Uma em cada quatro grávidas sofre um aborto espontâneo. Uma em cada quatro mulheres vê destruído o sonho de ser mãe. Uma em cada quatro mulheres sofre a dor da perda e muitas vezes cala-a. Ela dificilmente desaparece. O mundo à volta é que acha que sim.
Não fazia ideia desta realidade até uma amiga próxima, depois de bastante tempo a tentar engravidar, ter perdido o bebé, de poucas semanas. Fiquei sem saber o que dizer, mas calculei que a frase "se aconteceu assim, foi porque algo não estava bem" não fosse surtir nenhum efeito positivo nela. Não era isso que ela precisava de ouvir. Só lhe consegui dizer que sentia muito. E senti, senti muito por ela. Entretanto engravidou de novo, correu tudo muito bem, e nunca mais voltámos a falar do assunto. Se ela quiser voltar a falar disso algum dia, cá estarei para a ouvir e dar-lhe o meu abraço. Mas sei que mesmo que ainda sofra, muito provavelmente não irá puxar pelo tema, porque infelizmente, na nossa sociedade, essa perda é muitas vezes incompreendida. E as mães - e os pais - ficam a sofrer em silêncio.
Resolvi falar com algumas mães que passaram, e passam, pela dor dessa perda gestacional. Algumas ultrapassaram-na pouco tempo depois e conseguiram resolver nelas o que lhes aconteceu, outras não e acham que nunca o farão. Ficam os testemunhos, para que quem está desse lado perceba que não está sozinha. E para que, caso esteja a passar por isso, possa procurar ajuda.
Resolvi falar com algumas mães que passaram, e passam, pela dor dessa perda gestacional. Algumas ultrapassaram-na pouco tempo depois e conseguiram resolver nelas o que lhes aconteceu, outras não e acham que nunca o farão. Ficam os testemunhos, para que quem está desse lado perceba que não está sozinha. E para que, caso esteja a passar por isso, possa procurar ajuda.
Inês.
A Laura é a minha 4ª. filha. Antes dela nasceram o Manuel e o Filipe. Um problema genético foi a causa de eu ter feito 2 IMG às 17 semanas de gravidez. Foram 2 partos normais, como se de bebés de termo se tratassem, com a diferença de que saí da maternidade de braços e alma vazia, com uma dor que ainda hoje me corrói por dentro. Ouvir as pessoas dizerem "deixa lá foi melhor agora que mais tarde", "para a próxima corre melhor", "tens sorte em já ter a Rita", "deixa lá ainda és nova"... Enfim, comentários que nunca nenhuma mãe que acabou de perder um filho deveria ouvir. O que mais alento deu ao meu coração foi a dignidade com que foram tratados desde que nasceram (já sem vida) até irem para o cantinho onde hoje estão.
Já passou algum tempo, e hoje embora consiga falar mais abertamente do assunto, ainda tenho noites que choro até adormecer, sobretudo em certas datas. Quando perdi os meus filhos, um pedaço de mim foi com eles. Tive dois sonhos desfeitos. Quando fiquei grávida da Laura eu não queria de todo ficar grávida, não naquela altura. Foi uma gravidez a medo, a cada consulta, a cada eco eu tremia só de pensar que poderia voltar a ouvir as mesmas palavras que ouvi nas duas anteriores gravidezes. Quando a Laura nasceu, foi um misto de emoções... Olhar para ela e saber que vou viver com ela o que jamais irei viver com os manos é doloroso, mas depois também penso que se nada disto tivesse acontecido a Laura também não estaria cá... São emoções que se contradizem...
O Fórum, na altura, foi o lugar que encontrei para me aliviar a dor. Fiquei sozinha, a minha família está longe e no fórum encontrei pessoas espetaculares que, mesmo sem conhecer, me ajudaram a superar aquela fase.
Acho que as pessoas ainda desvalorizam o assunto "perda gestacional" e só quando passamos por lá é que temos a noção da quantidade de casais que sofrem em silêncio. Quero que a sociedade saiba o impacto que isto tem nas nossas vidas e que aqueles eram os nossos bebés, os nossos filhos. Não são coisas ou abortos.
Tudo aconteceu em 2009. Descobri que
estava grávida. Já tinha as minhas férias marcadas para Cabo Verde, e depois de
falar com a médica, resolvemos viajar. Chegámos a Cabo Verde e correu tudo bem na
primeira semana, mas depois disso veio o meu maior medo. Comecei a sangrar um
pouco e fui ao hospital. Diagnosticaram "ameaça de aborto" e, embora
tivesse o colo do útero aberto, vim para casa com recomendações de repouso absoluto e de pernas elevadas.
Passado um dia, comecei a ter cólicas fortes (contrações). Fui ao WC, sentei-me
na sanita e comecei a perder imenso sangue.
Não sei o que me passou pela cabeça, mas meti a mão e tive o meu bebé.
Mesmo de 9 semanas, era o meu bebé. Estava ali, já formado. Chorei imenso. Chamei o marido, que chorou comigo e que se
culpou durante imenso tempo de termos ido a Cabo Verde de férias.
Era uma gravidez desejada e sofremos
imenso com toda essa situação e até a nossa família sofreu connosco. Claro que
ouvi: “se assim aconteceu era porque não estava bom” ou “se aconteceu foi
porque tinha que acontecer”, frases que nunca se deve dizer a uma mãe
fragilizada.
Em Cabo Verde, após o aborto, fui ao
hospital e fizeram-me raspagem a sangue frio. São dores que não se esquecem.
