Não vos acontece, de vez em quando, olharem para os vossos miúdos e lembrarem-se de vocês mesmas? Esqueci-me de imensas coisas até agora. Coisas da minha infância, mas que estou a recuperar não só por causa dela, mas também porque tenho vindo a falar mais com os meus pais sobre o passado (o nosso/meu) e isso tem-me ajudado muito.
Como são divorciados desde os meus seis anos e são muito diferentes um do outro, as histórias são completamente diferentes, mas já consigo ter mais disponibilidade para retirar algo que seja comum às duas ou três ou quatro versões que me vão dando.
Lembro-me de ainda estar no berço e de adorar trincar a madeira porque, como tinha verniz, sentia um estalinho giro na boca. Lembro-me de sair do berço sozinha e de não cair (mas de ter caído uma vez). Lembro-me de ficar a chorar até me esquecer porque estava a chorar e de pensar "vou dormir, já não me lembro sequer". Também associo ao berço, mas já não posso pôr as mãos no fogo (que expressão mais estúpida).
Lembro-me de aprender a desenhar tulipas e de ser o que mais gostava de desenhar. Lembro-me da minha mãe me desenhar sempre uma casa com peixes num lago e dizer que não tinha jeito. Lembro-me do meu pai me fazer bonecos com a comida, eram tão giros que me custava comê-los (mais ou menos como a Irene não consegue comer bolachas com desenhos de animais à vontade, tão querida a minha mini-vegan... ). Também me lembro de ter caído um termómetro de vidro no chão.
Lembro-me de ver o ET vezes sem conta e a pequena sereia. Lembro-me de ouvir o Sail Away da Enya na sala e de dançar muito. Lembro-me do ano em que entrei para a primeira e que recebi um coelho enorme que andava no chão e que podia segurar com uma trela e também o meu skiper (aquelas coisas cor de rosa que púnhamos nos pés para saltar e que contavam quantas voltas, lembram-se?).
Lembro-me que me doia muito quando me penteavam o cabelo porque tinha "muitos ninhos de ratos". Lembro-me de brincar muito com Tangrams e com umas esferas do meu pai, presas com um fio de nylon.
Lembro-me da árvore de Natal logo à entrada na casa da Damaia, do lado esquerdo. Quando a casa ainda não tinha as luzes acesas e só se viam as da árvore era a minha parte preferida. Lembro-me de brincar com as barriguitas (e de agora me ter tornado uma). Lembro-me de estar fascinada com o abre latas da Moulinex que tínhamos na parede. E lembro-me dos leites Milo (?).
Morei em muitas casas quando era pequena por motivos profissionais da minha mãe, pelo que tenho a sorte de ter as memórias associadas a casas e saber mais ou menos quando aconteceram. Esta foi a minha primeira casa onde fui estando intermitentemente até aos meus 6 anos quando vínhamos visitar o meu pai.
Depois houve outras pelo meio. Lembro-me das tuatuagens das tartarugas ninja na pele. Lembro-me dos códigos que havia dentro das garrafas de refrigerantes, dentro das tampas e que se podia tirar o plástico. Lembro-me de ir ao cabeleireiro com a minha mãe e de achar que tinha sido a meu pedido que lhe tinham mudado o cabelo de moreno para loiro. Lembro-me que o café da Vila de Santo André se chamava Vitaminas. Lembro-me de brincar imenso na casa da Lurdes e de fervermos biberões e chuchas por lá.
Lembro-me de termos tomates no jardim lá de fora e eu não gostar de tomates, mas de serem para a minha prima (sei lá se isto é assim). Lembro-me de termos recebido um gato vadio. Do meu vizinho adorar batidos e da minha mãe ter feito uns para ele. Lembro-me de esconder os maços de tabaco da minha mãe, não queria que ela fumasse. Lembro-me de ver o Herman José na televisão e de ver os Simpsons e achar que tanto o Herman como o Homer eram o meu pai (já estou a trabalhar nisto, haha, apesar de ainda me ter acontecido na adolescência com o Conan O'Brien). Lembro-me de ter ténis de velcro e de ficar tão feliz por me conseguir calçar sozinha. Lembro-me da caixa de maquilhagem que usava por baixo das escadas para o andar de cima. Lembro-me de querer usar os pensos da minha mãe para ser crescida. Lembro-me quando fui furar as orelhas. Lembro-me de brincar aos legos e aos pega monstros numa sala de brinquedos com as filhas da empregada da altura.
