10.10.2018

O Capuchinho Vermelho Politicamente Correcto

Era uma vez uma menina (ou menino ou outro género qualquer ou não género, mas parece uma menina ao longe e tanto quanto se sabe) cujo nome não é necessário para o caso, mas que era conhecida pelo Capuchinho Vermelho (ou Verde, ou Amarelo porque não era indicativo de preferência futebolística). A mãe fez uns bolos (não sabemos se era fim-de-semana ou dia de semana, estava em casa, mas nada indica que não tivesse um emprego importante nalgum sítio, não que estar em casa não seja um trabalho de grande impacto e muito importante também) para que a/o Capuchinho Colorido levasse à sua avó. 

A mãe, preocupada com a filha e porque andar na floresta podia ser perigoso... chamou um Uber (não é normal que as crianças andem sozinhas por sítios perigosos) e ficou atenta ao trajecto desta para saber se tinha chegado bem à casa da avó. O condutor era daqueles que falava muito e que só dizia piadas parvas (não que todos digam, mas há uns que sim, como há em todas as profissões) e chamava-se Nuno Lobo. Uma das piadas foi que os bolinhos que a Capuchinho Colorido levava eram biológicos mas que, depois, iam dentro de um recipiente de plástico cheio de BPA. A Capuchinho Colorido não gostou e pediu para sair ali num semáforo perto da casa da sua avó. 



Foi o resto a pé, porque quis e, quando chegou à casa da sua avó, a porta estava aberta. Viu na cama que estava o Nuno Lobo vestido com as roupas da avó, mas não quis julgar. Achou que podia ser "a cena dele" e, por isso, preferiu alinhar para que ele não se sentisse incomodado. 

"Ai avó, mas que olhos tão grandes que tens..., mas que nariz tão grande que tens... mas que boca grande que tens..."

"É para te... assustar com o meu ladrar e uivar!"

A Capuchinho não ficou assustada porque sabia que ainda podia dar um mau rating ao Nuno Lobo. Disse-lhe para se acalmar, controlado a respiração e fazendo com que respirasse mais pelo abdomen e menos pelo peito. O Nuno Lobo acalmou-se. 

Depois dos dois calmos a Capuchinho perguntou pela avó. Estava dentro do armário. E afinal era só uma brincadeira que tanto o Nuno como a Avózinha tinham aprontado. Lancharam os três os bolinhos de espelta biológicos e, depois, o Nuno teve que ir porque o carro não era de negócio próprio e tinha um senhor que era caçador a querer ir ao Solinca para fazer um treino de força. 



10.08.2018

Perdemos a Isabel no Colombo

Foram 5 minutos. Talvez menos. Mas foi absolutamente sufocante. Estávamos ali ao pé do continente, encontrei uma pessoa conhecida, cumprimentámo-nos, apresentei o David, ela o amigo, o Benfica ganhou!, olhei para o lado e ela já não estava. “David, a Isabel!” Um para o lado, outro para o outro lado do corredor a olhar para todo o lado. Angustiante. Pedi ajuda a uma pessoa, não falava português. E a outra, a um casal, descrevi a Isabel, já a chorar. Não há sentimento pior no mundo. Nunca tinha sentido isto. Descontrolei-me, comecei a correr, a gritar “Isabel!”, olhava para o David, ao fundo e nada. Chorava, muito. Muita gente e olhar, a oferecer ajuda, pedi ajuda a uma menina na caixa que foi avisar o segurança. Até que a menina do casal me pergunta se era aquela menina que aí vinha, já de mãos dadas com uma mãe e com uma criança ao lado. Vinha a rir. Corri para ela. Chorei mais ainda agarrada a ela. 
Disse-lhe que nunca mais poderia fazer aquilo. (Nunca tinha feito). Expliquei-lhe tudo. Disse-me que tinha ido descer nos “escorregas”. Fui avisar o David que vinha com ar de fantasma. Descarga de adrenalina. O segurança veio dizer-nos que a primeira coisa é avisar a segurança para mandarem fechar todas as saídas. 
Espero que nunca, nunca passem pelo que passámos. É uma sensação de perda, de que nada faz sentido, de medo e impotência. Se acontecer, já sabem. 

Renasci com ela no meu colo. Renascemos. 

10.07.2018

Cuidado com as opiniões dos outros.


Se ligasse às opiniões dos outros – como já vi muita gente ligar, eu incluída a determinada altura – já me teria morto.

