11.16.2020

Descosi-me toda.

Ai, nem sei como me saiu a coragem para isto. Deve ter sido o ego de ter sido convidada para escrever um livro. Quando isso acontece, quase que não se olha a mais nada, pelo menos nesta fase da minha carreira. Estou a começar e, por isso, convites vindos de sítios que me impressionem são praticamente um sim imediato. 

A ideia, confesso, que já a tinha. Tenho mais umas quantas, mas para as quais ainda me faltam alguma confiança, visto que não me vejo como “escritora”. Admiro muito os escritores e, enfim, toda a literatura no geral. 

A minha ideia para este livro “Alguém que me cale - As entranhas de quem tem tanto medo que já nem se assusta” veio de um caminho que tenho vindo a percorrer: aceitar-me tal como sou, ainda que tenha algo a “perder” com isso. 

Comecei por trabalhar numa empresa em que, apesar de não haver um espartilhamento óbvio, havia um peso institucional gigante e que me limitava (e, por um lado, ainda bem) muito a nível criativo e humorístico. Encontrei no stand-up uma fuga rápida para isso. No palco, se ninguém filmasse (ainda bem que não era moda há uns 10 anos), tinha a liberdade que queria ter - toda a do Mundo - e sem correr o risco que no dia seguinte viesse a interpretar todos os “bons dias” dos meus colegas da empresa como um julgamento. 


Alguma vez poria uma fotografia minha a fumar no instagram? 
Jamais!


Depois de sair da empresa, comecei um projecto com a Rita Camarneiro, o “Banana-Papaia”. É um videocast onde nós as duas somos uma versão nossa empolada com o intuito de fazer humor. Dizemos o que pensamos e, muitas vezes, o que não pensamos para deixar clara uma visão satírica dos assuntos. Tive de fazer a escolha de saber que não estava a seguir o caminho que mais impressionaria os meus pais e que, provavelmente, me iria afastar de instituições e empresas como aquelas onde já trabalhei. 

Mas pensei: vou esperar que os meus pais morram para fazer o que me apetece? Vou continuar a espartilhar-me para ter trabalhos que não se ajustem 100% comigo? 

Decidi que não. 

E consciente de quase todas as consequências inerentes a essa decisão. Foi ponderado. Um pouco como “sair do armário”. Pensei que, quem me amar por aquilo que sou (que frase mais bimba, bem sei), irá conseguir ir além dos seus preconceitos e vaidade e continuará na minha vida. Não pensei na altura que pessoas não me quisessem vir a conhecer por causa disso o que dói. Porém, foi a escolha que fiz: viver o mais possível perto da minha verdade, ainda que eu própria seja um projecto em construção e, se calhar, um dia faça até um videocast sobre religião, não sei. 

Sei que vamos morrer. E que eu faço parte desse “todos”. Por isso, sendo a vida uma coisa finita, um dos maiores propósitos não será vivê-la na sua plenitude, desde que não prejudicando quem nos rodeia? E, por prejudicar, que não se entenda não lhes dar alguns desconfortos e dores de crescimento, mas sim deixá-los viver a sua liberdade de escolha se querem manter a relação e que isso - tal como quase tudo nesta vida - é algo dinâmico. 

E, por isso, decidi. Decidi ser o que sou e contar o que tenho sido num livro dividido em três secções: o início, o meio e o fim [da vida]. Em cada um deles, por meio de uma associação livre, escrevo o que o ser comum denominará como crónicas (embora não me identifique com a designação). E isso passa por contar a minha história, no que a mim me compete: o que senti e sinto, pensei e penso, mas com a noção de que tal será mutável. 


Luís Pereira / MAGG

Uma das minhas grandes ambições com as consultas de psicoterapia é re-interpretar cenas da minha infância/adolescência agora com uma maturidade superior para conseguir encaixá-las de uma maneira mais benéfica e construtiva. E, por isso, uma das coisas que gostava de fazer com este livro seria rescrevê-lo daqui a 10 anos e ver o que mudou. 

Pelo meio quis inspirar (por quem me tomo, meu Deus) mais pessoas a viverem a sua verdade sem vergonhas. Por muito que se sintam sozinhas (aquele “únicas”, mas como uma conotação negativa) ou malucas (aquele “únicas” adicionando o julgamento de terceiros). Acredito que somos todos feitos do mesmo e que, vistos ao pormenor, somos todos malucos ao ponto desse conceito nem fazer muito sentido. 

Escrevi “Alguém que me cale” porque a minha cabeça não pára. E também porque este percurso não é só feito de coragem. É, antes pelo contrário, feito só de medo. De tanto medo que até salto porque “que se lixe” estou pronta para sangrar de cima abaixo como sempre. 

Se ainda não tiverem lido, estejam à vontade ;) Está à venda nas livrarias habituais e também na internet




11.05.2020

Ninguém te diz que ser mãe é difícil?

"Ninguém te diz que ser mãe é difícil". Mito. Acho que o que não falta mais por aí, de há uns anos para cá, é gente a queixar-se. A desabafar. A gritar o quão difícil, e por vezes solitário, pode ser este papel da maternidade.

Foi  um bocadinho esse o nosso papel de início, quando criámos o blogue. Mas não nos enganemos. Já muita gente nos tinha dito que era difícil. 

Claro que muitas mães andaram a dourar a pílula durante alguns anos - acho que era para elas acreditarem nisso. A emancipação trouxe-nos também isso: a pretensão de sermos capazes de tudo. Queremos (continuar a) ser boas profissionais, miúdas espertas, com (alguma) vida social, buço feito, e queremos ser mães, presentes. Ah! E a casa não se limpa sozinha. Não queremos falhar em nada.