Lembro-me de haver pinhões no chão da escola dessa terra. Muitas pinhas e muitos pinhões que era eu quem descascava e comia. Lembro-me de haver televisão na escola. Lembro-me de haver muitos livros e de me dizerem que - eu sangrava muito do nariz - o ideal era estar deitada com o braço levantado no ar.
Lembro-me de conduzir ao colo do meu pai numa estrada ao longo de um monte ou uma montanha e de ter muito medo de cair. Lembro-me de adorar groselha e que havia sempre uma garrafa de groselha no frigorífico. Lembro-me de não gostar de Golden Grahams e de não ter gostado que a mãe tivesse comprado. Lembro-me de dormir com a minha mãe. Lembro-me do João Pestana e dela me fazer festinhas no nariz "porta, janelinha e campaínha". Lembro-me de ver o Clube Disney e de ouvir Beach Boys no rádio e o Oceano Pacífico. Não me lembro das manhãs.
Terá sido isto em S. Tiago do Cacém?
Lembro-me de uma casa com um corredor enorme e uma janela. O meu pai cantava-me músicas enquanto me levava nua para a casa de banho para me dar banho. Era sempre a mesma, afinal. Ainda a sei de cor e é uma letra inventada. Lembro-me de tocar muito no meu piano. Não o largar e de saber tocar de ouvido o hino da alegria e de toda a gente me elogiar por me dizerem que tinha um talento nato. Lembro-me de ter que "tomar" muitos supositórios por causa da febre. Lembro-me do xarope verde que era horrível, que eram vitaminas. Lembro-me da minha mãe brincar comigo a pedir que conseguisse dizer Táxi muitas vezes, mas só conseguir dizer Tá-sequi. Lembro-me da minha camisa de dormir feita pela minha avó Isabel. Lembro-me da minha avó Irene me ter lá ido visitar e de me ter ensinado a pintar com canetas de feltro. Lembro-me de ter uma janela muito grande no meu quarto e de, num dia, ter aberto a mesma e ter visto a lua a sorrir para mim e me ter sentido menos sozinha.
Lembro-me de ver os PowerRangers e um programa de desenhos animados que incluia uma menina a por cassetes VHS num robot gigante. Lembro-me do meu pai me dizer que tinha de comer banana madura porque a parte castanha das bananas era "mel". Ainda hoje como sem problema.
Lembro-me de haver divisões da casa onde não entrava. Afinal, a casa não era nossa, estavamos lá só de passagem.
Terá sido isto no Cartaxo?
Lembro-me de, em Grândola, estar no jardim de infância e de me terem ensinado a fazer esmada e de ter adorado. Lembro-me de dormirmos todos juntos numa sala e de haver demasiada luz para mim. De fazer brincadeiras com os olhos para conseguir ver as pestanhas e de às vezes, por estar deitada,, me "sairem os puns pelo pipi" e de me rir sozinha.
Lembro-me todos brincarem "à Linda Falua" e de eu ser a única que não sabia a letra. Parti qualquer coisa neste jardim de infância e não se chatearam comigo. Havia muitos ninhos de andorinhas no tribunal. Tinha uma bola muito gira que a avó Irene me tinha dado.
Lembro-me de ter sido aqui que reparei que me punham azeite cru por cima da sopa (como faço à Irene) e da minha mãe me dizer que era como se a sopa tivesse um "olho". Lembro-me da minha mãe fazer os hamburgueres com carne picada com umas formas brancas. A minha mãe é sempre muito bonita em todas as minhas memórias.
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Lembrar-me de tanto é parte da motivação para querer construir tantas memórias na Irene. |
Lembro-me da minha avó ter um pão cheio de buracos para a torrada e de por muita manteiga. Lembro-me de haver Tulicreme. Lembro-me dela me deixar comer a sopa pela concha e eu ficava muito feliz por ser muito rápido. Lembro-me de conseguir impingir ervilhas a uma vizinha de cima mais nova do que eu por lhe dizer que sabiam a chocolate. Lembro-me de ficar muito escuro e de estar a ver televisão, os Moscãoteiros. Lembro-me de haver um rapaz chamado Nelson ou Nilson ou Ednilson que me queria beijar e mandava cartas. Lembro-me de gostar do Cláudio Cebola e dele ter sido o meu primeiro namorado e de morar no prédio em frente. Lembro-me de brincar horas e horas na rua com os meus vizinhos. Luís Espada?
Isto já não são as primeiras memórias, mas estava-me a dar gozo.
E as vossas? Quais são as memórias mais antigas?