Não estou a tentar ser engraçada ou dramática, estou a contar-vos algo pelo qual já tive que passar para estar aqui onde estou. Houve uma altura na vida em que, se as opiniões dos outros determinassem o que é real, não valeria a pena estar viva.

Estamos programados para ver o que queremos ver. Sendo que o que queremos nem sempre é o que precisamos, mas sim o que temos em “nós”. Não somos o que fazemos. Não somos o que achamos que somos. Temos uma linha paralela à nossa existência, uma substância inalterável de riqueza e de luz que não é alterada pelos acontecimentos, pelas consequências.

Existe um espaço em nós que raramente algo ou alguém consegue chegar e que, mesmo dentro de um sítio muito pequeno, de um sítio violento, de um sítio morto, de tristeza, de desapontamento, essa luz continua cá dentro.  A luz que mesmo depois de uma perda monstruosa, nos dá força para continuarmos por cá, por exemplo.

Somos mais do que a ausência ou presença de likes, muito mais do que o número de pessoas que concorda connosco ou que discorda. Somos mais do que as opiniões que queremos ouvir ou que os sítios onde querem que estejamos. Somos água, não somos listas de tarefas. Não é o número que rege o que está certo ou errado. Não é a quantidade, é a qualidade. É a qualidade das pessoas e a sua relação connosco.

E a relação delas consigo.


Da mesma maneira que existe uma grande necessidade para o pintor de fazer um recuo relativamente às suas obras para ganhar perspectiva, também  nós deveríamos fazê-lo, embora hoje em dia seja ter cada vez mais difícil: o tempo parece que nos tira tempo e vamos com a corrente em vez de confiarmos que sabemos nadar contra ela - faz-me lembrar do poster que a personagem principal do Fargo tinha na lavandaria.


Claro que a nossa essência não consiste em estarmos constantemente a lutar contra (seja o que for). A nossa essência, o nosso propósito, quem somos verdadeiramente (despidos de status, de histórias que nos contaram sobre nós próprios e que continuamos a repetir para dentro, de roupas, de iPhones, de ausências ou de meias-presenças) não se poderá definir por uma postura relativa à maioria, mas sim uma postura relativa a nós mesmos.

Poderá parecer egoísmo para muitos. Poderá parecer imaturidade para outros. Arranjámos muitas maneiras de medir quantitativamente algo que é só impossível de medir: o amor. Não podemos julgar, pesar, equacionar o quanto alguém gosta de nós por ter estado connosco ali ou por ter saído ali. A vida acontece independentemente de nos sentirmos o centro da vida dos outros ou que merecemos estar no centro da vida dos outros.

A primeira pessoa que devemos aprender a amar é a nós mesmos. Sabendo saborear o que nos parece mais doce e amargo, desenvolvemos o nosso paladar. Todos os sabores fazem parte deste. Só doce é aborrecido. E do que seria a vida sem o pressuposto da existência dos contrários?

Cobramos. Julgamos. Acima de tudo a nós próprios. Sinto muito isso no pêlo no que toca à imagem corporal que tenho, ao conceito de sucesso profissional e à imagem que temos da “mãe” perfeita. Não somos quadrados, não temos que nos encaixar num conjunto de requisitos para sermos considerados aptos enquanto: mulheres, seres, trabalhadores, mães, filhas, amigas, namoradas, etc.

Da mesma maneira que o sexo poderá funcionar de forma criativa e livre quando duas pessoas se deixam de prender (ou se passam a prender, dependendo dos gostos), todos os outros conceitos que nos rodeiam também poderão ter essa fluidez e verdade. Uma verdade que é moldada às pessoas que fazem parte da relação e não o oposto.

Não temos de construir pessoas para que encaixarem nas nossas expectativas. Nem nós.

Claro que a vida não é um passeio de barco, de vela estendida consoante onde o vento nos leve. Claro que a vida não é só um passeio solitário onde nos guiamos apenas por aquilo que sentimos. A cabeça tem de ser um instrumento para sentirmos melhor e não para deixarmos de nos sentir. Ser algo não é estar em todo o lado ao mesmo tempo.

É estar onde o coração manda.

Ouvindo-o é ouvir-nos.

E quanto mais e melhor nos ouvirmos, mais cuidado temos com as opiniões dos "outros".

Sou cada vez mais feliz.

Hoje de manhã.