Saí de ti.
Estive contigo naqueles nove meses e, antes disso, a pairar na tua cabeça e na do pai.
Quando nasci conheci a tua pele, o teu calor, o teu cheiro e a tua voz. Quando me abraçavas e quando o pai me dava colo.
Às vezes continuava a chorar porque podia e queria e precisava.
Às vezes parava porque eras tudo o que precisava.
Aprendi o que era bom e mau através dos teus olhos, mãe e dos teus também, pai.
Aprendi o que posso e não posso fazer e ainda estou a aprender.
Agora já sou crescida, já vou para a escola.
Custa-me a acordar, mas sei que tem de ser. Gosto de estar com os meus amigos e gosto muito de aprender coisas novas, mas sinto a vossa falta.
Quando me vais buscar, estou deserta para que tenhamos tempo para brincar, para que matemos saudades, mas há sempre coisas para fazer.
Vocês estão cansados - e eu também - e o tempo passa a correr. Parece que o dia é repleto de intervalos em que há pressa e em que não há e que só há tempo para nós nos fins-de-semana. Não deveria ser ao contrário? 5 dias de fim-de-semana e dois de semana?
Há quanto tempo não adormeço ao teu colo?
Já não sou bebé, não choro para ter o vosso colo, mas não quer dizer que não queira.
Sinto a falta da pele, do calor, do cheiro...
Se os adultos também gostam de abraços, também gostam de dormir acompanhados, de fazer conchinha, por que tenho de adormecer sozinha? Sei que consigo, às vezes faço-o, mas tem mesmo de ser?
É a melhor maneira de acabar o meu dia.
Saber que apesar de ter o corpo cansado e de ter a cabeça cheia de informação nova, que acabo o dia tal como comecei a vida: enroscada em quem me ama mais.
Mesmo que não nos enrosquemos, ter-te ali perto faz-me sentir que ainda que o dia seja com cada um de nós a viver as suas vidas, que à noite temo-nos sempre uns aos outros. Ainda que tenha de adormecer rápido, posso adormecer nos teus braços ou aquecer os meus pés no meio das tuas pernas.
O que está errado aqui?
Continuo a precisar de ti, ainda que pareça crescida.
Porque os crescidos também precisam de mimos e de abraços ou não?
PS - A Irene tem praticamente 6 anos e adormecemo-la todas as noites. Sem vergonha. Ela precisa e nós também.