Mas muita gente já tinha gritado por socorro, pedido ajuda. Nós é que não estávamos dispostas a ouvir. Convenhamos: antes de sermos mães, quão interessadas estávamos em ouvir falar sobre maternidade? Em ler sobre amamentação? Em querer perceber ciclos de sono? 

E o meu ponto aqui é: se tivéssemos lido, ouvido, visto: o que teria efetivamente mudado? Talvez não nos cobrássemos tanto. Não sentíssemos que estávamos a falhar. A Joana Gama uma vez confessou-me que, por eu ter parido a dar gargalhadas, ela andou alguns meses a esconder o quão traumatizante teria sido o seu parto. Acho que escondeu até para ela própria. Não me apercebi e nós até falávamos todos os dias, imaginem.

Nós tendemos a ativar um modo de sobrevivência e a relativizar algumas coisas para superá-las. Mas acho que é importante continuarmos a partilhar o bom e o mau. Saber que não fui a única pessoa a adormecer a filha a chorar (eu, não a filha - quer dizer, a filha também), que não era a única com dúvidas, arrasada quando ela não comia nada, triste quando não consegui que voltasse a mamar, com 9 meses, depois da pneumonia.



Este espaço tem sido isso: um espaço de partilha. E, apesar de, ao fim de 6 anos, já termos mais equilíbrio em cima da bicicleta, a corrente de vez em quando ainda sai. E temos de sujar as mãos para a colocar no sítio. Talvez já não seja tão visceral, tão duro, mas continua a ter as suas dificuldades.

E quais são as minhas maiores dificuldades e medos neste momento, perguntam vocês? Vamos à lista:

    - andar a sentir-me constantemente cansada

    - não me andar a alimentar propriamente bem

    - não ter tido tempo para fazer desporto (ou motivação?)

    - não conseguir gerir muito bem as crises entre as duas miúdas, que se magoam e aleijam à séria

    - não estar a encontrar ferramentas decentes para as birras da Luísa, que me parecem cada vez maiores

    - ter a casa sempre num caos (ando a pensar seriamente em investir em alguém, nem que seja 4h por semana...)

-     ter receio de que voltemos a estar confinados (não só pela minha sanidade mental e de deixar de ter trabalho, mas receio da ansiedade generalizada, dos despedimentos, dos negócios a falir, das depressões...).

O que é que muda depois de fazer a lista? Nem sei. Mas é como ir ali ao campo mandar um grande grito. É lançar para o universo e ver o que vem de volta. Feito.

Quais têm sido as vossas dificuldades enquanto mães, enquanto mulheres, e o que é que esta pandemia ainda veio piorar - ou até melhorar - nas vossas vidas?


11.02.2020

Ela não gosta dos meus abraços.

Para as leitoras mais sensíveis, aquelas que ficam enervadas por eu ter a mania de escrutinar tudo e analisar tudo, fica já aqui o aviso que, para continuarem com o seu dia tranquilamente, podem dar ali um saltinho ao Facebook ou então pôr na SIC para verem qualquer coisa que entretenha e mais leve - a não ser que esteja na hora da crónica criminal (aquilo sim, stressa-me). 

A Irene não gosta dos meus abraços. E, no outro dia, ao falar disso com a minha psicóloga (podem conhecer o trabalho dela aqui), ela disse-me que "temos de trabalhar nisso". Pus-me a pensar (uau, que novidade), se o "não se querer abraços" não será algo que também possa ser um traço de personalidade. 

Por não se querer abraços, haverá algum problema? Vá, não é só comigo. Daí eu estar a por esta hipótese. Se fosse só comigo, já teria percebido que a nossa relação iria ser tão saudável como a do Afonso Henriques com a sua progenitora, mas não. 

Só se deixa ser abraçada quando vai dormir. Pede a minha mão para lhe cobrir a cintura e gosta de tocar com os pézinhos nas minhas pernas. Gosta... quer dizer, gosta agora no Inverno, porque no Verão não se inibia de dizer várias vezes que tinha de fazer a depilação. Chatice!

Mesmo quando era mais bebé, reparava que ela ficava mais nervosa ao meu colo e, que quando ia para o colo do pai, acalmava. Ainda assim, nunca foi muito disso. De todo. O colo servia só para dar mama (no meu caso) ou, no caso do pai, para algumas brincadeiras. 

Terei uma filha que não é muito dada ao toque?

Ou... será... que existem outras razões por detrás disto?


Foto: Diogo Ventura para a P3.


Além de ter voltado a fumar (6 anos depois de ter parado, quando engravidei) e ser um cheiro que lhe desagrada ("mãe, cheiras mal" - pelo menos espero que seja disso, do tabaco), ponho-me a pensar se não será também por eu viver com um grau grande de ansiedade normalmente. "Eles sentem tudo". Quando estou mais calma, noto realmente - ou tenho capacidade para notar - que ela me toca mais e que está mais receptiva.

Por outro lado, será que ela herdou e ou adquiriu essa ansiedade? Até recentemente também rejeitava o toque quando estava ansiosa. Encarava como uma invasão do meu espaço pessoal e, por estar nervosa, não sabia reciprocar (nem me apetecia) e toda a situação era muito constrangedora para mim.

Querem ver até onde mais vai a minha cabeça? No outro dia desenhou bonecos sem braços e há uns anos (quando eu também desenhei, sem pensar nisso) uma amiga disse que seria sintomático de ter tido pouco afecto. Pelo menos físico. 

A questão é: temos todos de gostar? Será sempre sintomático? Não pode ser só mais timidez? 

A minha cabeça responde com: "epá, 'tá bem... mas da mãe?".

Como são os vossos com os mimos? Vou tentar ficar contente por vocês caso tenham miúdos que não vos larguem a pedir festinhas.