2.06.2020

Adormece-me, por favor.

Saí de ti. 

Estive contigo naqueles nove meses e, antes disso, a pairar na tua cabeça e na do pai. 

Quando nasci conheci a tua pele, o teu calor, o teu cheiro e a tua voz. Quando me abraçavas e quando o pai me dava colo. 

Às vezes continuava a chorar porque podia e queria e precisava. 

Às vezes parava porque eras tudo o que precisava. 

Aprendi o que era bom e mau através dos teus olhos, mãe e dos teus também, pai. 

Aprendi o que posso e não posso fazer e ainda estou a aprender. 

Agora já sou crescida, já vou para a escola. 

Custa-me a acordar, mas sei que tem de ser. Gosto de estar com os meus amigos e gosto muito de aprender coisas novas, mas sinto a vossa falta. 

Quando me vais buscar, estou deserta para que tenhamos tempo para brincar, para que matemos saudades, mas há sempre coisas para fazer. 

Vocês estão cansados - e eu também - e o tempo passa a correr. Parece que o dia é repleto de intervalos em que há pressa e em que não há e que só há tempo para nós nos fins-de-semana. Não deveria ser ao contrário? 5 dias de fim-de-semana e dois de semana? 



Há quanto tempo não adormeço ao teu colo? 
Já não sou bebé, não choro para ter o vosso colo, mas não quer dizer que não queira. 
Sinto a falta da pele, do calor, do cheiro...

Se os adultos também gostam de abraços, também gostam de dormir acompanhados, de fazer conchinha, por que tenho de adormecer sozinha? Sei que consigo, às vezes faço-o, mas tem mesmo de ser? 

É a melhor maneira de acabar o meu dia. 
Saber que apesar de ter o corpo cansado e de ter a cabeça cheia de informação nova, que acabo o dia tal como comecei a vida: enroscada em quem me ama mais. 

Mesmo que não nos enrosquemos, ter-te ali perto faz-me sentir que ainda que o dia seja com cada um de nós a viver as suas vidas, que à noite temo-nos sempre uns aos outros. Ainda que tenha de adormecer rápido, posso adormecer nos teus braços ou aquecer os meus pés no meio das tuas pernas. 

O que está errado aqui? 
Continuo a precisar de ti, ainda que pareça crescida. 
Porque os crescidos também precisam de mimos e de abraços ou não? 




PS - A Irene tem praticamente 6 anos e adormecemo-la todas as noites. Sem vergonha. Ela precisa e nós também.

6 comentários:

  1. Patrícia Encarnação10:49 da manhã

    ♥️♥️

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  2. O meu filho tem 7 anos e eu também o adormeço. É difícil lidar com as opiniões. Todos têm uma para dar. Mas a verdade, é que é o nosso momento. É quando ele desabafa comigo e me diz o que realmente sente e pensa. Continuo a fazê - lo e, se puder, ainda durante bastante tempo. Obrigado pelo lindo texto.

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  3. Lidas palavras!
    A minha filha tem 5 anos, e todos os dias a adormeço. Sabe tão bem! Tão bom, tão saudável... é realmente o nosso momento :)
    E uma boa parte das noites, acabo eu por adormecer com ela também e ali ficamos aninhadas até que eu acordo de madrugada e "viajo" até a minha cama :)
    Aproveitar cada momento é muito importante e dá muita segurança :)

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  4. <3 que texto lindo. A minha filha faz 5 anos no mês que vem, e eu adormeço-a todos os dias. Porque lhe sabe bem a ela e a mim. E porque os dias e os anos nunca se recuperam. E eu quero que ela cresça com o nosso aconchego. E isso é uma forma de Amor.

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  5. Como é que se adormece uma criança de 5 ou 6 anos? Não sei mesmo o que querem dizer com isso... Deitam-se ao lado delas e esperam que durmam? É isso?

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    1. Sim, eu adormeço a minha filha de 4 anos assim. Não deitada ao lado dela, deixei de fazer isso há uns meses quando me apercebi que ela depois acordava mais facilmente ao sentir-se sozinha na cama. Fico sentada ao fundo da cama, não há toques, não ha conversa. Apenas presença. Ela demora bastante tempo a adormecer (facilmente mais de uma hora) e não aguenta esse tempo sozinha, deitada, a pensar na vida, sem se sentir sozinha e com medos. Por isso para já tem a minha presença.

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