais daquilo que escreves e da forma como educas, cada vez me identifico mais CTG. Obrigada pela partilha, concordo em tudo o que dizes neste texto. Bjs

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  4. Olá!
    Concordo contigo Joana, avaliamos caso a caso. Uma vez estava a estacionar à frente do parque infantil e a minha filha começou a chorar que afinal já não queria ir, queria ir brincar para casa. Fomos... E a obrigar a estar no parque? Não. Já me aconteceu estarmos a sair de casa para ir passear e ela disse que não queria ir... Mas fomos e depois divertiu se muito. Temos que colocar as situações na balança. Não é criar pequenos ditadores... É perceber que têm vontades e vermos as prioridades. Beijinhos

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  5. Para mim tem de existir o equilíbrio, dar ouvidos à voz interior da criança sempre, mas ensiná-lo que o mundo não é sempre aquilo que desejamos, que as nossas vontades podem colidir, e por isso temos de chegar a acordos. Que o não faz parte, e que o vão ouvir várias vezes ao longo da vida. Da mesma forma qie também o devem dar sempre qie desejarem!
    As crianças têm de ser acompanhadas, e por vezes frustradas, caso contrário não saberão lidar com a frustração na fase adulta.
    Tal como disse no post da JG, tendo ouvir ao máximo a voz interior da minha filha, mas se o "quero sair daqui" dela não for por dezconforto(seja do tipo que for), mas apenas uma birra momentânea (sim porque as crianças fazem birras, até eu as vezes tenho vontade de as fazer 🤣), porque caiu no parque ou porque uma menina está no baloiço que ie ela queria, há qie fazer uma gestão do conflito, e ficar...

    Mas lá está, isto sou eu, que não sou nem melhor nem pior mãe que alguém, sou apenas aquela que sei ser e que tenta ser melhor cada dia...

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  6. Os meus pais deixavam-me sair à noite e voltar às 5h da manhã (com 17, 18 anos), chegava a casa enfiava-me na cama a dormir, completamente de rastos, pronta para dormir pelo menos até às 15h. Chegava ao meio dia e meia, a minha mãe entrava-me pelo quarto adentro, abria os estores e os cortinados, e começava aos berros de toca a levantar que isto não é nenhum hotel! Porque eu tinha que ajudar a pôr a mesa e tinha que estar sentada na mesa para almoçar com a familia, quer me apetecesse quer não. Na minha casa não existia, como se vê hoje em dia, os pais a almoçar na mesa, o filho adolescente a comer no quarto, e a filha a não comer pq não lhe apetece... completamente impensável!!! Só me fez bem.

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  7. Sim Joana, concordo muito! Não tenho filhos, mas tenho muitas crianças diferentes na família, todas educadas por pessoas diferentes (e de forma diferente), e também concordo que os miúdos precisam de aprender a lidar com as frustrações da vida (de forma adequada à sua idade, claro).

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  8. É isto mesmo.
    Sou sincera que me chocou os comentários feitos no posta da Joana Gama "ah o meu filho não quis continuar de férias e nós cancelamos o hotel e viemos logo embora". Mas está tudo doido? Quem são os pais? Quem define regras? Ouvir as crianças sim, mas ensina-las que devem respeitar os outros e que nem sempre as suas vontades repentinas são passiveis de ser realizadas.
    Mais noção e mais educação consciente. Caso contrário estaremos a criar pequenos monstros que enquanto adultos não vão estar habituados à vida como ela é.

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  9. São só os meus filhos que nunca estão de acordo com o sítio para onde vamos? Tenho sempre de matar a voz interior de um deles. A minha é assassinada várias vezes ao dia ;-)

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