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9.19.2018

Vamos falar de violência obstétrica?

A minha mãe foi das primeiras pessoas que me falou do que sofreu no parto. No meu parto, há 32 anos. Sofreu muito. Mais do que pelas dores, pela forma como foi tratada. Ouviu a célebre frase do "não gritou quando o fez", não lhe deram água nem molharam os lábios quando pediu, foram muito brutas e insensíveis. Disse-me que foi muito maltratada, ignorada e que teve muito azar. "Devia ter feito o curso de preparação com elas, não me conheciam e não quiseram saber". Penso que terá sido tão mau e traumatizante ao ponto de ainda contar o episódio com um ar triste. Também por isso terá sofrido tanto quando eu tive a Isabel. Chorou, preocupou-se muito, ficou em Lisboa até nascer (nasceu às 02:38 da manhã), não arredou pé. Também aí me apercebi de que uma mãe é mesmo para a vida toda (e que sofre a vida toda pelos filhos).

A minha mãe foi vítima de violência obstétrica. Mas eu achava que era coisa de enfermeiras e médicas da "velha guarda" e estava longe de saber que, hoje em dia, ainda há muitos procedimentos que não são normais e nem sequer necessários, que ainda se desrespeita muito a mulher e a vontade desta e que a mulher não sabe ao que vai, não conhece as várias opções, não está informada sobre o processo biológico. A verdade é esta. São poucos os cursos de preparação para o parto onde se fala do que pode e deve ser feito. Ensina-se o que é feito nos hospitais. Não se fala de alternativas. Não se questiona.

Eu só descobri que a episiotomia raramente é necessária aqui, no blogue, quando abordei o tema e me passaram informação sobre a mesma. Eu só descobri que os químicos que nos dão para acelerar o trabalho de parto ou para o induzir aumentam e muito as nossas dores. Só mais tarde percebi que há médicos que inventam desculpas para que o bebé nasça no dia mais conveniente ou para prosseguirem para cesariana: "placenta velha", "pouco líquido", "está sentado", dizendo também, muitas vezes, que, com 37 semanas ou 38 já estão mais que prontos, ou que são muito grandes, ou que... A mulher, vulnerável, perante aquele que considera o expert, aceita tudo. Deixa nele as decisões.

Aprendi muito depois de ser mãe. Com o que li, com outras mães, com especialistas em amamentação, com histórias. E li recentemente uma reportagem (chamada O Ponto do Marido aqui ) que me deixou enjoada sobre violência obstétrica no Brasil, conduzido por uma jornalista também ela vítima. Coisas que se dizem, "piadas", coisas que se fazem, procedimentos a que submetem a mulher, que não é tida nem achada no processo. Uma em cada quatro mulheres é vítima de violência obstétrica no Brasil. Há, por lá, mas também por cá, o chamado "ponto do marido" que é o ponto que dão a mais na vagina da mulher para que possa dar mais prazer ao marido, deixando-as muitas vezes incapacitadas e sem prazer durante meses ou anos ou... Isto faz-se. Muito. E provavelmente também por cá. E isto é mutilar. É desumano. Cruel. Machista. Abjecto. Imoral. E muitos outros adjectivos.

(Segundo a reportagem "O Ponto do Marido", aqui, a episiotomia, o corte abaixo da vagina durante o parto, deveria ser usado apenas em casos pontuais e necessários, mas acaba por ser usada em 53,5% dos casos no Brasil. O problema? Não há provas científicas de que este seja necessário, o mesmo não pode ser feito sem autorização da paciente e a costura posterior não pode ir além do corte vaginal dito 'natural' para satisfazer o parceiro. A OMS adianta mesmo que "não há nenhuma evidência que prove a necessidade da episiotomia em qualquer situação".")

Eu li testemunhos assustadores. Felizmente há quem dê a cara por este tema e há coisas que estão a ser feitas. Por exemplo, vai ser ministrado o primeiro curso sobre violência obstétrica para juízes (compreender o que é é o primeiro caso para que possam avaliar); o Ministério Público fez uma audiência para debater o tema com profissionais de saúde; projecto lei está a ser aprovados; o tema está ser amplamente disseminado. Ainda bem.

Ainda falta muito. Até ver-se negada a posição como a mulher quer parir pode ser, em alguns casos, um exemplo de violência obstétrica, sabiam? Que o plano de parto deve ser respeitado quando possível (e muitas vezes até era possível, mas não dá jeito). É por isto e por tudo o resto que ainda há muito a fazer e as doulas, os profissionais e os especialistas podem ser mesmo muito importantes neste processo de quebrar mitos, medos e de empoderar as mulheres. Conhecer os nossos direitos é fundamental.

Temos de falar sobre isto. Venham daí essas opiniões e essas histórias. 

Esta imagem... esta imagem... mata-me um bocadinho.


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