Isto foi o que pensei. Estávamos as duas deitadas na cama - aquela altura em que só queremos que se calem para podermos ir ver Netflix à vontade durante aqueles 10 minutos até babarmos o sofá de forma pornográfica - e claro que começou a tagarelice. Acho que até foi ela. Ou, na volta, até fui eu. Talvez tenha querido puxar conversa sobre a questão dela sentir alguma necessidade de me proteger.
Já tinha havido uma vez em que ela me disse "trazes sempre um casaco para mim, mas não para ti" e "as mães deviam também tomar conta delas próprias". E, com estas, fico parva (ainda mais). Perguntei-lhe porquê e ela respondeu-me:
"Ó mãe, imagina: "Só cá estamos as duas cá em casa, não é? Imagina que te cortas tanto a fazer a comida que até desmaias com tanto sangue... Tenho de ser eu a cuidar de ti!".
O meu coração parou. Ela, por um lado, tem razão. Já tive aí uma fase em que pensava muito nisso. E se me der um AVC? Um enfarte? Como faço para falar com alguém e dizer que a Irene está sozinha e que precisa de alguém ou... até eu? Fiz o que costumo fazer sempre que surgem esses pensamentos mais assustadores e entro em negação, claro.
Não sabia bem o que lhe dizer quando ela me espetou com esta informação pela goela abaixo, sinceramente. Pensei que seria uma boa oportunidade para voltar a sublinhar a relação próxima e de amizade que tenho com o pai dela e que somos uma família, dizendo "temos sempre o papá que nos ajudará em tudo o que precisarmos, ele protege-nos e nós a ele" e, obviamente, não contente, aproveitei também para incluir o Miguel (namoramos há seis meses, eheh, obrigada, obrigada!) na conversa. "Sabes, a mãe e o Miguel também se estão a conhecer melhor para perceber se o Miguel poderá integrar a nossa família e ser mais uma pessoa que vive connosco e que passa a fazer parte de nós e que também cuidará de nós".
Não obstante, senti que não a estaria a deixar segura de maneira alguma. Que deveria haver alguma coisa que pudesse fazer ou dizer que a fizesse dormir em paz ou sossegar-se em relação a este assunto, mas não consegui dizer mais nada. Expliquei que tenho 34 anos e que sou do caraças, que já vivi muita coisa e que os meus pais me ensinaram milhares de ferramentas para conseguir ultrapassar obstáculos e emergências, mas ficou a faltar qualquer coisa...
Em desabafo, ontem, em consulta com a Eugénia Amaro (minha psicóloga e da Joana Paixão Brás) falei-lhe disto e ela deu-me uma óptima ideia: ensinar a Irene a ligar para o 112. Não deixa de ser uma possível necessidade e, na verdade, é capaz de a sossegar. Ontem lá lhe expliquei os números que fazem parte do 112 e o que aconteceria se ligasse (que poderiam vir médicos, bombeiros, polícia...) e que seriam sempre hiper rápidos - o que, por acaso, não é verdade na zona onde moro, infelizmente.
Também é normal, disse a Eugénia, que as crianças sintam que têm de cuidar de nós se não for "em exagero", fazem parte da "família" e não deixam de ser "pessoas com empatia" e que se preocupam com a sua segurança. No entanto, com a "culpa" que sinto de ser só eu e ela diariamente, tenho algum receio que isso se reflicta na segurança que ela possa sentir. E não quero ser "preconceituosa" ou o quer que seja - as leitoras mais atentas, sabem que sou 0 no que toca a isto - mas não ter uma presença masculina (com a vibe masculina) presente diariamente no dia-a-dia dela também poderá fazer com que se sinta mais vulnerável, talvez. Ou, então, é só a minha cabeça.
Seja como for, é bom falar-se, ainda que nos roube tempo de Netflix. E sim, agora que me lembro, fui eu a puxar a conversa e ainda bem.
Já ensinaram os vossos a ligar para o 112?
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