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4.10.2017

Não deixem o amor morrer.

Já todos sabemos que não é um bebé que sustenta uma relação. Aquela máxima de "engravidar para segurar um homem" ou ter um filho para tentar salvar um casamento é crendice do passado. 

Neste momento, acho que já todos temos consciência de que a relação do dia-a-dia, o amor, a cumplicidade, a união na saúde e na doença, a noção do lado lunar do outro, o respeito e a empatia já têm de vir de muito antes. Se não vem - porque nunca antes havíamos sido confrontados com esse teste - tem de passar a haver. E a verdade é que um filho vem mudar muita coisa. Muda a casa, muda os horários, muda os estados de espírito, muda corações. E, ao mesmo tempo que os muda, acrescenta. E ao mesmo tempo que nos acrescenta uma força que não sabíamos que existia, acrescenta medos, acrescenta incertezas e traz ao de cima algumas das nossas maiores inseguranças e fragilidades. Perante o assoberbamento que é ter um filho a depender totalmente de nós, ficamos expostos. Totalmente nus.

Com o nascimento a paixão, como todas as outras, deixa-nos meio anestesiados no início e com borboletas na barriga. É uma explosão tão grande de emoções que choramos, rimos, ora estamos tranquilos e orgulhosos a olhar para aquele ser a dormir, tão perfeito, tão nosso, ora estamos em rebuliço a achar que não damos conta. E é na soma desses dias, em que começamos uma nova vida - todos -, em que nos vamos conhecendo e redescobrindo, em que vemos nascer e crescer uma criança, mas também dois pais, que o amor se sustenta.

Se não conseguirmos esperar que o outro se reencontre, se não conseguirmos colocarmo-nos no lugar do outro e perceber que há muito por curar, há um corte e um luto com o passado por fazer, há até memórias de infância que surgem, inesperadas, há um nós que às vezes não reconhecemos e que demora a reconstruir-se ou a aceitar-se, há sono, há cansaço e há - acima de tudo - mais uma pessoa na equação.

Nem tudo vai continuar a ser igual. Arrisco-me a dizer que nada vai continuar a ser igual. E se no meio desta mudança, a relação não sobreviver, então não é amor. Porque o amor é compreensão, é paciência, é abertura para tentarmos encaixar novas rotinas e novos "eu" na história. Amar é tentar, é dar uma nova oportunidade, sabendo esperar. O amor sobrevive a maus feitios, a zangas miúdas e a grandes, sobrevive a dias ou semanas com falta de sexo, a muito sono e a birras, de todos. Mas só sobrevive se for alimentado - mesmo com períodos de jejum-, só sobrevive se relativizarmos palavras afoitas ditas a meio de uma noite mal dormida, só sobrevive se dermos e recebermos e se tivermos noção de que amor não é só o prazer momentâneo e auto-satisfação. É abdicar também, é procurar também a felicidade do outro. Amar dá trabalho, ao mesmo tempo que não dá trabalho nenhum, porque, se de coração aberto, não custa nada.



Fotografia: Joana Paixão Brás



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