A propósito da polémica em torno de uma colecção de roupa, unisexo, e do boicote que algumas pessoas em comentário diziam que lhe iriam fazer, apeteceu-me escrever sobre isto.
Muitas irão dizer que é um não-assunto; outras irão concordar que se tem de falar disto até que deixe de haver uma pobre alma no mundo a querer fechar as pessoas em compartimentos e a dar-lhes conotações negativas, podendo mexer com auto-estimas e com a felicidade das crianças.
A minha filha mais velha, a Isabel, adora futebol. Quando a vou buscar à escola, está muitas vezes no recreio a jogar à bola, normalmente com rapazes (pode ser só coincidência nunca ter apanhado mais raparigas, ou não, não sei nem perguntei). Quando para o Natal pediu o equipamento completo do Benfica (punha aqui um emoji vómito mas não encontrei ahah) e carrinhos hot wheels. Chegou a haver quem comentasse que ela era "Maria-rapaz".
Não gosto que, em pleno século XXI, ainda haja quem use este termo para definir e catalogar uma miúda que gosta de coisas que, até aqui, foram consideradas pertencentes à esfera masculina: futebol, carros, corridas e até subir a árvores ("eu subia às árvores, como os rapazes", já ouvi eu).
Ora bem, se há coisa que me encanita é ainda haver esta separação de gostos e interesses e, pior, já haver crianças pequeninas com este discurso (o sofrimento da minha filha quando chegou a casa, já há dois anos, a dizer-me que um menino na escola lhe tinha dito que não podia jogar à bola porque era menina...). Claro que lhe disse para confiar em mim, que a mãe sabia mais coisas que o menino e lá lhe dei a volta. Até hoje mais ninguém lhe disse nada igual e se disser, ela já tem resposta para isso. Leva uma grande lavagem em casa: todos os meninos podem vestir rosa, todos se podem mascarar do que quiser, todos podem fazer as actividades que preferirem, etc etc etc. Não é aí que se faz um combate à feminilidade das mulheres e um ataque à masculinidade dos homens... dá-se é precisamente maior abertura a que mais miúdos e adultos possam ser felizes no futuro, a fazerem o que mais gostarem, a vestirem o que bem entenderem, a serem o que quiserem, depois de lhes terem sido dadas oportunidades para experimentarem tudo, sem reservas.
Quando achamos que este tema já nem devia ser necessário, lá vem uma carga de mensagens perturbadas com o facto de uma marca ter, segundo eles, com esta colecção, ido atrás da agenda LGBT e fazer ideologia de género, quando está e bem, a apresentar um terceiro corredor de roupa, colorida, que dá para passar de irmãos para irmãs e para primos, sem restrições.
Claro que grande parte da ideia poderá ter marketing associada (e qual o mal) e estar a surtir até o efeito desejado (who knows?), mas assusta-me ver o transtorno que tal coisa causa em algumas pessoas. Estão lá, no corredor ao lado, os vestidos rosa (e aliás, quem não souber pode ficar a saber que esta coisa do rosa ser cor das meninas e azul dos meninos é uma "construção recente" - leiam este artigo muito bem conseguido). Continuamos a comprar o que quisermos (ou o que os nossos filhos quiserem...).
A Isabel hoje quis levar a camisola do Benfica para a escola; a Luísa um vestido "da Elsa" (qualquer vestido rodado para ela é "da Elsa", do Frozen). Qual o problema mesmo? Podem explicar-me?
Deixem os miúdos em paz, principalmente quando eles já têm gostos e opiniões.
Não quis usar vestido neste dia. Acham que insistimos? Nem pensar. |