Passados seis anos, cada vez que vou a uma ginecologista e quando fiquei
grávida de novo, sempre que vejo algo comprido, encolho-me toda e lembro-me
daquilo que eu passei. Foram frios, trataram-me como se fosse habitual aquilo
acontecer, na hora da raspagem eu gritei imenso e não houve nenhum consolo por parte da equipa médica, rasparam e mandaram-me embora.
A 24 de fevereiro de 2010, tive o meu
tão esperado positivo, a gravidez correu lindamente, mas nos primeiros 3 meses
estive sempre apreensiva.
Agora tenho 2 lindas princesas, uma com
4 anos e meio e outra com 9 meses.
Naquela altura, para além do apoio do
marido, apoei-me imenso no forum "de mãe para mãe", que tem uma
secção de perda gestacional. Contei lá a minha história, que possivelmente ajudou
outras mães, e li relatos também de outras mães. Não me senti um alien.
Carla.
Antes do Santiago nascer tive uma
perda as 7 semanas. Foi horrível. Estava a trabalhar e percebi logo o que
estava a acontecer. Liguei ao meu marido. Tranquei-me na casa de banho e
chorei. Chorei muito. Estava sozinha. Não tinha contado a ninguém no trabalho.
Não queria que ninguém soubesse. Rezei para que o tempo passasse rápido. Fui à
urgência e tive a pior notícia. Demorei um ano e meio a engravidar. O meu
relógio biológico já estava a disparar há tempos! Durante esse período quase
todas as minhas amigas engravidaram. Foi desolador. Queria ficar contente por
elas e não conseguia! A minha obstetra sempre desvalorizou. Passei noites que
só chorava. Passava horas a fazer contas à volta da agenda e outras tantas na
net à procura de respostas. Na relação com o meu marido, apesar de nunca estar
em risco, tivemos períodos difíceis. Aquilo que poderia ter sido namorar e
esperar um filho tornou-se a certa altura uma obrigação. Isso deixava-me triste,
muito triste. Tentei tudo! Pernas para cima depois das relações, não me lavar,
não me levantar, enfim... Estava louca!!! Perguntava-me muitas vezes “porquê?
Porquê eu?” Comigo sabia que estava tudo bem. A certa altura coloquei um limite
e disse ao meu marido e se não engravidásse até ao final do ano íamos procurar
ajuda. Convenci-o a ir ao urologista. A meio do percurso, descobrimos que ele
tinha varicocele e teve que ser operado. Sabíamos que podia resultar ou não. Ao
fim de um mês da cirurgia engravidei. Agora antes desta nova gravidez voltei a
ter outra perda... Tive muito medo. Mas felizmente voltei a engravidar logo de
seguida e já vamos nas 15 semanas.
Sei que há histórias muito mais
tristes. Mulheres que sofrem horrores.
Por isso, agradeço-te do fundo do coração dares voz a estas guerreiras!!!
Por isso, agradeço-te do fundo do coração dares voz a estas guerreiras!!!
Sofia.
O Afonso foi a minha terceira
gravidez. Em Agosto de 2012 tive a primeira morte intra uterina, depois, em Fevereiro de 2013 precisamente a mesma situação. Aconteceu sempre por volta das 6 a 8
semanas e tive que me deslocar às urgências de obstetrícia para provocar o
aborto... O pior de tudo é esperar ao lado de grávidas... estar à espera que o
corpo reaja à medicação e expulse o feto e estar a ouvir na sala ao lado o
primeiro choro de um bebé acabado de nascer.
Em Junho de 2013, novamente grávida e
por fim o sucesso (desconfio que eram gémeos, mas que um não vingou), mas, para
quem passa por vários abortos, o medo está presente até ao fim e só quando tens
o teu bebé nos braços é que o medo desaparece.
Rita.
Eu sofri 3 abortos (7s, 11s e 12s),
todos no espaço de ano e meio. Os 2 últimos foram analisados, tendo dado
problemas cromossomáticos. Fizemos consultas de infertilidade, muitos testes e
exames, fizemos também consulta de genética. Resultado: tinham sido abortos
aleatórios. Segundo a estatística, 1 em 4 gravidezes dá um aborto e sofri 3. Passei
por um período muito duro e de depressão. Deixei de conseguir engravidar. Fiz
um bloqueio. Tive 3 anos para voltar a conseguir engravidar, nesse período fiz
induções de ovulação e outros tratamentos para engravidar, nada resultou. O marido
foi trabalhar 1 mês para o México, eu descomprimi e, quando ele regressou,
fomos de férias e eu fiquei grávida. Correu tudo bem e nasceu o João. Quando o João
fez 14 meses, resolvi voltar aos treinos porque tinha medo de voltar a demorar
muito tempo para engravidar. Quando o João fez 15 meses já estava grávida e
desta gravidez nasceu o Pedro. Uma história triste, com final feliz e acho que
sou melhor mãe e melhor pessoa devido ao que ultrapassei.
Obrigada a todas por terem partilhado comigo as vossas dores, as vossas angústias, mas também as vossas lutas.
Obrigada a todas por terem partilhado comigo as vossas dores, as vossas angústias, mas também as vossas lutas.
Caso estejam a passar por uma dor semelhante, deixo-vos este link para o fórum de perda gestacional, que tem também consultório online, e que vos poderá ajudar - Projecto Artémis.
*Todos os nomes usados neste texto são fictícios, respeitando o pedido das mães. <3
*Todos os nomes usados neste texto são fictícios, respeitando o pedido das mães. <3